Bloomberg Opinion — O jato 737 Max da Boeing (BA) deveria ser o avião mais seguro do mundo. Mas a percepção não é exatamente essa.
Quase cinco anos depois do segundo acidente fatal envolvendo o modelo e três anos depois que a Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA) disse que o Max poderia retomar com segurança seus voos nos Estados Unidos, a aeronave ainda apresenta problemas de segurança preocupantes.
No sábado (6), a FAA ordenou a aterrissagem temporária e inspeções imediatas em algumas aeronaves Boeing 737 Max-9 depois que um pedaço de um avião do modelo explodiu logo após a decolagem em um voo da Alaska Airlines na noite de sexta-feira (5), deixando um buraco no lugar em que deveria haver um painel.
O Alaska Air Group já havia parado de voar com toda a sua frota Boeing Max após o incidente, e a United Airlines (UAL) também havia retirado alguns dos modelos de serviço para realizar inspeções de emergência.
A ordem da FAA afeta cerca de 171 aviões em todo o mundo. O voo da Alaska Airlines transportava 171 passageiros e seis membros da tripulação de Portland, no estado do Oregon, para Ontário, na Califórnia. O avião em questão era novo e havia sido entregue em outubro.
Quando os passageiros embarcam em um avião, eles devem estar preparados para possíveis atrasos, principalmente nos dias de hoje, com várias interrupções climáticas e problemas de sobrecarga no setor. Eles não devem estar preparados para ver o avião literalmente desmanchar durante o voo.
É claro que acidentes acontecem: uma mulher morreu em 2018 depois que os estilhaços de uma explosão do motor em um voo da Southwest Airlines quebraram a janela do assento em que ela estava no jato Boeing 737-700 (modelo antecessor do Max).
Ainda é cedo para dizer se há um problema sistêmico que torna os painéis da fuselagem do Max propensos a explodir.
A Alaska Airlines disse que havia concluído a inspeção em “mais de um quarto” de sua frota de 737 Max-9 no sábado sem nenhuma “descoberta preocupante”. Mas não é cedo demais para dizer que a cultura da Boeing e a cadeia de suprimentos aeroespaciais que produziu esse avião têm falhas sistêmicas que ainda não foram devidamente resolvidas.
Considerando o histórico de segurança duvidoso do avião, não se pode culpar a Alaska Airlines por ter optado pela cautela e suspendido toda a frota do modelo Max envolvido no acidente.
O órgão regulador de aviação da China realizou uma reunião de emergência para considerar uma resposta ao incidente, incluindo uma possível ordem para deixar em solo a frota dos aviões Max no país, informou a Bloomberg News, citando pessoas familiarizadas com o assunto.
A versão do Max envolvida no incidente com a Alaska Air não é pilotada por companhias aéreas chinesas, mas o país foi o primeiro a suspender o modelo após acidentes e o último a reiniciar o serviço comercial em meio ao aumento das tensões comerciais com os EUA e às interrupções das viagens aéreas causadas pela pandemia.
A Boeing tinha 250 aviões Max em estoque no terceiro trimestre de 2023, 85 dos quais estavam sendo mantidos para clientes chineses. Os analistas estavam cada vez mais otimistas de que a Boeing logo retomaria as entregas de jatos 737 para a China (e embolsaria o fluxo de caixa associado), mas novas questões de segurança e problemas de controle de qualidade podem atrasar esse importante marco mais uma vez.
“Está ficando difícil manter o controle de todos os inúmeros problemas de produção, atrasos regulatórios, atrasos de entrega e encargos da Boeing”, escrevi em abril. Foi quando a empresa alertou que dois dos encaixes traseiros que prendem a cauda vertical do jato 737 Max ao corpo do avião haviam sido instalados incorretamente pelo fornecedor Spirit AeroSystems Holdings.
Em agosto, a Boeing e a Spirit divulgaram outra falha de produção que afetava a estrutura do Max: os furos de fixação em um componente que ajuda a manter a pressão da cabine haviam sido feitos de forma inadequada.
A correção desse problema específico se mostrou cara e demorada, pois os mecânicos precisam avaliar cada furo por meio de raios X e, em muitos casos, trabalhar em torno de banheiros, cozinhas e compartimentos superiores já instalados.
Em outubro, a Boeing reduziu sua meta de entrega do Max para 2023. No final de dezembro, a FAA informou que está monitorando as inspeções específicas dos jatos Max em busca de parafusos soltos, depois que uma operadora internacional descobriu uma porca faltando durante a manutenção de rotina do sistema de controle do leme.
Os dois acidentes com o Max – que mataram um total de 346 pessoas – estavam ligados a um software de controle de voo originalmente adicionado para proteger contra um estol aerodinâmico, mas que foi ativado por um único sensor que não funcionou corretamente e, em vez disso, forçou repetidamente os aviões a mergulharem, disparando vários alertas e sobrecarregando os pilotos.
Além de exigir mudanças operacionais nesse sistema, conhecido como sistema de aumento das características de manobra (MCAS), a FAA também exigiu uma revisão mais ampla dos computadores do avião para melhorar a confiabilidade e a separação dos feixes de fiação elétrica que tinham a possibilidade de causar curto-circuito.
Provavelmente estou esquecendo de alguma coisa, mas esses são apenas os problemas e as correções do Max.
As entregas do 787 Dreamliner foram interrompidas por mais de um ano, pois a empresa enfrentou problemas com a estrutura de fibra de carbono e o escrutínio regulatório de seu processo de produção; o lançamento comercial do jumbo 777X foi adiado até 2025; e a empresa continua a ter que fazer reduções em seus programas de defesa, pois sua estratégia anterior de fazer lances baixos para contratos de preço fixo, na expectativa de que o trabalho de serviço futuro compensaria a diferença, continua a se mostrar pouco recomendável.
Na esteira da crise do Max, a Boeing reforçou as salvaguardas internas de responsabilidade e os protocolos de relatórios de segurança em suas equipes de engenharia. A empresa também parece ter finalmente percebido que levar seus fornecedores à beira do abismo é ruim para os negócios.
Em outubro passado, a Boeing concordou em ajustar os contratos dos programas 737 e 787 da Spirit AeroSystems em uma tentativa de evitar uma possível crise de fluxo de caixa no principal fornecedor.
Embora o acordo, sem dúvida, apenas aprofunde um relacionamento desequilibrado que alguns analistas compararam à servidão contratual, ele está muito longe do programa de “parceria para o sucesso” pré-crise da Boeing, que buscava reduzir os custos dos fornecedores e obter margens de lucro mais altas para si mesma. Os fabricantes de componentes se referiam ao programa como “roubar dos fornecedores”.
No entanto o CEO da Boeing, Dave Calhoun, continuamente rejeita a ideia de que os desafios da empresa resultam de problemas culturais profundamente enraizados e resiste aos apelos para revisões mais abrangentes dos níveis de engenharia e gerenciamento.
Ele se posicionou como um outsider, embora faça parte do conselho da Boeing desde 2009 e, como tal, provavelmente tem tanta responsabilidade quanto qualquer outra pessoa pelo legado de erros da empresa.
Em meados de 2022, um número surpreendente de CEOs de empresas clientes da Boeing pediu abertamente mudanças na administração. O coro de críticas se acalmou recentemente, mas poderá ser retomado caso esse último revés da Max seja de natureza estrutural.
A empresa anunciou em dezembro que Stephanie Pope, chefe de seu ramo de serviços, se tornará COO. O cargo é geralmente considerado um trampolim e prepara Pope para eventualmente suceder Calhoun quando ele se aposentar.
Pope é imensamente qualificada para o cargo de CEO, e é bom ver a Boeing finalmente considerar uma mulher para o cargo mais alto. Mas a série aparentemente interminável de problemas de controle de qualidade que emana da Boeing sugere que essa ainda é uma empresa que precisa seriamente de novos olhos.
O acordo de acusação diferido que a Boeing firmou com o Departamento de Justiça em relação à crise do 737 Max concluiu que “a má conduta não foi generalizada em toda a organização nem realizada por um grande número de funcionários nem facilitada pela alta administração”.
Quantos problemas mais terão que surgir com os aviões da Boeing para que possamos finalmente começar a chamar isso de um problema generalizado? Parece que já passamos desse ponto há muito tempo.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Brooke Sutherland é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre negócios e indústrias. Anteriormente foi repórter de fusões e aquisições para a Bloomberg News e atualmente escreve a newsletter Industrial Strength.
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