Da China em falso à febre em IA: os erros e as surpresas de investidores em 2023

O ciclo de aperto monetário do Federal Reserve criou novos vencedores e perdedores ao longo de 2023; relembre os eventos que marcaram o ano no mercado

Sam Altman
Por Bloomberg News
30 de Dezembro, 2023 | 07:30 AM

Bloomberg — Em 2023, um boom de Inteligência Artificial (AI) salvou o mercado de ações, enquanto uma aposta pró-China não saiu como o esperado e se mostrou um passo em falso. Durante o ano, uma série de ativos ao redor do mundo, desde títulos de renda fixa até criptomoedas, entrou em um rali em escala inesperada.

A grande força por trás de boa parte desses movimentos: a campanha de aperto monetário do Federal Reserve, que criou novos vencedores e perdedores ao longo do caminho.

Agora que as negociações dos mercados neste ano chegaram ao fim, a Bloomberg News relembra os principais erros e acertos de grandes investidores ao redor do mundo.

A febre da AI

A forte alta de ações ligadas à inteligência artificial em 2023 proporcionou riquezas incalculáveis às empresas de tecnologia e a seus visionários, o que gerou enormes ganhos para investidores de todos os tamanhos. No entanto, apesar de suas apostas perspicazes e dos retornos amplos, o chamado smart money perdeu de maneira épica.

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A exposição dos fundos hedge a ações de tecnologia rondava mínimas de vários anos em janeiro - exatamente no momento em que a euforia em torno da inteligência artificial decolou.

Isso deixou os gestores fora de um negócio historicamente lucrativo do qual foram pagos para participar. Até o final de setembro, eles haviam revertido drasticamente seu curso, com a exposição à tecnologia saltando para o percentil 99 das leituras históricas, segundo dados do Goldman Sachs.

Nada foi capaz de deter a euforia em torno da IA – nem valuations exagerados nem o tumulto na OpenAI, que tem como investidora a Microsoft (MSFT) e que mandou embora seu CEO visionário e cofundador para recolocá-lo no cargo uma semana depois.

Ao todo, as sete maiores empresas de tecnologia – da Microsoft à Nvidia – foram responsáveis por cerca de 65% da alta do índice S&P 500 neste ano até o pregão de quarta-feira (20).

O ano dos bonds

O “ano dos bonds” (ou dos títulos de dívida) pode não ter se concretizado, mas o bilionário Bill Ackman ainda lucrou bastante com o que acabou sendo, em vez disso, um ano de grandes oscilações nos títulos do Tesouro dos Estados Unidos.

Em agosto, o fundador da Pershing Square Capital Management revelou que estava apostando contra os títulos do Tesouro dos EUA de 30 anos, citando inflação elevada e déficits crescentes do governo. Ele acertou. No final de outubro, os rendimentos dos títulos do Tesouro de referência ultrapassaram 5%, atingindo o maior patamar em 16 anos.

Ackman, que se especializa em escolher ações específicas (stock picking), anunciou então que desfez a operação macro exatamente quando os rendimentos atingiram o pico.

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Isso ajudou seu principal fundo a entregar um retorno líquido de 16% neste ano até novembro. O bilionário investidor demonstrou habilidade semelhante no ano passado, quando embolsou mais de US$ 2 bilhões ao apostar que as taxas de juros subiriam.

A crise dos bancos regionais

O ciclo de aperto monetário que deveria impulsionar a receita de juros para os bancos, enquanto a contínua expansão econômica sustentaria o crescimento do crédito e dos investimentos, não aconteceu.

Na verdade, em março, semanas antes de alguns bancos regionais entrarem em colapso nos EUA, dos quais o mais célebre o SVB (Silicon Valley Bank), o banco das startups, fundos estavam fortemente investidos em ações do setor financeiro, de acordo com o Goldman Sachs.

Quando veio a maior agitação na indústria bancária desde a crise financeira de 2008, que deixou Wall Street atordoada, o cenário levou a movimentos bruscos, como tentativas de resgates do dinheiro alocado, intervenção do governo, uma onda de audiências no Congresso e novas regras para a indústria.

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Enquanto isso, a aquisição do First Republic Bank pelo JPMorgan (JPM) pode se mostrar um dos melhores negócios de Jamie Dimon em anos.

A turbulência criou uma oportunidade para o gestor do fundo Oakmark Bill Nygren, que aumentou sua participação no First Citizens Bank quando as ações despencaram no início de março.

O movimento foi feito também antes da notícia de aquisição do Silicon Valley Bank, o que fez com que as ações subissem mais de 50% em um dia e em uma proporção semelhante nos meses seguintes.

China: a retomada que não veio

Quase todo mundo errou em relação à China, é necessário e justo dizer.

O Goldman Sachs previu aumentos de dois dígitos tanto no índice de referência MSCI China quanto no Índice CSI 300. O Morgan Stanley, por sua vez, ficou overweight (com posição acima da média do mercado) em ações chinesas em dezembro passado, juntando-se àqueles que esperavam que a segunda maior economia do mundo e seus mercados ganhassem impulso à medida que o governo relaxasse as restrições da covid-19.

No entanto uma recuperação com a reabertura não se concretizou. Ou não como o esperado, nem de longe. As ações seguem distantes dos níveis pré-pandemia, e a crise da dívida imobiliária na China engoliu ainda mais empresas. Até 20 de dezembro, o Índice MSCI China caía mais de 14% no ano.

Outros US$ 71 bilhões foram retirados do valor das ações do setor imobiliário. A Country Garden Holdings – que já foi a maior incorporadora da China – ficou inadimplente e teve uma das maiores quedas de ações do mundo em 2023 e a China Evergrande lutou para evitar a liquidação.

Alguns títulos em dólares da Evergrande agora estão sendo negociados perto de 1 centavo de dólar, prendendo os investidores em uma aposta que parece ter perdido todo o apelo.

A volta do Japão (e Buffett já sabia)

O Japão, mercado que tem deixado a desejar em desempenho nos últimos anos (ou décadas), emergiu como o queridinho dos investidores em 2023.

Vários fatores se combinaram para impulsionar o perfil do país, desde uma melhora no crescimento econômico até as perspectivas de reforma corporativa e o otimismo de que os bancos centrais de países desenvolvidos finalmente possam estar prontos para abandonar sua política de taxas de juros extremamente baixas.

A desaceleração da China e um endosso de Warren Buffett também não prejudicaram.

O bilionário investidor disse em abril que estava considerando mais investimentos no Japão após aumentar suas participações em empresas do país - ele que anunciou pela primeira vez grandes investimentos no país asiático em 2020.

Berkshire Hathaway, de Buffett, ampliou suas participações em cinco empresas de trading do Japão

A Berkshire Hathaway de Buffett disse então em junho que havia aumentado ainda mais suas participações em cinco das maiores empresas de trading do Japão, conhecidas como sogo shosha, da Mitsui à Mitsubishi. O índice de referência Topix subiu para uma máxima de 33 anos.

Outro trade bem-sucedido foi a posição short (venda) dos títulos do governo japonês, uma estratégia anteriormente vista como arriscada.

Investidores que apostavam no fim da política monetária ultrafrouxa do Banco do Japão finalmente receberam alguma confirmação, com o BOJ afrouxando seu controle sobre os rendimentos. Isso eventualmente elevou a taxa no benchmark de 10 anos para uma máxima de 11 anos antes de se suavizar, já que as ações monetárias se mostraram menos hawkish do que o esperado.

Aqueles que esperavam uma reversão na fraqueza do iene, contudo, não tiveram tanta sorte. Barclays e Nomura Holdings previram um rali de 9% no iene em relação aos níveis de dezembro passado, e a T. Rowe Price Group disse que havia espaço para ganhos com um Banco do Japão mais hawkish.

Em vez disso, a moeda mais uma vez se encontra como o pior desempenho na Ásia e entre seus pares do Grupo dos 10.

O ano de 2023 também será lembrado como um ano em que o carry trade do iene – que consiste em tomar emprestada a moeda japonesa a baixo custo para comprar moedas em regimes de juros mais altos, como México e Brasil – teve um desempenho fabuloso.

Bitcoin ressurge

O mercado de criptomoedas - e sua reputação - ficou abalado após uma série de colapsos e escândalos em 2022.

O bitcoin, a moeda digital com maior valor de mercado, estava desde então se recuperando de uma perda de mais de 60%, e as repercussões do colapso da exchange FTX, de Sam Bankman-Fried, ainda estavam repercutindo.

No início do ano, as expectativas para uma recuperação do bitcoin - ainda mais uma alta - pareciam remotas.

Durante a primeira metade do ano, o mercado não conseguiu mais do que uma recuperação morna à medida que as negociações evaporaram e as autoridades regulatórias desencadearam uma série de ações de fiscalização, incluindo processos contra líderes do mercado como Binance e Coinbase Global.

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Mas, a partir de junho, uma virada sustentada aconteceu depois que empresas de investimento lideradas pela BlackRock, a maior gestora do mundo, apresentaram uma série de pedidos para listar ETFs que acompanham o preço à vista do bitcoin.

O otimismo de que esses ETFs seriam aprovados e estimulariam uma adoção mais ampla do bitcoin, combinado com a resolução legal de alguns desses casos envolvendo as criptomoedas e as expectativas de cortes nas taxas de juros do Fed, ajudaram a impulsionar os ganhos.

O resultado: a criptomoeda mais do que dobrou de valor neste ano, apesar de ainda ser negociado longe de sua máxima histórica de US$ 69.000.

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