Bloomberg Opinion — As negociações climáticas da COP28 em Dubai terminaram nesta quarta-feira (13) com um acordo anunciado como “histórico”, mas também como “oportunidade perdida”, “forte” e “cheio de brechas e deficiências”. Quem está certo? Embora digerir todos os documentos de várias centenas de páginas demore um tempo, farei algumas observações iniciais.
Em primeiro lugar, parabéns ao presidente da COP28, Sultan Al Jaber, executivo do setor petrolífero dos Emirados Árabes Unidos, por fazer com que todos alcançassem um ponto em comum. Depois de três décadas de diplomacia climática, foi um especialista em petróleo que fez o apelo mais forte de todos os tempos para que o setor de combustíveis fósseis mudasse.
Mas, como ele disse na quarta-feira, “somos o que fazemos, não o que dizemos”. São necessárias ações, e não declarações, para combater a crise climática. E, com base na experiência anterior, pouco do que é acordado na conferência anual das Nações Unidas se traduz em políticas reais – principalmente quando custa dinheiro.
A maior parte da atenção está voltada para os parágrafos 28 e 29 de um documento chamado “balanço global”. Dependendo de sua opinião, esses dois parágrafos contêm 245 palavras que sinalizam o início do fim do setor global de combustíveis fósseis. Talvez – mas não hoje, não amanhã e talvez não por mais alguns anos.
Aqui está o primeiro ponto principal:
“... reconhecer ainda a necessidade de reduções profundas, rápidas e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa, de acordo com as trajetórias de 1,5 °C, e conclama as partes a contribuírem para os seguintes esforços globais, de maneira nacionalmente determinada...”
Precisamos de uma rápida redução nas emissões de gases de efeito estufa. Tudo bem até aqui. Mas depois disso, o documento “conclama” o mundo a agir. No jargão das Nações Unidas, conclamar é a mais fraca de todas as exortações usadas na linguagem diplomática. É um convite para fazer algo, em vez de uma exigência real. Embora seja mais forte do que os rascunhos iniciais, que usavam a fórmula “tomar medidas que poderiam incluir”, ainda está na base da escala de ação política.
Em seguida, o documento enumera uma série de ações. Aqui estão os pontos mais importantes:
“... triplicar a capacidade de energia renovável globalmente e dobrar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética até 2030...”
Esse é o menos controverso de todos os apelos à mudança de comportamento, e foi acordado antes mesmo do início da cúpula. Estabelecer uma data fixa (2030) é muito importante. A falta de ressalvas e qualificadores indica o amplo apoio a essa iniciativa. Obviamente, os países precisam cumprir a meta, mas certamente isso impulsionaria os setores de energia solar e eólica. O acordo pode não estar sob os holofotes, mas, para mim, é o mais importante. Se implementado, ele mudaria o setor de eletricidade.
“... acelerar esforços para a redução progressiva da energia a carvão...”
A redação final repete a linguagem já acordada na COP26, em Glasgow, em 2021, em vez de ir além, como faziam as versões anteriores. Uma versão anterior para a COP28 pedia a “rápida redução gradual” do carvão – linguagem que os diplomatas consideram mais forte do que “acelerar”.
O rascunho inicial também continha uma cláusula importante para estabelecer “limitações à permissão de novas” usinas elétricas movidas a carvão. Essa redação não foi incluída no comunicado final devido à pressão da Índia e de outras nações emergentes. É importante observar que, desde a COP26, há dois anos, a demanda global por carvão aumentou. Concordar em “reduzir gradualmente” e de fato “reduzir gradualmente” são coisas muito diferentes.
“...Abandonar o uso de combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir o zero líquido até 2050, de acordo com a ciência...”
Esta é a declaração de destaque da cúpula. Ela marca a primeira vez que um documento sobre o clima conclama explicitamente o mundo a se afastar dos combustíveis fósseis. Aqueles que dizem que a COP28 marca o início do fim para petróleo, gás e carvão baseiam sua afirmação nessa frase. Mas aqueles que falam sobre brechas também se referem a esse mesmo texto. A verdade está em algum meio termo.
Primeiro, o comunicado fala em “transição” em vez de “redução gradual” ou “eliminação gradual” dos combustíveis fósseis. Este último é o texto que os defensores do clima defenderam. Uma minuta anterior usava uma fórmula diferente, falando em “reduzir tanto o consumo quanto a produção” de combustíveis fósseis. A redação final é uma concessão à Arábia Saudita e a outras nações da Opep+ porque coloca o ônus no lado da demanda, em vez de na produção.
Em vez de fechar os poços de petróleo, como sugeriria a expressão “eliminação gradual”, ao usar a expressão “transição”, a ONU está efetivamente pedindo aos países que primeiro reduzam a demanda. Pode parecer um pouco confuso, mas é uma distinção importante. É por isso que as autoridades sauditas saíram da cúpula da COP28 sorrindo. Em reuniões futuras, eles poderão argumentar que continuarão extraindo petróleo até que haja sinais de que a transição está em andamento. Por enquanto, a demanda por petróleo continua aumentando.
Há outra vitória para países produtores de petróleo: a transição precisa ser realizada de forma “ordenada” – um aceno à necessidade de manter os preços do petróleo estáveis. Para alcançar esse progresso, os produtores de petróleo argumentam que há necessidade de investimentos contínuos em novos campos de petróleo. E por produtores de petróleo, não pense apenas nos sauditas.
Os EUA são hoje o maior produtor de petróleo do mundo, respondendo por 20% da produção global. Em Dubai, John Kerry, o enviado americano para o clima, lutou contra os combustíveis fósseis, mas em casa, o setor de combustíveis fósseis está crescendo, com o apoio da Casa Branca.
“... acelerar tecnologias de emissão zero e baixas emissões, incluindo, entre outras, energias renováveis, nuclear, tecnologias de redução e remoção, como captura e utilização e armazenamento de carbono, particularmente em setores difíceis de reduzir, e produção de hidrogênio de baixo carbono...”
Essa é mais uma vitória para os produtores de petróleo – e, acima de tudo, para as grandes petroleiras, como a Exxon Mobil (XOM), que apostam alto no sequestro de carbono. Na verdade, a ONU aprovou uma tecnologia que ainda está em seus primórdios e que, segundo muitos críticos, não será capaz de remover dióxido de carbono suficiente para fazer a diferença. O texto também é um pouco mais fraco do que as versões anteriores para a COP28, que enfatizavam que essas tecnologias eram um meio de fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis. A ênfase foi omitida na declaração final.
“...reconhecer que os combustíveis de transição podem desempenhar um papel na facilitação da transição energética, garantindo a segurança energética...”
Talvez a maior lacuna do comunicado – e a fonte de muita frustração entre os ativistas. Primeiro, o que diabos é um “combustível de transição”? Procurar uma resposta no documento é uma tarefa infrutífera. E isso é deliberado, para que cada delegação possa reivindicar o que preferir.
Para alguns, os combustíveis de transição são o hidrogênio verde e o urânio; para outros, os combustíveis de transição incluem alguns combustíveis fósseis – só não diga isso em voz alta. Para mim, isso abre uma enorme porta dos fundos para apoiar o uso de gás natural nos próximos anos, se não décadas. Portanto, talvez a COP28 tenha marcado o ocaso da era dos combustíveis fósseis, apenas para anunciar o início da era dos “combustíveis de transição” – na forma de gás de transição.
Quem está por trás desse item? Muitos países emergentes, incluindo a China e a Índia, acreditam que só poderão se livrar do carvão se tiverem acesso ao gás natural. Mas eles não estão sozinhos. O Japão tem a mesma opinião, e o texto, principalmente a ênfase na “segurança energética”, é semelhante ao que ouvi de Tóquio há vários meses. E não se esqueça de quem são os dois dos três maiores produtores mundiais de gás natural liquefeito – os EUA e a Austrália. Pouco acontece na diplomacia climática global sem a aprovação de Washington e Canberra.
Pesando cada frase, cada compromisso diplomático, analisando palavra por palavra com um dicionário de linguagem diplomática à mão, o que surge é um documento cheio de nuances. E isso não é algo ruim.
O comunicado da COP28 marca, de fato, um momento histórico – com o mundo concordando que, de uma forma ou de outra, precisa queimar menos combustíveis fósseis, abandonando um modelo industrial que alimentou as economias por 150 anos.
Mas também o dia em que o mundo reconheceu que esse caminho é muito mais complicado, caro e demorado do que as manchetes sugerem. Esse é provavelmente o melhor resultado que poderíamos esperar.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Javier Blas é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre energia e commodities. É coautor de “The World for Sale: Money, Power, and the Traders Who Barter the Earth’s Resources”.
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