Bloomberg Opinion — O petróleo sempre transforma um conflito local em uma conflagração. É por isso que a súbita escalada dos planos de anexação da Guiana pela vizinha Venezuela não pode ser descartada inteiramente como teatro. O Conselho de Segurança das Nações Unidas realizou uma sessão a portas fechadas na sexta-feira (8) sobre a crise que está se formando.
Para recapitular: a Venezuela há muito tempo reivindica dois terços ocidentais da Guiana, com base em tratados disputados que datam de mais de um século. O atual regime do presidente Nicolás Maduro recentemente realizou um referendo que supostamente mostrou um apoio esmagador para que a Venezuela assumisse o controle da região e estabelecesse um estado chamado Essequibo. Desde então, houve relatos de movimentos de tropas para a fronteira e avisos dos Estados Unidos para manter a diplomacia. A Guiana surgiu como uma nova área importante para o desenvolvimento do petróleo, após uma série de descobertas da Exxon Mobil (XOM), a partir de 2015. Nesta semana, Maduro orientou as entidades venezuelanas a começarem a conceder licenças de exploração para a região que ele cobiça.
Estes são alguns pensamentos iniciais sobre a situação:
A Venezuela não deve estar falando sério
Há uma ironia grotesca no espetáculo de um país tão economicamente defunto que não consegue produzir suas próprias reservas gigantescas de petróleo – nominalmente as maiores do mundo – ameaçando se apoderar de ainda mais recursos. A produção de petróleo da Venezuela despencou de cerca de 3,2 milhões de barris por dia em 2002, pouco antes de o antecessor de Maduro, Hugo Chávez, ter eliminado a empresa petrolífera nacional, para cerca de 700.000 barris por dia. Com a produção atual, as reservas existentes na Venezuela durariam até o ano 3160. Desde que Maduro assumiu o poder em 2013, a economia praticamente entrou em colapso e um quarto da população foi embora.
É aí que pode residir seu raciocínio distorcido para o ataque de sabre. Maduro enfrentará eleições no próximo ano e está envolvido em uma disputa com o governo de Joe Biden sobre o fim das sanções em troca de reformas democráticas (e mais petróleo no mercado global para aliviar os preços nas bombas). Maduro pode estar recorrendo a um dos truques mais antigos: estimular queixas nacionalistas para desviar a atenção da governança tóxica. Ele também pode ameaçar o uso da força como alavanca em suas negociações com Washington, que já se ocupa com os conflitos na Ucrânia e em Israel e apresenta profundas divisões internas em ambos os casos.
A Rússia está adorando o conflito
A Rússia flertou com a Venezuela durante o governo de Hugo Chávez e estabeleceu joint ventures e acordos com a empresa petrolífera nacional que, entre outras coisas, ajudaram a Venezuela a exportar petróleo bruto, desafiando as sanções dos EUA. Do ponto de vista do presidente Vladimir Putin, uma crise entre os países poderia servir para distrair ainda mais o já instável apoio do congresso americano à Ucrânia. Além de qualquer vantagem tática que isso possa trazer, serviria para reforçar a narrativa de uma hegemonia dos EUA em declínio.
Além disso, fica cada vez mais evidente que a estratégia da Opep+ de reter cada vez mais petróleo para aumentar os preços, liderada pela Arábia Saudita, está desmoronando, pois incentiva o aumento da oferta, principalmente dos EUA, para conquistar participação no mercado. A Rússia se comprometeu a fazer cortes de fornecimento moderadamente maiores na última reunião da Opep+, que foi muito tumultuada.
A Guiana representa uma importante fonte de novos suprimentos concorrentes, projetada para responder por 16% do crescimento líquido do suprimento de petróleo até 2028, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Do ponto de vista de Moscou, qualquer interrupção nesse fornecimento é útil em suas tentativas, como parte da Opep+, de manter os preços altos e, assim, financiar sua máquina de guerra.
Melhor ainda seria se as riquezas da Guiana ficassem sob o domínio de um caso perdido comprovado. Um dos fatos mais obscuros sobre a Opep+ é que, nos anos imediatamente posteriores à sua criação em 2016., grande parte de sua alardeada “disciplina” na produção de petróleo se deveu a nada mais do que o colapso de um dos membros da velha guarda da Opep: a Venezuela.
Certamente, o mercado entende
Acontece que há algo parecido com uma jogada pura nos projetos de petróleo da Guiana, na forma da Hess, parceira não operacional da Exxon no país. A Guiana é a maior fonte de valor do portfólio da Hess; os analistas do Citigroup avaliam esse valor em cerca de 43%. Em 29 de novembro, quando relatos de tensões crescentes e movimentos de tropas agitaram a região, as ações da Hess caíram 4,1%, em comparação com uma queda de 0,4% no setor de exploração e produção.
Há muitas outras coisas acontecendo no momento, o que pode dificultar o isolamento da atitude do mercado em relação à disputa na fronteira. Os preços do petróleo caíram cerca de 9% desde o início da crise. Além disso, a Hess está sujeita a uma oferta de aquisição acordada de US$ 59 bilhões pela Chevron (CVX) desde o final de outubro.
Como se trata de um acordo com todas as ações, isso vincula o preço das ações da Hess ao da Chevron, que é muito maior e mais diversificada. No entanto, isso por si só pode funcionar como um termômetro da tolerância ao risco do mercado em relação à Guiana. Em um determinado dia, o preço das ações da Hess deveria ser aproximadamente 1,025 vez o preço da Chevron, mais ou menos. E era – até que a Venezuela aumentou as apostas.
Para ser claro, os enormes riscos envolvidos no possível início de uma guerra que quase certamente levaria ao envolvimento dos EUA significam que Maduro provavelmente está apenas ladrando. E, se ele estiver, esse spread é o sonho de um negociador.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Liam Denning é colunista da Bloomberg Opinion e cobre energia. Foi editor da coluna “Heard on the Street”, do Wall Street Journal, e escreveu para a coluna “Lex”, do Financial Times.
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