Bloomberg Opinion — O anúncio que incentivava a compra de bitcoin (BTC), estampado na versão que vazou esta semana do trailer do jogo Grand Theft Auto VI, que retrata um mundo falso e glamouroso de lanchas, supercarros e tiroteios, foi bem oportuno. O preço da criptomoeda quase triplicou em 2023, chegando a cerca de US$ 42.000, onde estava antes da pandemia em 2022.
Os alvos de preço de seis a sete dígitos estão de volta. Com o chefe da Coinbase Global (COIN) falando que o bitcoin é a “chave” para o futuro do Ocidente e Nayib Bukele, de El Salvador, exigindo que seus críticos peçam desculpas, era de se esperar que encontrariam um caso de uso real. Mas isso não aconteceu. E, correndo o risco de parecer “reclamão”, digo que há muitos motivos para ser cauteloso em relação a essa enésima oscilação da montanha-russa das criptomoedas em um momento de desaceleração econômica e possível recessão.
O cenário otimista pregado é, como antes, impulsionado pelo sentimento e pela especulação, e não pela utilidade. O bitcoin pode ser um token glorificado em termos de valor, mas as pessoas gostam de acumulá-lo e negociá-lo como um híbrido arriscado de ouro e startup da Nasdaq, na esperança de obter ganhos desproporcionais. A visão otimista é que qualquer notícia será boa, já que os personagens problemáticos, como Sam Bankman-Fried ou Changpeng Zhao, serão eliminados, os ETFs do mercado de massa se valorizam e os possíveis cortes nas taxas de juros aumentam o apetite pelo risco. Com o aumento do preço proporcionando um ciclo de feedback positivo, todo mundo vai querer arriscar.
No entanto, analisando o histórico do bitcoin, o que parece ter realmente impulsionado seu preço para recordes nos últimos anos foi uma flexibilização monetária sem precedentes por parte dos bancos centrais e um aumento na oferta de dinheiro, sendo que nada disso deve acontecer novamente em breve. Um artigo de analistas da S&P publicado em maio encontrou uma correlação positiva de 0,75 – não exatamente causal, mas sugerindo mais do que coincidência – entre o crescimento da oferta monetária e os ativos criptográficos desde 2017, com o dinheiro virtual “tendo um bom desempenho” em tempos de política monetária expansionista. Como proteção contra choques econômicos, o histórico foi menos claro – não podemos esquecer que o Bitcoin caiu 50% quando a covid-19 chegou pela primeira vez em março de 2020 – e como proteção contra a inflação, os resultados foram inconclusivos e não tão bons quanto o ouro.
Se o dinheiro fácil é o segredo do bitcoin, parece que não há muito por aí. O balanço patrimonial do Federal Reserve atingiu um pico de quase US$ 9 trilhões no ano passado e, desde então, caiu para cerca de US$ 7,8 trilhões. O receio de que os custos ainda elevados dos empréstimos coincidam com uma recessão esmagou a demanda por muitos outros ativos especulativos que cresceram durante a pandemia, desde NFTs até relógios de luxo de segunda mão. Daí o conceito de “recessão de Rolex”: o preço médio de um Rolex de segunda mão vem caindo desde 2022. No último mês, esse corolário da saúde financeira dos patrimônios em cripto caiu quase 10% em relação ao ano anterior. Parece um pouco arrogante começar a estimular o entusiasmo pelo bitcoin quando entramos em um ambiente em que o dinheiro real, e não o virtual, é o rei.
A visão contrária é que pode haver algum tipo de aposta racional ideal a ser feita quando se trata de criptografia: alocar uma pequena fatia da carteira, cerca de 1%, na chance de uma nova alta das criptomoedas pode fazer sentido. E talvez os consultores financeiros sejam pressionados a discutir essa estratégia com seus clientes se e quando os ETFs forem aprovados nos EUA.
Mas ainda há um custo de oportunidade em investir bons dólares em ativos virtuais. Em um momento em que a especulação é cara e o clima está em crise, parece um pouco fora de sintonia comprar um token cuja pegada de carbono anualizada da rede é equivalente à de um país inteiro. O mundo poderia fazer muito com o US$ 1 trilhão atualmente preso em mercados de cripto. Com o início da conferência COP28, os economistas estimam que é necessário US$ 1 trilhão por ano para apoiar os países em desenvolvimento em sua luta contra as mudanças climáticas. Uma pesquisa realizada no ano passado sugeriu que US$ 1 trilhão em turbinas eólicas poderia abastecer 300 milhões de residências, ou seja, o dobro dos EUA.
Mas por enquanto, a propaganda está vencendo.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lionel Laurent é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre o futuro do dinheiro e da Europa. Já foi repórter para a Reuters e a Forbes.
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