Bloomberg Opinion — Eis uma pergunta que poucos de nós terão que responder: você prefere ter US$ 23 bilhões vivendo nos Emirados Árabes Unidos, sem nenhum tratado de extradição com os Estados Unidos, ou sacrificar uma parte de sua riqueza e talvez passar 18 meses atrás das grades para resolver todos os seus problemas com o Departamento de Justiça e a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão americano semelhante à Comissão de Valores Mobiliários (CVM)?
O CEO da Binance, Changpeng Zhao, o CZ, parece ter escolhido a segunda opção. Não conhecemos todos os detalhes do acordo – principalmente o tempo que Zhao deve passar na prisão, se for o caso – mas parece que ele abre caminho para que a Binance continue sendo a maior exchange de criptomoedas do mundo e para que Zhao mantenha seu status entre os 100 primeiros no Bloomberg Billionaires Index.
Vejo um grande risco de que o acordo em si, bem como os controles reforçados que ele exigirá, manchem a Binance entre muitos de seus clientes, especialmente fora dos EUA. As pessoas que querem exchanges de cripto em conformidade com os EUA têm alternativas estabelecidas, como a Coinbase Global (COIN).
A questão maior é a relação entre os sistemas financeiros tradicionais e criptográficos. Quase toda a cobertura jornalística de cripto foca na fronteira, onde as pessoas trocam moedas fiduciárias por criptomoedas, ou negociam criptoativos para obter lucros em moeda fiduciária, ou levantam dinheiro fiduciário para projetos de criptomoedas, ou usam criptomoedas para comprar bens e serviços convencionais. Sem dúvida, isso se deve à empolgação, ao conflito, ao crime, à punição e às fortunas ganhas e perdidas.
Mas é uma perspectiva distorcida, pois deixa de lado a história muito maior do desenvolvimento relativamente pacífico e constante de protocolos de cripto que não exigem nenhuma interação com o sistema financeiro ou jurídico tradicional.
As áreas populares são os projetos no metaverso, Web 3.0, Layer 2 e Layer 3, e não conte com as finanças descentralizadas (DeFi), apesar dos contratempos de 2022.
Embora todos esses aspectos tenham definições técnicas, eles são usados livremente como chavões, mais úteis para marketing e propaganda do que para categorizar e monitorar projetos reais. Mas há um progresso real em todos esses aspectos e muito mais.
A Binance cresceu na fronteira, navegando por regulamentações obscuras e inconsistentes em várias jurisdições, satisfazendo clientes e irritando órgãos reguladores. Parece que agora a exchange optou por se reconstituir em um território civilizado e conhecido no lado legal da fronteira. Os órgãos reguladores dos EUA parecem estar prontos para aceitá-la.
Juntamente com outros acordos deste ano e desenvolvimentos esperados, como a possível aprovação de um ETF de bitcoin (BTC) pela SEC, isso sugere uma trégua negociada entre os reguladores e as pessoas que querem movimentar moedas fiduciárias dentro e fora das criptomoedas.
Os reguladores do setor financeiro parecem estar prontos para permitir transferências, desde que sejam implementadas salvaguardas eficazes contra fraudes, lavagem de dinheiro, evasão fiscal e violações de sanções.
Muitos puristas antigos de cripto são céticos em relação a isso. Acreditamos que o futuro de cripto está separado das finanças tradicionais, que os protocolos que revolucionarão a sociedade não serão financiados com dinheiro fiduciário e que seu valor não será facilmente traduzido em dinheiro fiduciário. Muitas pessoas em cripto querem reduzir o poder coercitivo do governo e das grandes empresas financeira, não se aliar a eles.
Mas há muitas outras pessoas em cripto que aceitam a paz na fronteira, com regras mais claras. Um dos motivos é que eles acreditam que isso reduzirá as fraudes e a viabilização de crimes, desde ransomware até terrorismo. E também reduzirá o custo do capital fiduciário para subscrever projetos de cripto e aumentará o valor da moeda fiduciária que pode ser extraído dos projetos bem-sucedidos. Mas talvez o maior motivo seja o fato de permitir que pessoas honestas sigam as disposições de porto seguro para trabalhar com cripto sem medo de serem processadas.
Há uma divisão paralela no lado regulatório entre as pessoas que querem trazer os criptoativos para o regime legal existente e aquelas que preferem isolar as criptomoedas da moeda fiduciária o máximo possível.
O acordo de Zhao com os órgãos reguladores dos EUA parece ser uma vitória para o primeiro grupo. Se o acordo satisfizer os dois lados, podemos esperar que outros pistoleiros da fronteira das criptomoedas venham do frio.
O futuro de cripto será determinado pela tecnologia, não por bilionários e advogados negociando imóveis de fronteira. Se os criptoativos apresentarem o killer app (“aplicativo matador”) que convencerá centenas de milhões de pessoas a aprender a usar criptomoedas de verdade – e não apenas manter criptomoedas em carteiras ou especular com NFTs – elas decolarão sozinhas, sem precisar pedir permissão aos órgãos reguladores ou capital aos investidores tradicionais.
Sem um aplicativo matador, as criptomoedas continuarão sendo uma ferramenta técnica útil para projetos de nicho e para os verdadeiros crentes. Não haverá valor econômico suficiente para interessar advogados ou a maioria dos investidores.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Aaron Brown é ex-diretor de pesquisa de mercado financeiro da AQR Capital Management. Também é um investidor ativo em cripto e tem investimentos de capital de risco e vínculos de consultoria com empresas de cripto.
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