Bloomberg Opinion — De todos os artigos negativos escritos sobre a Amazon (AMZN) ao longo dos anos, um texto específico afetou a empresa mais do que a maioria. Alegando que a busca agressiva de crescimento se deu às custas de uma boa experiência de compra para seus clientes, a revista New York em janeiro deste ano criticou o que chamou de “The Junkification of Amazon” (“O aumento das tralhas na Amazon”, em tradução livre).
É verdade que a experiência da loja on-line da Amazon havia se deteriorado devido a vendedores terceirizados não confiáveis, muitos dos quais marcas que não têm credibilidade – muitas sediadas na China – com pouca consideração pela qualidade, confiabilidade e, em alguns casos, segurança. Em sua imensa escala, a Amazon havia desenvolvido um grave problema de confiança.
Lembrei-me do artigo esta semana ao saber de uma nova iniciativa na qual a Amazon trabalha para dar a seus vendedores a capacidade de gerar imagens falsas com mais estilo de produtos usando inteligência artificial.
Uma ferramenta, atualmente em fase beta, pega uma imagem tediosa (real) do item do vendedor – como uma torradeira, por exemplo – e cria uma foto mais interessante em segundos. Talvez a torradeira esteja agora em um balcão de cozinha, ao lado de alguns croissants de aparência saborosa. As imagens podem então ser usadas em espaços publicitários no site da Amazon.
Com margens melhores do que as de seu principal negócio de varejo, a publicidade tornou-se uma fonte de receita essencial para a Amazon em um momento em que os investidores pressionam a empresa a aumentar os lucros. No último trimestre, conforme relatado na quinta-feira (26), a publicidade foi o segmento de crescimento mais rápido em todo o negócio. Os anúncios geraram US$ 32 bilhões em receita este ano.
Ao contrário de outros players do mercado de anúncios digitais, a Amazon disse que não estava preocupada com a volatilidade política que afetava as vendas gerais de anúncios, porque, embora a empresa estivesse perdendo alguns anúncios no “topo do funil” – como propagandas de TV no Prime Video –, ela não tinha esse problema com as vendas “mais abaixo no funil” de espaços patrocinados em sua loja.
Aqueles que acusam a Amazon de comportamento anticompetitivo dizem que isso ocorre porque a Amazon lhes dá pouca escolha a não ser comprar anúncios se quiserem que seu produto tenha alguma chance realista de ser visto.
Essas ferramentas de IA são projetadas para gerar ainda mais receita de publicidade, ajudando os anunciantes a criar mais anúncios com mais rapidez, sem o esforço de realmente tirar uma foto real. “As taxas de cliques podem ser 40% mais altas em comparação com anúncios com imagens de produtos padrão”, disse a Amazon em um comunicado à imprensa.
A motivação da Amazon e dos anunciantes é clara. Para o consumidor, no entanto, o lançamento da IA generativa parece mais uma erosão da confiança. A empresa contesta essa percepção, mas o que se resume a isso é o potencial para mais deturpações sobre a qualidade dos produtos e a integridade do vendedor que os vende aos compradores.
A Amazon, para dizer o óbvio, não é como uma loja tradicional. Você não consegue julgar a qualidade dos produtos olhando e tocando-os pessoalmente. Em vez disso, você deve confiar em pistas subjetivas: o produto é de uma marca em que confio? Muitas outras pessoas compraram o produto? As avaliações são boas?
Com o passar do tempo, a Amazon permitiu que todos esses sinais se tornassem confusos: as marcas muitas vezes são completamente desconhecidas, os vendedores podem pagar para fazer com que seus produtos pareçam mais populares e o sistema de avaliações é usado erroneamente há muito tempo.
A IA generativa remove outras pistas. Uma maneira de os itens de qualidade na Amazon se destacarem das falsificações é porque as imagens manipuladas tornam isso óbvio. Uma imagem feita por IA pode parecer mais profissional, mas um vendedor que pode se dar ao luxo de comercializar adequadamente seu produto – com imagens reais – e que se esforçou para fazer isso é o que devemos preferir.
Outra ferramenta que a Amazon agora oferece gera descrições de produtos com IA, um desenvolvimento que dificultará a identificação de um produto de baixa qualidade – descrições mal escritas em um inglês ruim eram um bom indício de um item ruim. A IA vai mudar isso.
A Amazon enfatizou que as imagens geradas por IA são restritas para uso apenas em espaços publicitários e não em páginas de listagem de produtos. Pessoalmente, não faço nenhuma distinção ética quanto a isso.
A empresa acrescentou que possui um processo robusto de moderação em relação à publicidade, mas não quis explicar quais medidas adicionais específicas foram implementadas para garantir que a ferramenta de IA não estivesse sendo usada para dar uma impressão injusta do produto, por menor que fosse.
A empresa argumentou que, como os produtos em si são reais, e apenas a cena ao redor é gerada por IA, os clientes podem ter certeza de que estão recebendo o que compraram (e que há uma boa política de devolução, caso contrário).
Esse parece ser o início de um caminho bastante complicado. Nos exemplos mostrados pela Amazon, não há informação de que a IA está sendo usada. A Amazon me disse que ainda estava considerando como a rotulagem poderia ser aplicada, mas ela deveria ter sido implementada já no primeiro dia.
O fundador da Amazon, Jeff Bezos, gostava de dizer que o princípio orientador da empresa era sempre fazer o que fosse melhor para a experiência do cliente. Mas recursos como esse me fazem pensar com qual “cliente” a Amazon se preocupa mais hoje em dia.
A crescente importância do negócio de anúncios para manter os resultados financeiros da Amazon significa que a empresa começa a se comportar como outros gigantes da tecnologia dependentes de anúncios, para os quais o cliente não é você ou eu, mas as empresas que têm orçamentos de marketing.
A medida a favor do consumidor seria a Amazon insistir que todas as imagens em sua loja fossem genuínas e usar a IA para detectar e eliminar qualquer tipo de falsificação.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Dave Lee é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia dos EUA. Foi correspondente para o Financial Times e a BBC News.
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