Dona da Gucci pode dar a volta por cima no mercado de luxo. Mas há escolhas a fazer

Consumidores jovens e aspiracionais se retraíram com inflação e juros mais altos, enquanto o 1% mais rico continua a comprar. A estratégia de posicionamento da Kering precisa mudar

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Bloomberg Opinion — O mercado de luxo está se tornando cada vez mais competitivo. Com a classe média diminuindo suas compras, o setor de luxo começa a perceber que tudo se resume a vender para o 1% mais rico.

Na terça-feira (24), a Kering, proprietária da Gucci, disse que as vendas do terceiro trimestre, excluindo efeitos cambiais e fusões e aquisições, caíram 9%, pior do que a queda de 6% esperada pelos analistas.

Isso contrasta fortemente com a Hermès International, que superou as estimativas e disse que não viu sinais de diminuição da demanda entre sua clientela abastada em nenhum de seus mercados. Na mesma linha, na semana passada, a empresa Brunello Cucinelli, queridinha dos bilionários, aumentou sua previsão de receita pela terceira vez neste ano.

A divergência pode ser explicada por bases de clientes muito diferentes.

A confiança desmoronou entre os simplesmente afluentes nos Estados Unidos e na Europa. Enquanto isso, os super-ricos continuaram a gastar. Isso correspondeu a uma mudança nas tendências da moda, da ostentação para uma elegância mais refinada.

A Hermès e a fabricante de caxemira Cucinelli se enquadram nessa categoria. A Kering, não. Na verdade, ela atraiu compradores jovens e obcecados por moda nos Estados Unidos e na China, que agora sentem o impacto da inflação e dos custos mais altos de empréstimos ou que passaram a procurar outros designers.

Portanto, a empresa deve se voltar para os compradores dos escalões mais altos, o máximo que puder, mesmo que isso traga alguma dor a curto prazo, pois ela aumenta os preços, controla seu estilo de moda e reduz as vendas por meio de alguns varejistas terceirizados.

Não será fácil.

A Gucci, a maior marca do grupo, responsável por cerca de metade das vendas e cerca de dois terços do lucro operacional no ano passado, já está fazendo a transição do maximalismo ousado do ex-diretor criativo Alessandro Michele para uma estética mais elegante sob o comando do novo designer Sabato de Sarno.

A primeira coleção de De Sarno, lançada no mês passado em Milão, deve ajudar a Gucci a se sintonizar mais com o espírito atual e atrair clientes mais velhos e de alto nível.

É necessária uma dose de entusiasmo.

As vendas orgânicas da Gucci caíram 7% no terceiro trimestre, pior do que os 6,2% esperados pelos analistas. A Kering disse que a coleção foi bem recebida. Mas os primeiros itens não estarão nas lojas até o final de janeiro. Os investidores precisarão ser pacientes para ver a transformação completa, especialmente porque a margem operacional da Gucci cairá 2 pontos percentuais neste ano, com pouca melhora no próximo.

Mas a Gucci não é a única marca da Kering com problemas.

A Yves Saint Laurent enfrenta a concorrência da Celine e da Loewe, da LVMH, que estão funcionando a todo vapor. Isso explica parte da queda de 12% nas vendas orgânicas no terceiro trimestre, já que os clientes locais na América do Norte e na Europa Ocidental, que representam 57% do total das vendas no varejo, reduziram seus gastos. Enquanto isso, as lojas de departamento dos EUA estão fazendo menos pedidos.

A Kering tem algumas alavancas que podem ser acionadas para reorientar os negócios em direção aos dois motores do luxo discreto e do poder de compra duradouro dos super-ricos.

Em primeiro lugar, a empresa deve continuar sem se deixar abater com a reinvenção da Gucci, já que esse será o fator mais crucial de sua sorte nos próximos anos. Mas a Kering deve garantir que sua nova direção criativa tenha frescor suficiente para levar os clientes a comprar, enquanto os esforços para elevar roupas e acessórios – e cobrar mais – são acompanhados por avanços proporcionais no poder de permanência.

Embora a Yves Saint Laurent enfrente concorrência, ela opera em um espaço de luxo mais moderado. A Kering deve continuar a desenvolver a marca, mesmo que isso signifique algumas perdas de vendas, já que os compradores aspiracionais estão sendo impactados por preço e ela reduz os locais onde as roupas e os acessórios são vendidos. O sucesso com roupas femininas de alta qualidade e bolsas com preço a partir de 3.000 euros (US$ 3.176) mostra o potencial.

O desempenho da Bottega Veneta também é prejudicado pelos esforços para tornar a marca mais exclusiva, com as vendas orgânicas caindo 7% no terceiro trimestre. Mesmo assim, ela pode levar suas bolsas de couro trançado Intrecciato e sapatos de salto curvo muito mais longe.

Se a Kering conseguir fazer isso direito – e não nos esqueçamos de que, apesar de seus recentes problemas, ela é mestre em turbinar marcas –, a casa italiana tem uma boa chance de preencher parte do vazio até que a Gucci volte a crescer. É notável que tanto a Yves Saint Laurent quanto a Bottega Veneta estejam com bom desempenho na China.

No momento, porém, os investidores estão céticos.

As ações caíram até 5% no início do pregão de quarta-feira (25) e cerca de 17% neste ano, apresentando um desempenho inferior ao da maioria das rivais. Elas são negociadas em uma relação preço/lucro futura de cerca de 13 vezes, um desconto acentuado em relação às cerca de 20 vezes da LVMH.

Para diminuir a diferença, a Kering deve garantir que sua reforma atenda mais ao público old money que a novos ricos.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Andrea Felsted é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre os setores de varejo e bens de consumo. Anteriormente, escrevia para o Financial Times.

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