Marc Champion: O ataque a Israel foi calculado e brutal. E isso é o Hamas

Uma operação dessa magnitude demanda semanas, senão meses, de preparação - e tudo aconteceu sob o nariz do serviço de inteligência israelense

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Bloomberg Opinion — O maior choque no ataque do Hamas a Israel é que tenha sido uma surpresa. A operação foi de uma escala sem precedentes, envolvendo milhares de pessoas e equipamentos, desde asa-deltas a escavadoras e mísseis.

Uma operação dessa magnitude demanda semanas, senão meses, de preparação, e tudo aconteceu sob o nariz de um serviço de inteligência israelense com uma reputação de um dos mais eficazes do mundo.

Como isso aconteceu é motivo de profundo constrangimento na comunidade de segurança de Israel e provocará uma dolorosa investigação interna. Israel perdeu o controle de postos militares, veículos blindados e assentamentos, e o conflito está longe de terminar. Pelo menos 200 cidadãos israelenses foram mortos, 100 foram feitos reféns e 1.000 ficaram feridos.

No entanto, o ataque de sábado (7) também é um lembrete importante sobre o Hamas. É um grupo definido pelos Estados Unidos como terrorista, mas não reúne apenas um bando de “cabeças quentes”. É uma organização bem financiada com uma força armada paramilitar tão calculista quanto implacável.

Isso é o que o manteve no controle da Faixa de Gaza desde 2007, apesar da constante ameaça de Israel, bem como de grupos salafistas ainda mais radicais e outros grupos islamistas dentro de Gaza.

Apenas o Hamas conhece os detalhes de sua estratégia para o ataque de sábado, mas as possíveis repercussões são evidentes. Uma guerra em Gaza ameaça, de uma só vez, mudar o rumo no Oriente Médio.

Isso coloca Israel em uma posição ingrata de ter que escolher entre parecer fraco - uma estratégia perigosa na região - e infligir o tipo de baixas em massa na superlotada Faixa de Gaza que enfurecerá toda a população palestina de Israel, forçando decisões difíceis para líderes árabes no Golfo e além.

O Hamas disse que 232 palestinos morreram nos ataques retaliatórios de Israel, com 1.700 feridos.

Israel teve sucesso na normalização das relações com partes do mundo árabe enquanto apoiava a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia e, na melhor das hipóteses, retardava as perspectivas de um Estado palestino.

Desde 2020, Israel assinou acordos de reconhecimento mediados pelos EUA com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. A Arábia Saudita, lar de Meca, tem considerado um acordo.

Mesmo Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, que por anos se posicionou como campeão da causa palestina para ganho político doméstico, se encontrou com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu pela primeira vez no mês passado.

Os pedidos de Erdogan, bem como de líderes da Arábia Saudita, Egito e outros pela desescalada no sábado vieram rapidamente e eram, sem dúvida, genuínas.

Todos eles sabem das pressões políticas que sofrerão para condenar e romper laços com Israel se o número de vítimas palestinas aumentar. Isso agora parece inevitável.

Netanyahu disse que seu país estava em guerra, enquanto o Major General Ghasan Alyan disse que o Hamas “abriu as portas do inferno para a Faixa de Gaza”, em um vídeo postado nas redes sociais das Forças de Defesa de Israel.

Alyan continuou dizendo que o Hamas será responsável pelas consequências, mas, não importa o quão verdadeiro isso possa ser – e é – a questão de quem atirou primeiro no sábado terá pouco peso no mundo muçulmano.

Lá, a revolta popular com as ações de Israel nos últimos meses e anos, em particular em torno da mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, vinha aumentando. As palavras de Alyan terão menos impacto do que as de Mohammed Deif, um comandante militar do Hamas, que disse que a “Operação Al-Aqsa Flood” foi lançada porque “já deu o que tinha que dar”.

Já o comunicado do governo saudita pedindo calma no sábado buscou posicionar os movimentos do Hamas como retaliatórios, recordando “as advertências repetidas do Reino [Arábia Saudita] sobre os perigos de um aumento da situação, como resultado da ocupação contínua, da privação do povo palestino de seus direitos legítimos e da repetição de provocações sistemáticas contra suas santidades.”

O Hamas, que nunca reconheceu o direito de Israel de existir, já tinha previsto e calculado tudo isso em sua decisão de atacar. Digo isso não porque tenho o número de celular de Deif, mas porque já conheci a natureza calculista do grupo.

Em 2011, fui relatar em Gaza, entrando sem saber por Israel na manhã em que os EUA mataram Osama bin Laden. Mais tarde, naquele dia, um oficial do Hamas se aproximou para oferecer um grupo de segurança de seis homens ou escolta até a fronteira, porque eles haviam identificado salafistas que estavam “procurando pelo jornalista americano” para fazer um vídeo.

Um amigo meu com conexões de inteligência com a Fatah verificou e confirmou as prisões pelo Hamas, então saí de Gaza.

Relato isso apenas porque ficou claro, mesmo a partir do oficial de segurança que se sentou comigo, que o Hamas não tem simpatia por jornalistas americanos, nem por qualquer problema moral em fazer uma retaliação exemplar pela morte de Bin Laden.

No entanto, isso foi em maio de 2011. O Hamas estava em negociações de reconciliação com a Fatah naquela época, sob escrutínio internacional, e o grupo não queria a atenção que um vídeo traria.

Agora, eles têm um interesse tático nesse tipo de atenção. Os eventos não vinham favorecendo o Hamas nos últimos anos, e uma normalização entre a Arábia Saudita e Israel teria sido uma derrota significativa.

A agressão do Hamas impulsionará sua base de apoio, e os vídeos chocantes das baixas israelenses que organizaram no sábado ajudarão na recrutamento. Responder ao Hamas enquanto mantém a normalização entre Israel e os países árabes em andamento será extraordinariamente difícil para Netanyahu, e ainda mais difícil quanto mais tempo a luta continuar.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Marc Champion é colunista de relações internacionais da Bloomberg Opinion. Antes, foi editor-chefe em Istanbul do Wall Street Journal.

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