Bloomberg Opinion — Alimentar 8 bilhões de pessoas é uma grande tarefa, e não estamos fazendo um bom trabalho. Nossos sistemas alimentares globais se tornaram incrivelmente disfuncionais, falhando em várias frentes, inclusive na saúde humana, nas emissões de carbono e na poluição. Um novo trabalho de pesquisa sugere algo melhor, mas somente se usarmos todas as ferramentas disponíveis.
Por exemplo, uma safra de milho. Você pode logo pensar em espigas ou latas nas prateleiras dos supermercado, mas a verdade é bem menos pitoresca. Pouco menos de 10% da safra é consumida por seres humanos – e metade disso é na forma de xarope de milho com alto teor de frutose, que não é exatamente nutritivo.
Impressionantes 39% da produção dos Estados Unidos é usada para alimentar o gado e 37% para produzir etanol para combustível. Os 14% restantes são exportados – alguns deles podem ser consumidos, mas uma grande parte será usada para mais ração animal ou etanol.
Antes mesmo de chegarmos ao uso de pesticidas, à demanda de água e às monoculturas também associadas à agricultura moderna, podemos ver a quantidade de produtos saudáveis desviada dos pratos.
Isso não está dando certo para a população. Mais de 820 milhões de pessoas não têm alimentos suficientes. No entanto, ao mesmo tempo, as taxas de obesidade estão aumentando, e muitos têm dietas com deficiências nutricionais.
Como aponta um relatório de 2020 da Comissão EAT-Lancet: dietas não saudáveis representam agora um risco maior de morbidade e mortalidade do que o sexo inseguro, o uso de álcool, drogas e tabaco juntos.
Isso também não está dando certo para o planeta. A produção de alimentos contribui com cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa. O uso excessivo de pesticidas, o escoamento de fertilizantes e as mudanças no uso da terra ajudaram a facilitar declínios catastróficos na biodiversidade. A agricultura utiliza 70% da água doce em todo o mundo.
Como a população global continua a crescer, a produção terá que se expandir, assim como o clima extremo exerce mais pressão sobre a agricultura. Já vimos como as condições de seca elevaram o preço do azeite de oliva a níveis recordes e exacerbaram a escassez de alimentos no Reino Unido.
As projeções atuais sugerem que, em um cenário de manutenção do status quo, as emissões do sistema alimentar global podem aumentar entre 50% e 80% até 2050, à medida que o sistema acomodar mais pessoas famintas.
Muitos estudos exploraram como reduzir essas emissões, mas e se pudéssemos dar um passo adiante e criar um sistema alimentar que atue como um sumidouro de carbono em vez de uma fonte? Um estudo, publicado na revista científica PLOS Climate, sugere que isso é possível. Como um dos únicos setores com potencial para atingir emissões líquidas negativas, não devemos desperdiçar essa chance.
A pesquisa explora como vários elementos podem se combinar para reduzir as emissões e sequestrar o carbono da atmosfera:
- A adoção de uma dieta saudável e flexível, definida como a dieta EAT-Lancet, que consiste principalmente em alimentos de origem vegetal com pequenas quantidades de proteína animal. Isso equivale a uma porção de laticínios por dia, duas porções de peixe por semana e o equivalente a um hambúrguer de carne vermelha uma vez por semana ou um bife de medalhão uma vez por mês – se você quiser.
- A redução do desperdício de alimentos pela metade. Atualmente, perdemos ou jogamos fora um terço de todos os alimentos produzidos.
- Melhorar a eficiência da produção para limitar a quantidade de terra necessária. Há uma lacuna entre a quantidade de produtos que as áreas agrícolas podem fornecer e o que é produzido. O estudo baseou seus cálculos no fechamento dessa lacuna até 2050.
- A implementação de novas tecnologias. Essas tecnologias incluem coisas como inibidores de metano para reduzir a quantidade de gás expelido pelas vacas e o aumento do desgaste das rochas, no qual as rochas pulverizadas são espalhadas sobre as terras agrícolas para absorver o CO2 atmosférico, e a agrossilvicultura, na qual a floresta é cultivada em terras que não são mais necessárias para as plantações.
As mudanças na dieta e a redução de resíduos têm sido um grande foco, e por um bom motivo: são dois dos métodos mais eficazes para reduzir sua pegada de carbono. Se todos adotassem uma dieta predominantemente baseada em vegetais e a perda de alimentos fosse reduzida em 50%, as emissões de alimentos cairiam aproximadamente pela metade. Mas essas ações, por si só, não conseguirão descarbonizar completamente o setor.
“Isso não é realmente surpreendente”, explica Michael Clark, diretor do programa de soluções alimentares sustentáveis da Smith School da Universidade de Oxford e coautor do estudo. “Se você está produzindo algo, isso vai gerar emissões. A única maneira de ter um sistema alimentar totalmente zero líquido é não ter um sistema alimentar”. Por isso, a importância de novas tecnologias.
Os pesquisadores exploraram vários cenários, desde o que aconteceria com a adoção de 100% da tecnologia e nenhuma outra mudança até as consequências de intervenções puramente não tecnológicas.
Os resultados são animadores: se 50% da humanidade adotasse uma dieta flexível (consumo focado em produtos vegetais, com o consumo ocasional de carne), a perda de alimentos fosse reduzida pela metade e a nova tecnologia tivesse uma taxa de adoção de 50%, o setor de alimentos removeria 6,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (CO2e) por ano.
Se todos adotassem uma dieta flexível, esse número quase dobraria, chegando a 12,4 bilhões de toneladas de CO2e sequestradas. Isso é muito significativo: em 2019, a aviação global foi de aproximadamente 920 milhões de toneladas de CO2.
É importante observar que isso não é uma certeza. Ainda há muito conhecimento a ser adquirido e grandes desafios a serem superados. Algumas das tecnologias foram testadas apenas em ensaios de pequena escala, deixando dúvidas sobre seu desempenho nas enormes escalas necessárias.
O estudo também não levou em consideração os aspectos econômicos e práticos da adoção de novas tecnologias, que provavelmente serão grandes barreiras. Os possíveis efeitos sobre a água e a biodiversidade também devem ser pesquisados.
Já vimos governos tendo dificuldades para gerenciar a descarbonização agrícola. Na Holanda, um novo partido político surgiu depois que os agricultores ficaram indignados com os planos do governo de pagá-los para fechar suas fazendas a fim de reduzir a poluição por nitrogênio.
Na Irlanda, os agricultores foram pressionados a abater as vacas. Sem dúvida, os rebanhos terão que diminuir, mas a solução do problema deve levar em conta as preocupações culturais e patrimoniais e oferecer aos fazendeiros mais do que um pagamento.
Persuadir as pessoas a mudarem seus hábitos alimentares também esbarra em uma obstáculos semelhantes. A dieta flexível é muito mais saudável, e os autores do relatório EAT-Lancet descobriram que essa forma de alimentação tem o potencial de reduzir a mortalidade relacionada à alimentação em cerca de 11 milhões de mortes por ano. Mas, embora isso possa convencer algumas pessoas, também haverá hábitos e pontos de vista arraigados a serem superados.
Clark explica: “você pode lavar sua roupa com uma máquina de lavar diferente ou com energia solar em vez de energia de carvão, mas ainda assim estará lavando sua roupa. A comida não é vista da mesma forma”. Uma refeição vegetariana pode fornecer os mesmos macronutrientes e calorias que uma refeição com carne, mas será recebida de forma diferente com base nas preferências das pessoas.
Até mesmo reduzir o desperdício é um desafio. É fácil jogar comida no lixo. Qualquer alternativa ecologicamente correta deve ser igualmente barata e fácil ou oferecer valor além disso.
A Divert, uma startup focada na conversão de produtos desperdiçados em energia, por exemplo, se posicionou como um produto de dados completo, projetado para mostrar às lojas os benefícios dos métodos de redução de desperdício, como reduções de preço, e ajudar a otimizar as cadeias de suprimentos para aumentar a vida útil. Seu objetivo é converter em energia apenas os alimentos que não podem ser doados.
O relatório destaca algo que é emblemático da luta climática mais ampla: se quisermos limitar o aquecimento a menos de 2°C acima das temperaturas pré-industriais, de preferência o mais próximo possível de 1,5°C, será preciso mais do que simplesmente utilizar novas tecnologias, melhorar os processos existentes e adaptar nossos comportamentos: precisamos atacar por todos os lados.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lara Williams é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre mudanças climáticas.
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