Bloomberg Opinion — Nesta semana, o público recebeu outra ode à genialidade de Elon Musk, aceitando com entusiasmo suas declarações. O livro “Elon Musk”, de Walter Isaacson, com cerca de 600 páginas, lançado na terça-feira (12), só foi superado no quesito elogios por Adam Jonas, analista do sell-side do Morgan Stanley (MS).
Jonas publicou um relatório de cerca de 60 páginas na segunda-feira (11), aumentando seu preço-alvo para as ações da Tesla (TSLA), a montadora de veículos elétricos de Musk, com base na tese de que a empresa é, na verdade, uma potência de inteligência artificial em formação.
Conforme relata o livro de Isaacson, o Dojo, supercomputador da Tesla, é resultado do fascínio de longa data de Musk pela inteligência artificial e de seu desconforto com ela.
O apoio inicial de Musk à OpenAI, que acabou criando o chatbot ChatGPT, evoluiu para uma série de apostas relacionadas à IA. No caso da Tesla, o foco é a meta há muito tempo prometida por Musk de criar veículos inteligentes que ofereçam viagens totalmente autônomas e que sejam mais seguras do que as conduzidas por humanos.
Os chips personalizados de última geração do Dojo devem ser o cérebro dos veículos autônomos da Tesla e, segundo Jonas, terão um desempenho melhor do que os chips oferecidos pela queridinha do hardware de IA, a Nvidia (NVDA). Com base nisso, Jonas aumentou o valuation da montadora em quase US$ 480 bilhões. No mesmo dia, a capitalização de mercado da Tesla aumentou em US$ 79 bilhões, um valor maior do que o market cap isolado de cerca de 80% dos integrantes do S&P 500.
Podemos dizer, suponho, que o mercado, sempre racional, está atribuindo uma probabilidade implícita de 1/6 à tese do Dojo, mas isso talvez seja pensar demais.
Embora o livro de Isaacson e o relatório de Jonas tenham surgido de lugares muito diferentes, ambos se encaixam em um tema de longa data em torno de Musk e da Tesla: o extraordinário benefício da dúvida.
A abordagem de Isaacson sobre algumas das partes mais estranhas e duvidosas da história da Tesla é notavelmente fácil para seu tema. Por exemplo, com relação ao fiasco do “financiamento assegurado” em 2018, quando Musk publicou em seu perfil no Twitter que tinha um acordo para tornar a Tesla uma empresa de capital fechado, o livro mostra como, na verdade, nada sobre o acordo havia sido assegurado da maneira que a maioria das pessoas entende.
No entanto a breve seção termina com uma citação do próprio advogado de Musk dizendo que “Elon Musk é apenas um garoto impulsivo com um péssimo hábito de usar o Twitter”; um sentimento que Isaacson endossa, ignorando as complicações que surgem quando o garoto impulsivo passa a administrar uma grande empresa de capital aberto.
O estranho episódio, ocorrido pouco antes do lançamento do livro, em que Isaacson desvirtuou sua própria reportagem, a pedido de Musk, para mudar a história sobre seu papel em um ataque ucraniano cancelado a navios de guerra russos, aumenta a sensação de hagiografia (ou, pior, de imprecisão).
O objetivo não é negar as verdadeiras conquistas de Musk, principalmente em relação à revolução dos veículos elétricos da Tesla e ao surgimento da Space Exploration Technologies, a Space X, que, obviamente, ocupam grande parte do livro. A questão é que, a esta altura, elas já são conhecidas, ou seja, estão precificadas. O que nos leva de volta ao relatório do Morgan Stanley.
Na publicação do relatório, o preço de US$ 249 por ação da Tesla equivalia a uma capitalização de mercado de US$ 789 bilhões. Mesmo na hipótese de Jonas, que avalia a Tesla em US$ 1,75 trilhão, o negócio principal de automóveis – que gera mais de 90% do lucro bruto atual – representa apenas US$ 480 bilhões. Com base nisso, até mesmo a capitalização de mercado existente tinha um valor extra de US$ 300 bilhões relacionado a... alguma coisa.
A identidade exata dessa referência é discutível, mas pode ser definida, em linhas gerais, como a crença na próxima grande novidade de Musk. Mesmo que a Tesla tenha alcançado marcos que, às vezes, pareciam assustadores, a avaliação tende a se antecipar ao que pode estar por vir.
O relatório de Jonas – semelhante a outro, há alguns anos, que causou grande impacto, opinando sobre um (ainda) hipotético serviço de caronas da Tesla – oferece uma narrativa em torno desse valor de opção amorfo.
No entanto apenas em termos mais amplos e com ressalvas. A diferença entre o cenário de baixa e o de alta de Jonas é de US$ 1,37 trilhão, uma diferença maior do que o pico de capitalização de mercado de todos os tempos da Tesla.
Um colega seu, que de fato cobre ações de semicondutores, é citado no relatório como tendo observado os pontos fortes reais da Tesla no desenvolvimento de hardware e software, mas também apontando as dificuldades reais de desafiar a Nvidia em seu território.
Além disso, a Tesla já é negociada com um prêmio de aproximadamente 40% em relação à Nvidia em relação aos múltiplos de ganhos futuros, outra faceta de quanta crença já está incorporada. O mais revelador de tudo é que Jonas acrescenta um elemento ao seu entusiasmo com o Dojo:
“Embora seja difícil validar explicitamente as muitas afirmações que a Tesla fez sobre o custo e o desempenho do Dojo, acreditamos que a Tesla tem uma chance de apresentar uma solução personalizada competitiva, dado o histórico de inovação e os recursos da empresa.”
Um extra de US$ 480 bilhões pela crença em uma chance? Claro. Do jeito que estava, as ações da Tesla já haviam dobrado este ano, apesar de os números reais e explicitamente validados mostrarem um grande declínio nas margens de lucro, já que a empresa busca o crescimento com cortes de preços.
No último trimestre, a Tesla vendeu quase o dobro de carros do que no ano anterior, mas gerou um lucro operacional absoluto menor, o que é surpreendente. Novos cortes de preços desde então sugerem que as margens continuam sob pressão neste trimestre.
Enquanto isso, ainda não vimos os preços, as especificações finalizadas ou uma data exata de lançamento do que supostamente seria o próximo gatilho para as ações, o Cybertruck. A dissonância dos eventos imediatos com o desempenho da ação significa que estamos nos inclinando mais para o campo da visão.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Liam Denning é colunista da Bloomberg Opinion e cobre energia e commodities. Anteriormente, foi banqueiro de investimentos, editor da coluna “Heard on the Street”, do Wall Street Journal, e repórter da coluna “Lex”, do Financial Times.
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