Bloomberg Opinion — Nos Estados Unidos, uma mulher na média da população gasta muito mais tempo em tarefas domésticas do que o homem médio de forma que que, para igualar a carga, as mulheres teriam que abandonar totalmente o trabalho doméstico a partir de 5 de setembro. Não me entenda mal, isso representa um progresso: a diferença entre os gêneros nas tarefas domésticas diminuiu um pouco em relação ao ano passado, quando as mulheres teriam que parar em 29 de agosto.
Desde 2012, os homens acrescentaram cerca de 12 minutos por dia de trabalho doméstico, ampliando um aumento gradual de longo prazo. Para minha surpresa, as mulheres não diminuíram sua carga, mas acrescentaram cerca de 5 minutos por dia. Se os homens estão fazendo mais, por que as mulheres não estão fazendo menos?
Essa pergunta não é facilmente respondida, em parte porque a quantidade de tempo que as pessoas gastam em tarefas domésticas varia muito de acordo com o fato de serem ricas ou pobres, trabalhadoras ou aposentadas, pais ou não. Mas, em todos os grupos demográficos, as mulheres fazem mais tarefas domésticas do que os homens.
Mesmo as mulheres solteiras que moram sozinhas fazem mais tarefas domésticas do que os homens solteiros, observa Liana Sayer, professora de sociologia da Universidade de Maryland. A disparidade é ampliada em casais heteroafetivos. E, quando as mulheres fazem menos, geralmente não é porque os homens assumiram mais tarefas. É por causa de outra mulher, como uma faxineira contratada.
Primeiro, só para deixar isso claro: sempre que escrevo sobre esse assunto, os homens me enviam e-mails explicando que os dados devem omitir as coisas que eles fazem: pagar contas, cortar a grama, fazer reparos e assim por diante. Mas essa objeção não é válida.
Os dados do Bureau of Labor Statistics levam em conta essas tarefas “tipicamente masculinas”. Além disso, exclui a enorme quantidade de tempo que as mulheres passam cuidando dos filhos e de outros membros da família sem remuneração.
O que nos resta é uma comparação de igual para igual de todas as tarefas diárias da vida: cozinhar, limpar, lavar roupa, manutenção do carro e outras tarefas. Mesmo que os homens realizem mais determinadas tarefas, as mulheres fazem muito mais no geral. E as justificativas frequentemente apresentadas – os homens não percebem a bagunça, as mulheres são melhores em multitarefas – têm se mostrado erradas repetidas vezes.
Mas há uma explicação comum que parece estar certa: as mulheres, em média, sentem-se impelidas a manter padrões mais elevados de limpeza. Fomos ensinadas que, para ser uma boa esposa e mãe – uma boa mulher – precisamos estar limpas, fazer as tarefas domésticas da maneira “certa”.
Talvez esse seja um dos motivos pelos quais, mesmo que os homens norte-americanos tenham aumentado lentamente seu nível de exigência, as mulheres não recuaram. “Nosso senso de quem somos está muito ligado a ideias do que a sociedade considera ser o tipo certo de feminilidade”, diz Allison Daminger, socióloga da Universidade de Wisconsin-Madison. “Isso se torna parte do nosso senso de identidade.”
Uma mulher que mora sozinha pode passar mais tempo limpando porque somos ensinadas a achar isso gratificante. Então, quando um parceiro se muda para a casa dela, ela geralmente fica desanimada e ressentida com os padrões mais baixos dele.
Enquanto eu refletia sobre essa coluna, três mulheres diferentes reclamaram espontânea e energicamente que seus parceiros homens não dobram a roupa imediatamente após ouvir a secadora completar o ciclo. Outras mencionaram namorados cuja ideia de limpar a cozinha não inclui passar pano nos balcões e até maridos que nunca tiraram o pó de um rodapé.
Não há motivo inato para que as mulheres associem as tarefas domésticas ao seu valor interior, dizem os especialistas. Mas a explicação usual – de que, se a casa está bagunçada, é a mulher que será julgada por isso – sempre me deixou um pouco insatisfeita. Para ser clara, as pesquisas apoiam isso.
Mas se é apenas o julgamento dos outros que tememos, então as guerras de tarefas domésticas não deveriam ter diminuído em 2020, quando o medo da covid afastou muitos visitantes? Em vez disso, o conflito só pareceu se intensificar à medida que os casais passavam mais tempo em casa.
Talvez uma explicação mais completa seja que as mulheres internalizaram os julgamentos da sociedade de modo que a bagunça as incomoda mesmo quando ninguém está olhando. Quando vejo migalhas espalhadas, é como se algum tipo de árbitro interno apitasse; simplesmente me sinto compelida a fazer a limpeza.
Eve Rodsky, autora de “O método Fair Play para divisão de tarefas domésticas”, diz que as mulheres que ela entrevistou sempre lhe dizem que sentem que têm apenas três papéis socialmente sancionados: empregada, esposa e mãe.
Os afazeres domésticos são parte tão fundamental dos dois últimos que podem facilmente preencher todas as horas de vigília que não são preenchidas pelo trabalho remunerado. Torna-se quase impossível reservar tempo para qualquer outra coisa: projetos, hobbies, amizades e até mesmo momentos de ócio.
Os homens são socializados de forma diferente. É claro que eles poderiam fazer mais trabalho doméstico, mas não foram ensinados a ver as tarefas em termos morais; o valor masculino é medido de forma diferente, de acordo com o salário, o estoicismo ou a força física. E eles se sentem mais donos de seu próprio tempo, diz Rodsky. Eles o protegem – e as mulheres os ajudam a fazer isso. Quando fazemos isso, “somos cúmplices de nossa própria opressão”, diz ela.
Esse é um dos motivos pelos quais qualquer tentativa de corrigir o desequilíbrio exige mais do que uma comunicação mais clara e um sistema melhor. É necessário um terceiro elemento: limites. Isso significa tolerar o conflito que a renegociação da carga doméstica inevitavelmente acarreta. E significa aprender a nos distanciar do apito do árbitro interno quando a pia está cheia de louça.
Como podemos fazer isso? Ao “entender que meu tempo não é inútil”, diz Rodsky, “embora tenhamos sido condicionadas desde o nascimento a acreditar que é”.
Vale a pena tentar. Afinal, nossa parte já fizemos.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Sarah Green Carmichael é editora da Bloomberg Opinion. Anteriormente, era editora-gerente de ideias e comentários na Barron’s e editora executiva na Harvard Business Review, onde apresentava o podcast “HBR IdeaCast”.
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