Bloomberg — Em uma sala de conferências de hotel com vista para o Mar da China Meridional, Taylor, de 24 anos, está sentada com outros 13 estudantes universitários em moletons e tênis, programando em seus notebooks durante as férias escolares.
Os dois seguranças fortemente armados sentados do lado de fora da sala sinalizam que isso não é um summer camp comum: os estudantes voaram em classe executiva de lugares tão distantes quanto a Califórnia e Singapura para passar várias noites no luxuoso Fullerton Ocean Park Hotel em Hong Kong. Bandejas de salada de carne de caranguejo, mini croque-monsieurs e espetinhos de presunto e melão compunham o ambiente.
Os estagiários altamente disputados foram escolhidos a dedo dentre 69.000 candidatos pelos executivos do bilionário Ken Griffin na Citadel e na Citadel Securities, à medida que o gigante financeiro busca treinar a próxima geração de gênios da matemática e da computação que o ajudaram a se tornar um dos componentes-chave para o mercado de trading.
Durante três dias, os estudantes desempenharão o papel de traders de hedge funds, negociando com colegas, escrevendo códigos e desenvolvendo estratégias automatizadas com base em simulações com feeds de notícias e dados macroeconômicos.
Tudo isso faz parte de um programa de cerca de 11 semanas para prepará-los para o mundo muitas vezes secreto do trading e do market making, ganhando cerca de US$ 120 por hora nessa jornada, ou US$ 19.200 por mês.
“Há apenas um grupo limitado de estudantes verdadeiramente excepcionais”, disse Kristina Martinez, diretora administrativa da Citadel responsável por recursos humanos na região Ásia-Pacífico. “Devido à complexidade do que fazemos e ao fato de que as empresas que interagem conosco estarão de olho nas mesmas pessoas, precisamos entrar cedo.”
Ken Griffin, de 54 anos, a 33ª pessoa mais rica do mundo, entende uma coisa ou duas sobre o potencial dos estudantes. Ele começou sua carreira financeira na Universidade de Harvard, negociando títulos conversíveis a partir de seu dormitório, pedindo aos zeladores para instalar uma antena no telhado para que ele pudesse obter cotações ao vivo.
Ele transformou isso em uma fortuna pessoal agora avaliada em cerca de US$ 37 bilhões.
Sua Citadel Securities tornou-se uma parte fundamental do sistema que sustenta o mercado de ações dos Estados Unidos, executando negociações no valor de US$ 463 bilhões por dia — às vezes comprando ou vendendo ações por conta própria — atuando como contraparte e oferecendo liquidez ao mesmo tempo.
Habilidades matemáticas e de codificação são cada vez mais desejadas para os funcionários de bancos e empresas de investimento ao redor do mundo, mas isso é ainda mais presente nas empresas de Griffin, em que pesquisadores quantitativos e engenheiros desenvolvem estratégias de trading e implementam algoritmos para automatizar o processo.
O campo de treinamento de Hong Kong é um dos muitos ao redor do mundo para a Citadel, sediada em Miami, à medida que a Ásia se torna um foco maior devido à expansão da empresa na região.
A Citadel, o braço de hedge funds, e a Citadel Securities, de ativos do mercado financeiro, dobraram o número de funcionários na Ásia desde 2020, totalizando mais de 400 pessoas, mesmo enquanto algumas empresas de Wall Street reduziram de tamanho na região.
Durante o programa de verão, os estagiários são cada um designados a um grande projeto, enquanto trabalham ao lado das equipes das duas empresas, que geraram juntas US$ 35,5 bilhões em receita no ano passado.
Alguns estagiários selecionados recebem ofertas para voltar em tempo integral logo após o programa, enquanto outros retornam em regime de meio período já no segundo ano.
“Isso foi muito diferente, nenhuma das minhas experiências anteriores como estagiário ofereceu algo assim”, disse Taylor, que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome devido a preocupações com a privacidade. “Os projetos que fizemos foram usados em aplicações reais, muito desafiadoras e emocionantes.”
Gênios da matemática
Antes de entrar na Citadel, Taylor não tinha conhecimento sobre o mercado financeiro, mas tinha um interesse ávido por matemática, destacando o tipo de talento que a Citadel procura.
Quase sem exceção, os estagiários vêm das universidades mais prestigiadas de suas regiões, alguns ostentando prêmios de ouro na Olimpíada de Matemática ou doutorados em matemática pela Universidade de Stanford, na Califórnia. MBAs raramente são selecionados.
Um funcionário brincou que a Citadel é uma prova viva do antigo ditado chinês de que “se você aprender bem matemática, física e química, pode conquistar o mundo”.
No entanto, ter uma forte competência nessas matérias é apenas o começo, afirmou Martinez. “A pessoa que é simplesmente incrível academicamente, mas não fez nada além disso e não demonstrou realmente empolgação por algo, provavelmente não é o candidato que vai prosperar”, disse ela.
Durante o programa de quase três meses, os alunos são avaliados por habilidades que vão muito além da álgebra. Isso inclui seu nível de curiosidade e habilidade para receber feedback e fazer as perguntas certas.
Eles são avaliados quanto à capacidade de colaborar com colegas de equipe e quão rapidamente se adaptam e mudam de direção quando novas informações são apresentadas. É um equilíbrio complexo: eles têm que competir entre si e ser um jogador de equipe ao mesmo tempo.
Até refeições são um teste
No almoço, um aluno disse preferir não comer muito para evitar uma “queda mental” antes da rigorosa simulação de trading à tarde.
Os alunos foram divididos em grupos, cada um com um funcionário da Citadel para dar orientação, mas não as respostas. Nas horas seguintes, eles deveriam criar algoritmos para proteger seu risco (fazer hedge) e identificar oportunidades de arbitragem, como parte do treinamento para ajudá-los a entender o processo de criação de mercado.
O que eles não sabem é que seu comportamento e interação entre si também fazem parte do teste. “Ao contrário das entrevistas de emprego, o programa de estágio está repleto de resolução de problemas em tempo real, atividades sociais, aprendizado e atividades altamente interativas”, disse Martinez. “Não há surpresas no final do processo.”
Até as refeições são um teste. Um dos muitos pontos de avaliação dos alunos é a interação com líderes da empresa durante jantares de networking, que neste ano foram realizados nos elegantes restaurantes Madame Fu e Porterhouse, em Hong Kong. Mas os alunos não vão despreparados.
A Citadel traz treinadores profissionais para prepará-los, com exercícios que incluem escrever um e-mail para um chefe resumindo um relatório longo em menos de 60 palavras.
Outro envolve gravar um vídeo de apresentação, em que eles aprendem a projetar suas vozes, combinar a expressão facial com sua mensagem e evitar as armadilhas das palavras vazias e do aumento da entonação da voz.
Eles também fazem testes de personalidade e aprendem a buscar feedback resumindo o que outras pessoas dizem.
Hotéis 5 estrelas e classe executiva
A Citadel não poupa recursos para treinar esses estudantes porque a batalha por talentos de alto nível é intensa. As empresas de Griffin estão competindo com gigantes da tecnologia como Meta Platforms (META), ByteDance e Alphabet (GOOGL), além de rivais do mercado financeiro como Optiver Holding, Jane Street Capital e Susquehanna International Group.
Para empregos no setor financeiro nos Estados Unidos, a remuneração média para estagiários aumentou 19% em 16 das principais empresas estudadas pela Levels.fyi, que analisa dados de compensação enviados pelos usuários.
Em hedge funds e empresas de prop-trading, a remuneração por hora aumentou 29% em relação ao ano anterior, chegando a US$ 111, com a Citadel entre os principais pagadores. Fundos hedge e bancos também estão competindo por talentos contra indústrias com menos recursos, incluindo análise quantitativa.
Muitos estagiários do setor recebem outros benefícios, incluindo bônus de contratação, bolsas de estudo e acesso a moradias corporativas, com pacotes de remuneração semelhantes aos de funcionários em tempo integral.
Em bancos de Wall Street de primeira linha, hotéis cinco estrelas, voos de classe executiva e estágios estruturados se tornaram padrão, disse Tony Ernest, managing partner em Singapura da consultoria de talentos de hedge funds Monroe Partners Asia.
“Já foi-se o tempo em que os estagiários faziam apenas trabalhos banais”, disse ele, acrescentando que, se o estágio correr bem, “é uma ótima ferramenta de vendas para atrair outros estudantes das mesmas escolas”.
O recrutamento no campus agora começa muito antes do que antes e muitas vezes dura o ano todo. Os departamentos de recursos humanos não estão mais apenas enviando pilhas de currículos para os gerentes de contratação e fazendo visitas isoladas às escolas.
“Há 10 anos, os hedge funds nunca iam para o campus de universidades ”, disse Ernest. “Agora eles estão absorvendo o 1% melhor dos formandos.”
Recrutamento direcionado
Martinez e sua equipe adotam uma abordagem direcionada, identificando professores em escolas como Stanford e a Universidade Nacional de Singapura, que têm um histórico de formar pessoas que prosperam na empresa.
Eles também descobrem estudantes por meio de seus Datathons, nos quais os participantes trabalham com grandes e complexos conjuntos de dados e apresentam suas descobertas.
Estudantes do primeiro e segundo anos podem se colocar no radar por meio do Discover Citadel, onde os 40 a 50 melhores candidatos de milhares são convidados para um evento de um ou dois dias.
A empresa também usa recrutamento direcionado e indicações para identificar candidatos com alto potencial, que são então convidados para sessões de jantar em cidades como Hong Kong, Nova York e Singapura.
Embora a Citadel e a Citadel Securities não divulguem sua taxa de contratação, apenas “os verdadeiramente excepcionais” são aprovados, disse Martinez.
“Normalmente, muito cedo no estágio, você pode identificar as estrelas, os verdadeiramente excepcionais”, disse ela.
Projeto final
De volta à sua mesa de escritório na Citadel em Singapura, Taylor está correndo contra o tempo para concluir seu grande projeto.
As tarefas atribuídas a cada estagiário são diferentes – dependendo se trabalham em pesquisa quantitativa, trading ou operações – mas todas envolvem problemas reais enfrentados pela empresa.
Eles são esperados para fazer uma apresentação de 15 minutos mostrando seu trabalho, e suas soluções podem ser colocadas em uso.
Para Taylor, que foi encarregada de melhorar a eficiência de um programa específico, a grande lição foi “pensar maior, não apenas focar nos problemas à sua frente, mas mais no porquê e no impacto”.
Como parte do treinamento externo, os estudantes se voluntariaram em uma instituição de caridade, embalando e entregando refeições em Hong Kong. Ao estilo da Citadel, eles foram divididos em grupos, competindo para ver quem seria a equipe mais rápida.
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