A exploração da Foz do Amazonas pelo governo Lula vale o impacto ambiental?

O desenvolvimento do Brasil depende em parte de seus recursos naturais, mas isso deve ser repensado no momento em que os custos ambientais são cada vez mais evidentes

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Bloomberg Opinion — O petróleo está deixando o Brasil em alvoroço.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está se retorcendo desde que o Ibama, órgão ambiental que tem autoridade sobre a exploração de recursos naturais, negou um pedido da Petrobras (PETR3, PETR4) para perfurar no Atlântico, na costa do estado do Amapá, próximo à foz do rio Amazonas.

O conflito entre agências federais escalou desde então. A Advocacia Geral da União declarou que a avaliação ambiental solicitada pela Petrobras ao Ibama quando esta negou a licença era desnecessária. Mas o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, que abriga o Ibama, esclareceu que a falta de uma avaliação não foi o motivo da recusa.

Enquanto isso, o Ministério Público concordou com o Ibama que a licença deveria ser negada, com base na inadequação do pedido da Petrobras, que não abordou adequadamente como lidaria com os riscos ambientais potenciais nesse ecossistema tão vulnerável. E os promotores ameaçaram tomar “medidas judiciais apropriadas”.

Enquanto esse drama caótico se desenrolava, o presidente Lula foi à rádio na Amazônia para dizer que “continuava sonhando” com a produção de petróleo na região.

O conflito interno não é tão absurdo quanto parece. O sonho de Lula não é loucura para um país relativamente pobre como o Brasil. O petróleo pelo qual ele anseia está na “Margem Equatorial” que abraça a costa mais ao norte do Brasil, considerada uma das fontes mais abundantes de petróleo não descoberto do mundo.

Situada a noroeste do Amapá, a Guiana, um pequeno país com 1/40 do tamanho do Brasil, explorou esse recurso e produziu cerca de 275.000 barris de petróleo por dia no ano passado, em comparação com zero em 2018. O país possui 11 bilhões de barris de reservas de petróleo, não muito longe dos 15 bilhões do Brasil, que estão principalmente nas costas do Rio de Janeiro e de São Paulo, no sudeste.

A bonança da Guiana aponta para o debate mais amplo e mais complicado que está por trás da disputa pelo desenvolvimento das potenciais reservas de petróleo do Brasil na Foz do Amazonas. Por mais que o imperativo do desenvolvimento nos chame a atenção, qual é a sensatez de desenvolver mais reservas de petróleo – que só começariam a fluir depois de 2030 – quando o imperativo climático mundial exige que se deixe grande parte dele no solo?

Se quisermos atingir 50% de chances de manter a temperatura média global não mais do que 1,5°C acima da média do final do século XIX, a liberação de CO2 adicional na atmosfera deve ser de no máximo 380 bilhões de toneladas – um limite considerado essencial para evitar danos graves às sociedades humanas e aos ecossistemas naturais.

Um barril de petróleo contém quase meia tonelada de CO2, na melhor das hipóteses. De acordo com as estimativas da Administração de Informação sobre Energia (EIA, em inglês) dos Estados Unidos, as atuais reservas conhecidas de petróleo contêm, portanto, pelo menos 800 bilhões de toneladas, o suficiente para estourar o orçamento duas vezes. Definitivamente, não há espaço para mais.

Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e da Agência Internacional de Energia (IEA) avaliaram que a exploração de novos investimentos em combustíveis fósseis precisará ser reduzida e, em alguns casos, abandonada, para que se mantenha abaixo do limite de 1,5°C e para que se atinja emissões líquidas zero de CO2 até 2050.

Um estudo publicado há dois anos por pesquisadores da University College London estimou que, para ficar abaixo de 1,5°C, cerca de 60% das reservas mundiais de petróleo – incluindo mais de 70% das reservas do México, da América Central e da América do Sul – teriam que permanecer no solo até 2050.

Suely Araújo, que, como chefe do Ibama há cinco anos, negou os pedidos da petroleira francesa Total para perfurar bem próximo ao local que a Petrobras espera explorar, argumenta que os ecossistemas submarinos e costeiros da área são frágeis e pouco conhecidos. As correntes são fortes, mais fortes do que a Petrobras está acostumada. A Total deixou a área, observa ela, assim como a BP. Apenas a Petrobras permanece.

Contudo, acrescenta ela, os planos da Petrobras seriam má ideia mesmo que os riscos para os ecossistemas locais fossem mais controláveis. “A simples exploração de petróleo já é um problema”, disse.

A Agência de Proteção Ambiental dos EUA estimou o chamado “custo social do carbono” em US$ 51 por tonelada, o que representa o custo em dólares dos danos presentes e futuros que seriam causados aos ecossistemas e economias do mundo pela emissão de mais CO2 na atmosfera. Mas a agência reconhece que esse valor é muito baixo.

Após uma nova análise sobre os custos da provável mudança climática, ela propôs uma faixa de preços muito mais alta, centrada em cerca de US$ 190 por tonelada. Com esse preço, manter um barril de petróleo no solo traria ao mundo um benefício próximo a US$ 100.

No entanto, Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde & Alegria, uma organização amazônica sem fins lucrativos que apoia projetos sustentáveis na bacia do Tapajós, ressalta que grande parte desses custos seria revertida para o Brasil, onde se espera que o aumento da temperatura provoque secas, menor produtividade agrícola, mais doenças infecciosas e outros impactos onerosos.

Será que o presidente Lula vai acordar do sonho? Abrir mão de novas explorações de petróleo representaria um desafio político: convencer os muitos brasileiros para os quais o petróleo evoca imagens de 800.000 guianenses curtindo um PIB per capita de US$ 60.000. Essa é a média da Europa Ocidental e cerca de três vezes o PIB per capita do Brasil.

Como muitos brasileiros observarão, é um pouco injusto exigir que o Brasil arque com o custo de acabar com os investimentos em combustíveis fósseis, quando as empresas da maioria dos outros países, muitos dos quais são muito mais ricos, continuam investindo no desenvolvimento de fontes desse material.

Os ativistas ambientais comemoraram quando os equatorianos votaram para interromper a produção de petróleo no parque nacional Yasuni, no meio da floresta amazônica. Mas isso representa apenas 12% da produção do Equador. Na Colômbia, o governo de Gustavo Petro se recusou a emitir novas licenças de exploração de petróleo.

Mas, até o momento, apenas a Dinamarca, a Nova Zelândia e a França se comprometeram a impedir novas explorações de petróleo e gás em seus territórios (razão pela qual a Guiana Francesa não está se apressando em explorar suas prováveis reservas). Até mesmo a Noruega, queridinha do clima, ainda está investindo pesadamente na produção de petróleo.

Araújo enfatiza que o sonho do governo de um desenvolvimento alimentado pelo petróleo é equivocado. A receita do petróleo raramente financia um desenvolvimento amplo e equitativo. De fato, o PIB da Guiana pode rivalizar com o da Finlândia, mas seu Índice de Desenvolvimento Humano é menor do que o do Equador, do México ou do Brasil.

Escolher as receitas provenientes do petróleo para resolver problemas sociais não é realista”, diz ela. Há mais riquezas a serem obtidas com os produtos naturais de uma floresta amazônica saudável e em pé. “A floresta é uma farmácia.”

Esses não são argumentos ruins. Scannavino acrescenta que manter o petróleo no solo reforçaria a liderança do Brasil no debate global sobre as mudanças climáticas e promoveria a causa de que os ricos do Norte Global deveriam arcar com mais custos impostos ao Sul Global. Se a Amazônia beneficia o mundo inteiro, o mundo inteiro poderia ajudar a pagar por sua preservação.

E, no entanto, na batalha contra as mudanças climáticas, esse tipo de argumento tende a perder o dia. Como disse Scannavino, “mais cedo ou mais tarde, esse petróleo será explorado”.

O povo brasileiro ainda precisa ser convencido de que a alternativa não apenas preservará o meio ambiente, mas também proporcionará um meio de vida. Se o presidente Lula quiser se aposentar como um campeão do desenvolvimento sustentável, ele deve parar de sonhar com as riquezas do petróleo e provar esse caso.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Eduardo Porter é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre a América Latina, a política econômica dos EUA e imigração. É autor de “American Poison: How Racial Hostility Destroyed Our Promise” e “The Price of Everything: Finding Method in the Madness of What Things Cost”.

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