Bloomberg Opinion — Ser um intermediário em um mundo de pagamentos digitais é “um bom negócio para se estar”, escreveu uma dupla de ex-executivos da SWIFT em seu livro de 2021, “The Pay Off”. Os processadores embaralham o dinheiro de A para B em nome dos comerciantes, tiram de 1% a 3% do lucro e ficam com o que sobra depois que os bancos e os emissores de cartões recebem sua parte. “Às vezes, as melhores ideias são realmente as mais simples”, concluíram.
Em algum momento, no entanto, essas ideias simples foram repaginadas como sensuais e sofisticadas – e muito supervalorizadas.
As queridinhas fintechs, desde a Adyen até a PayPal (PYPL) e a Block, com valuations superiores à média dos bancos europeus, caíram mais de 70% desde agosto de 2021, com a realidade da desaceleração do crescimento do comércio eletrônico após a pandemia e as pressões inflacionárias sobre os comerciantes.
A Adyen, uma das escolhidas do ARK Innovation de Cathie Wood, sofreu um golpe brutal, com suas ações caindo 50% em uma semana, eliminando cerca de US$ 25 bilhões de sua capitalização de mercado.
Essas empresas não são um fracasso comercial e desenvolveram muita tecnologia genuinamente inteligente para melhorar as opções e simplificar os pagamentos digitais. Mas as expectativas de receita e os valuations têm sido muito otimistas em um setor que, em última análise, ainda depende de volume.
Os resultados recentes da Adyen mostram claramente que o crescimento ainda está presente, mas o descompasso entre um aumento no valor do total de pagamentos processados de “apenas” 23% no primeiro semestre de 2023 (abaixo dos cerca de 40% do ano anterior) e um valuation digno de Amazon (AMZN) foi suficiente para mandar os investidores para a saída.
A tentação agora é presumir que o pior já passou. A ARK está comprando ações da Adyen novamente, talvez com o objetivo de reduzir o custo de seu investimento até o momento (que, em uma base por ação, ainda estima-se ser o dobro do preço atual das ações, de acordo com dados da Bloomberg).
Em geral, os analistas estão otimistas em relação às ações, com um preço-alvo que implica um potencial de retorno de quase 50% nos próximos 12 meses.
A mudança estrutural para os pagamentos digitais ainda está em andamento, dizem os otimistas, e a vantagem competitiva ainda recairá, em última instância, sobre quem tiver a melhor plataforma tecnológica.
Mas há um risco de decepção também. Há uma boa chance de que as pressões competitivas e o impacto da inflação não sejam apenas algo passageiro – eles podem indicar um mercado que já se tornou mais comoditizado do que os investidores imaginam.
Relatórios sobre a BrainTree do PayPal competindo agressivamente na América do Norte fizeram com que os disruptores da fintech parecessem um tanto vulneráveis.
Até mesmo a fintech não listada Stripe, cujas elegantes sete linhas de código revolucionaram o processamento de pagamentos e tornaram bilionários seus cofundadores, reduziu quase pela metade seu valuation no mercado privado para US$ 50 bilhões e cortou pessoal – para grande desgosto de seus financiadores estatais irlandeses. É possível que seus planos de IPO tenham que ser arquivados por mais tempo do que se pensava.
Em um mercado de possíveis guerras de preços, será que as startups, outrora tão apreciadas, são o melhor lugar para se estar?
O investidor em fintechs Peter Lugli, escrevendo em um blog em abril, sugeriu que empresas como Stripe, Adyen e outras estavam “indo onde povo está”, em vez de um destino mais disruptivo.
Talvez uma big tech, como a Apple (AAPL), tenha a vantagem de criar uma nova tecnologia de pagamentos ou um modelo que cobre menos dos comerciantes. Enquanto isso, mesmo depois de sua recente queda, as ações da Adyen não são exatamente baratas, sendo negociadas a um P/L futuro de 40, o mais alto de seu grupo de pares. Como a empresa não está interessada em perseguir o volume em detrimento do preço, muita coisa ainda precisa dar certo.
O hype pode ser algo perigoso – não vamos nos esquecer de que um dos colapsos corporativos mais espetaculares da memória recente, a Wirecard, era uma ação de pagamentos. Um proverbial balde de água fria fará muito bem ao setor, embora os resultados possam não ser os esperados por Cathie Wood.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lionel Laurent é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre a França e a União Europeia. Já trabalhou para a Reuters e a Forbes.
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