Bloomberg — O cenário tem ficado ainda mais difícil para uma categoria de investidores que se tornou célebre em Wall Street e que busca lucrar identificando problemas em empresas e apostando contra elas no mercado. Embora os ataques a nomes como Carl Icahn, Gautam Adani e Jack Dorsey possam ter levantado o espectro do renascimento dessa indústria, os investidores ativistas que operam vendidos (short-seller, em inglês) ainda enfrentam um dos piores anos em mais de uma década.
Esses investidores, que procuram encontrar falhas em empresas listadas e apostam contra elas antes de divulgarem publicamente suas descobertas, continuam a enfrentar uma legião de traders “meme stocks” que têm o poder de transformar papéis “fracassados” em vencedores da noite para o dia.
Some-se a isso um início de ameaça regulatória e um mercado de ações que desafia todas as profecias de queda apesar da alta de juros mais agressiva em décadas, e tudo conspirou para reduzir em mais de um terço o número global de novas campanhas ativistas de short sellers desde 2020.
De acordo com a Diligent Market Intelligence, este ano caminha para ser um dos mais fracos desde pelo menos 2013. Desde o pico da indústria há oito anos, a atividade diminuiu impressionantes 65%.
Os fatores são diversos, mas uma investigação em curso pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos em relação a muitos dos maiores nomes da indústria tem sido crucial, segundo os praticantes. Isso, além de um mercado de ações que está desafiando o cenário de juros mais altos.
“Vendas a descoberto em geral são difíceis”, disse Porter Collins, co-fundador da Seawolf Capital em Nova York e uma das figuras retratadas no filme “A Grande Aposta”, que ajudou a consagrar essa categoria de investidor ao retratar sua atuação durante a crise financeira de 2008 - o personagem principal foi inspirado em Michael Burry. “Essa estratégia em um mercado em alta é ainda mais difícil.”
Em teoria, o aumento das taxas de juros deveria ser uma boa notícia para os investidores que operam vendidos, já que isso pressiona empresas endividadas e não lucrativas.
No entanto o apetite renovado dos investidores pelo risco reduziu os retornos de um mês para essas estratégias nos Estados Unidos para uma média de 4,2% neste ano, segundo a Diligent — percentual que se aproxima do mínimo quando analisados os dados desde 2013.
Somado a isso, depois de punirem fundos hedge ao impulsionarem as ações da Game Stop em 2021, os investidores de varejo das “ações meme” também continuam a tumultuar a estratégia.
Em uma carta aos clientes neste mês, Dan Loeb, célebre investidor da gestora Third Point, disse que a empresa reduziu as apostas contra empresas individuais, enquanto seus colegas continuam a ser prejudicados por grupos da rede social Reddit.
Colisão com o mercado
Os short sellers se apresentam como uma força vital — e subestimada — no ecossistema financeiro.
Diferentemente dos investidores ativistas, que geralmente compram participações em empresas antes de tentar mudar a forma como são administradas, aqueles que operam vendidos lucram com as quedas — normalmente vendendo ações emprestadas e visando comprá-las de volta por um preço mais baixo.
Isso significa que eles têm um incentivo para encontrar e expor problemas corporativos ou empresas supervalorizadas. Isso os torna contrários à maioria dos investidores que estão posicionados para ganhos — e, consequentemente, quererem que as ações subam.
“Argumentavelmente, os short sellers estão em melhor posição no mercado para descobrir essas fraudes”, disse Collins. “Os compradores de longo prazo não vão fazer isso.”
Mas isso os coloca em uma rota de colisão com praticamente todos os outros participantes do mercado. Críticos argumentam que o incentivo nem sempre se estende além de simplesmente fazer as ações caírem, que nem toda pesquisa resiste ao escrutínio e que suas táticas muitas vezes equivalem à manipulação do mercado.
Também há preocupações sobre a relação próxima entre alguns fundos hedge e short sellers.
O papel controverso desses investidores esteve sob o holofote durante a frenesi em torno das “ações memes” em 2021.
Embora tenham sido os short sellers que saíram prejudicados no tumulto, o episódio trouxe nova atenção para a indústria e os apelos de longa data por uma supervisão mais rigorosa — incluindo dos legisladores dos Estados Unidos — foram amplificados.
Em dezembro de 2021, a Bloomberg News relatou que o Departamento de Justiça e a Securities and Exchange Commission, a SEC, estavam realizando investigações abrangentes na indústria. Os resultados dessas investigações ainda estão pendentes — o que deixa o setor em um estado de incerteza.
“Uma das principais razões pelas quais os Estados Unidos viram uma queda nas campanhas de operação vendida é a investigação do Departamento de Justiça sobre essa prática”, disse Rebecca Sherratt, da Diligent. “Os short sellers estão evitando os mercados dos EUA por enquanto.”
Os Estados Unidos, com as maiores bolsas de valores do mundo, são de longe o país que mais vê campanhas de short-seller. Isso significa que também é o maior impulsionador da queda global dessa indústria, em termos absolutos, de acordo com os dados da Diligent.
Para os short sellers ativistas, o momento é de tempestade perfeita, considera Chris Drose, fundador da Bleecker Street Research. Antes das quedas do ano passado, o mercado estava inundado de IPOs e SPACs, mas isso já não é mais visto com tanta frequência.
“Tínhamos uma enxurrada de ‘lixo’ entrando no mercado e a valuations realmente elevados”, disse Drose. “O clima no mercado mudou um pouco e agora há menos, porque em um mercado em baixa essas coisas não acontecem.”
-- Com a colaboração de Lisa Pham and Tom Schoenberg.
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