Por que o domínio do dólar persiste apesar da hegemonia americana em xeque

Dólar deve continuar a ser base do comércio global, contrariando previsões de seu enfraquecimento

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Bloomberg Opinion — Se 2023 está sendo um ano ruim para o dólar, ainda estamos no lucro. As previsões generalizadas de um recuo significativo da moeda globalmente após um 2022 excepcional não se concretizaram. O dólar ainda é quem manda.

Isso não é vantajoso apenas em tempos de bonança mas também quando o resto do mundo não parece muito atrativo. O dólar não é uma simples moeda, e, sim, se assemelha a uma fortaleza medieval, completa com um fosso.

Seria difícil repetir a recuperação épica de 2022. Portanto, não é de se admirar que o dólar esteja praticamente no mesmo patamar em que foi negociado em 31 de dezembro, de acordo com o Bloomberg Dollar Spot Index.

Isso é resultado de várias forças: o Federal Reserve descartou cortes nas taxas de juros; a recuperação da China fracassou; o Japão não consegue decidir se quer ou não reduzir o excesso de liquidez; e a zona do euro está com dificuldades.

Em caso de dúvida, opte pelo dólar, especialmente com o Fed dando poucos sinais de que vai ceder em sua luta contra a inflação. Não importa que durante anos tenha sido comum afirmar que os Estados Unidos estão em um declínio de longo prazo nas mãos da China, uma visão que tem sido submetida a uma reavaliação minuciosa.

Será que há forças mais profundas em ação? Em dezembro de 2022, um documento do Fed de Nova York atribuiu grande parte da primazia do dólar ao chamado “Círculo Imperial”.

A ideia básica é que o dólar não é apenas parte integrante do comércio mundial mas é cada vez mais importante. Quando o Fed eleva as taxas, o dólar ganha, principalmente às custas dos mercados emergentes.

Porém, quando a desaceleração da economia ocorre como resultado desse aperto monetário, os efeitos são sentidos mais intensamente fora das fronteiras dos EUA do que internamente. Isso ocorre porque as exportações e importações representam uma parte relativamente pequena da economia dos EUA. A demanda por ativos seguros e líquidos – principalmente os títulos do Tesouro dos EUA – também desempenha aí um papel enorme.

Há uma ironia e uma grande dose de tensão nesse conceito. O dólar se tornou mais dominante, mesmo com os EUA recuando como proporção do Produto Interno Bruto global, em relação a países como China e Índia. Essa assimetria é um elemento fundamental da tese, segundo Gianluca Benigno, um dos autores do artigo e atualmente professor da Universidade de Lausanne:

O peso da economia dos EUA está diminuindo com o tempo devido à ascensão da Ásia. Mas, ao mesmo tempo, a ascensão da Ásia está combinada com um papel mais preponderante para o dólar... Muitos países estão com falta de ativos seguros. Isso é muito importante. Até que isso seja rompido, é difícil substituir o dólar, mesmo que você comece a faturar em outra coisa.

Seguro e líquido, o dólar é o que os fundos de pensão da Ásia exigem porque esses países não têm capacidade de absorver suas reservas. Isso cria um impulsionador natural da demanda por dólares que sustenta a hegemonia.

Os acontecimentos desde que o artigo foi publicado corroboram esse fato. O aperto do Fed está quase terminando, mas deu lugar a uma postura de alta por mais tempo. Nesse cenário, o presidente do Fed Jerome Powell reforçou em seu discurso em Jackson Hole nesta sexta-feira (25) que as taxas de juros podem até passar por uma nova alta.

Juntamente com os problemas da China, um Fed determinado apresenta escolhas nada invejáveis para muitos bancos centrais da Ásia e dos mercados emergentes em geral. Eles podem reduzir as taxas para aliviar uma desaceleração proveniente da China. No entanto, ao fazer isso, suas taxas de câmbio em relação ao dólar ficarão sob pressão. “É uma grande divergência e cria um dilema em muitos mercados emergentes em termos de escolha de políticas”, observou Benigno.

Há pontos fracos no reinado do dólar. Às vezes, as tensões em outros lugares podem se tornar tão significativas e desestabilizadoras para os mercados dos EUA que o Fed é forçado a mudar de rumo. Após um período de estagnação, Alan Greenspan reduziu as taxas rapidamente em 1998, após a inadimplência da Rússia.

A crise da dívida do euro foi um dos motivos pelos quais Ben Bernanke e Janet Yellen procederam com cautela ao retirar o estímulo que foi implantado durante a recessão de 2008.

A China também teve sua contribuição: uma desvalorização malfeita do yuan em 2015 contribuiu para que Yellen aumentasse apenas uma vez os juros naquele ano, em vez dos vários aumentos projetados.

George Soros se referiu às qualidades imperiais do dólar em um artigo publicado em 1984 no Financial Times. O bilionário pensava na defesa e nas consequências do desenvolvimento de armas de Ronald Reagan. Graças à generosidade do Pentágono, aos cortes de impostos e à falta de redução correspondente nos gastos, o déficit orçamentário disparou.

Embora tenha sido ótimo para os EUA e uma vantagem para Reagan em um ano eleitoral, foram impostos encargos significativos aos países dos quais o capital fugiu. Um círculo benigno para os Estados Unidos era vicioso em outros lugares, escreveu Soros, que previu uma crise.

Os problemas de fato assolaram a América Latina e, em um esforço para reduzir os atritos comerciais com os aliados, o então secretário do Tesouro, James Baker, negociou o Plaza Accord no ano seguinte. O pacto tinha como objetivo enfraquecer o dólar em relação ao marco da Alemanha Ocidental e ao iene.

Por mais polêmico que o Plaza tenha sido, o trabalho de Baker foi bastante fácil em comparação com o que seria necessário para qualquer realinhamento importante hoje em dia.

A Alemanha e o Japão eram parceiros dos EUA no tratado. A União Soviética não estava nem de longe tão inserida na economia mundial quanto a China. Apesar da proeza de Pequim em atrair cadeias de suprimentos nas últimas três décadas, a China ainda não tem uma moeda para sustentar suas ambições.

O mundo é do dólar, nós apenas moramos nele.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Daniel Moss é colunista da Bloomberg Opinion e cobre economias asiáticas. Anteriormente, foi editor executivo de economia da Bloomberg News.

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