Bloomberg Opinion — O principal candidato à presidência da Argentina, Javier Milei, pode até ter algumas ideias pouco ortodoxas sobre economia (ele quer abolir os bancos centrais), política (ele é libertário) e animais de estimação (ele tem cinco cães clonados). Mas uma de suas propostas, entretanto, é de simples bom senso: dolarizar a economia argentina.
O caso da dolarização é simples: desde 1980, a Argentina tem registrado uma taxa de inflação média anual de mais de 200%. Partes significativas da economia já passaram a usar dólares e até mesmo criptomoedas. Por que não ir até o fim e dar à economia uma moeda estável, uma moeda que seus políticos não possam manipular? Os argentinos teriam mais facilidade para proteger suas economias, os cálculos econômicos seriam mais fáceis e os investidores estrangeiros seriam incentivados.
Além disso, espera-se que o peso caia 70% em 2024, o que não é um sinal de uma reviravolta pendente. Seja qual for o motivo, a economia política da Argentina tem algumas características que não favorecem a estabilidade monetária e a responsabilidade fiscal e, portanto, é improvável que um ajuste fino adicional resolva o problema. É necessária uma medida drástica.
Três economias latino-americanas – Panamá, Equador e El Salvador – já adotaram a dolarização explícita. Embora os resultados tenham variado, com o Panamá tendo, de longe, o melhor desempenho, a dolarização em si deu certo para as três, que passaram de regimes de inflação periódica muito alta para uma relativa estabilidade monetária. Nenhum desses países parece estar propenso a retornar às suas moedas fiduciárias nacionais tão cedo.
Existem alguns argumentos bem conhecidos contra a dolarização, mas a maioria deles tem como base mal-entendidos ou uma visão fantasiosa sobre o que a Argentina pode conseguir sem a dolarização.
Por exemplo, se um país se dolariza, ele abre mão da opção de obter receita emitindo moeda a partir de sua própria inflação e, em vez disso, transfere essa receita para o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos. Isso seria um problema se o banco central argentino estivesse se comportando de forma responsável. Mas, no caso da Argentina, eliminar a receita da emissão via inflação é exatamente o que a dolarização está tentando alcançar.
Outro argumento é que o que é melhor para a economia dos EUA, em termos de oferta de moeda e política macroeconômica, não é necessariamente o que é melhor para a Argentina, uma economia distante e apenas tangencialmente conectada aos EUA em termos de comércio.
A questão faz sentido em termos abstratos. Na realidade, entretanto, a dolarização é muito preferível à alternativa da hiperinflação desenfreada.
Alguns sugeriram que a Argentina já tentou a dolarização na década de 1990, atrelando sua moeda ao dólar. Mas isso foi uma mera promessa, e a promessa de conversibilidade foi quebrada de forma espetacular, levando a uma eventual retomada da hiperinflação. Em 1999, a proposta de dolarização do presidente argentino Carlos Menem foi rejeitada.
O que a Argentina precisa é de uma dolarização genuína para que o governo não tenha uma maneira simples de voltar à irresponsabilidade monetária. A dolarização literal, em vez de uma mera vinculação, é uma política confiável.
Outra preocupação, mais significativa, é que a dolarização representaria um enorme custo inicial para o governo da Argentina: alguém teria que, de fato, conseguir todos os dólares para servir como moeda. No entanto lembre-se de que a economia da Argentina também estaria adquirindo um ativo valioso – dólares.
O custo líquido deve ser zero; realisticamente, a aquisição dos dólares deve ser um resultado líquido positivo. O governo da Argentina precisa investir no futuro de seus cidadãos, e a introdução de uma moeda estável é uma das melhores maneiras de fazer isso.
A dolarização pode envolver grandes ajustes fiscais, nem que seja para acumular os dólares necessários, e isso pode trazer o caos para a política argentina. Esse é um risco real, mas deve ser ponderado em relação aos riscos políticos da hiperinflação contínua. Pelo menos a dolarização oferece alguma chance de sucesso.
A Argentina ainda é um dos países mais ricos da América Latina, mas, em termos relativos, vem perdendo terreno desde a década de 1920, quando era um dos mais ricos do mundo. Seu sistema educacional continua sólido, portanto, a situação não é desesperadora, mas o país precisa de políticas públicas muito melhores. A essa altura, não fazer nada ou continuar no mesmo caminho é mais arriscado do que arriscar algumas reformas radicais.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Tyler Cowen é colunista da Bloomberg Opinion. É professor de economia na George Mason University e escreve para o blog Marginal Revolution. É coautor de “Talent: How to Identify Energizers, Creatives, and Winners Around the World”..
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
Quero Argentina fora do Mercosul e sem banco central, diz Javier Milei
Louis Vuitton, Moncler e H&M: a expansão de marcas globais em shoppings no Brasil