Bloomberg Opinion — O que os países mais ricos do mundo podem fazer para ajudar a preservar a Amazônia? O Parlamento Europeu aprovou uma lei em abril que exigiria que as empresas que vendem commodities como soja, carne bovina, cacau e café na União Europeia verificassem a origem dos produtos, para que não fossem cultivados em terras desmatadas após 2020.
A UE também está tentando impor novas condições ambientais para ratificar um acordo com o Mercosul.
Nenhuma dessas iniciativas se mostrou particularmente popular entre os líderes dos oito países da Amazônia reunidos esta semana em Belém, no Pará. A reunião de cúpula teve como objetivo discutir estratégias para deter a degradação e a destruição da maior floresta tropical do mundo.
Se há uma mercadoria que o mundo rico deveria banir, identificada unanimemente por líderes indígenas e ativistas ambientais em Belém como um dos produtos mais destrutivos da região, é o ouro extraído ilegalmente.
O Brasil exportou 104 toneladas do metal precioso em 2021, segundo as últimas estatísticas do governo. Os compradores dos países do G7 adquiriram mais da metade do mineral.
Quase 33 toneladas foram para o Canadá. A Suíça ficou com outras 25. O que nem os canadenses nem os suíços provavelmente comentarão é que grande parte desse metal provavelmente veio de minas ilegais na região.
De acordo com o Instituto Escolhas, organização que promove novas estratégias para preservar a floresta tropical brasileira, 47% das 500 toneladas de ouro comercializadas no Brasil de 2015 a 2020 são suspeitas.
Isso significa que é proveniente de terras que se sobrepõem a territórios indígenas ou a áreas protegidas, com documentos que alegam origens em “minas” onde não há evidências de atividade ou que estão em áreas fora das zonas de mineração designadas.
“Toda a produção de ouro do Brasil é exportada”, disse Sergio Leitão, que dirige o Escolhas. “Esse comércio internacional está poluído por traços extremamente graves de ilegalidade”.
Essa não é uma história exclusivamente brasileira. A mineração de ouro é o maior causador de desmatamento na Venezuela e um dos maiores na Bolívia. O Peru, o maior produtor da América Latina, produz cerca de 150 toneladas de ouro “artesanal” todos os anos, de acordo com o Artisan Gold Council, grande parte do qual é produzido ilegalmente.
Há 4.472 pontos de mineração ilegal na região amazônica, de acordo com a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG). Metade está no Brasil e cerca de um terço na Venezuela. Esses pontos afetam mais de 17% das áreas naturais protegidas na Amazônia e 10% dos territórios indígenas.
É um grande negócio. O garimpo comumente evoca as imagens impressionantes de garimpeiros ocupando enormes poços de lama nas minas de Serra Pelada, capturadas pelo fotógrafo Sebastião Salgado na década de 1980. Há um senso de coragem: trabalhadores empobrecidos com poucas alternativas fazendo o sustento da terra.
Mas, embora nem todos os garimpos sejam ilegais, as imagens de exploração selvagem são enganosas. Muitas dessas minas são operações de grande porte, que utilizam equipamentos mecanizados para dragar rios e rasgar a terra em áreas florestais.
O que fica para trás são lagos infundidos com mercúrio – usado para separar o minério de ouro de outros sedimentos – que flui para os rios e para a cadeia alimentar, envenenando comunidades a centenas de quilômetros do garimpo.
Um estudo constatou que 61% do ouro brasileiro considerado extraído ilegalmente em 2019 e 2020 veio de minas controladas por seis proprietários; 71% foi comprado por três instituições financeiras.
E a atividade está se espalhando rapidamente, incentivada pelo preço do ouro que dobrou desde 2015, atingindo um recorde de cerca de US$ 2.000 a onça.
Mais de 10.000 hectares foram desmatados para mineração ilegal no Brasil em 2020, em comparação com cerca de 5.300 em 2017, um ritmo mais rápido do que o desmatamento de terras para minas legais.
Mais de 11.400 hectares foram desmatados em 2021. Nas terras ocupadas pelo povo Yanomami do Brasil em Roraima, ao longo da fronteira com a Venezuela, a área destruída por garimpos aumentou 54% em 2022, totalizando mais de 5.000 hectares, de acordo com o Instituto Socioambiental do Brasil, em comparação com pouco mais de 2.000 hectares no final de 2018.
O crime organizado está assumindo o controle, trazendo armamento pesado para o negócio. O Primeiro Comando da Capital, um dos maiores grupos criminosos do país, passou a atuar no garimpo de ouro em Roraima, executando esquemas de proteção e extorsão, controlando minas e fazendo parcerias com gangues na Venezuela.
De fato, o garimpo ilegal de ouro tornou-se parte integrante de ecossistemas crescentes de empresas criminosas, que incluem a extração e a venda de madeira preciosa, o tráfico de drogas e o desmatamento para tomar posse de terras.
Influenciados por sua promessa de riqueza (e pelo lobby da mineração), os governos têm sido lentos na resposta à ameaça da mineração ilegal à floresta tropical.
No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro aprovou um decreto para incentivar os garimpos e tentou abrir territórios indígenas para a mineração, argumentando que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia privaria o setor de agronegócios do potássio necessário.
E, mesmo assim, as evidências dos danos ambientais estão começando a mudar a conversa. Depois de assumir o poder em janeiro, o presidente Lula interrompeu as duas iniciativas de Bolsonaro e enviou o exército para retirar os garimpeiros do território Yanomami.
O governo agora está pressionando as distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVMs) – instituições financeiras autorizadas a comprar ouro de minas artesanais, pontos de entrada de fato para o mercado legal – para garantir a origem legal do metal precioso.
Em março, as autoridades fiscais começaram a exigir que toda a documentação das transações de ouro de garimpeiros artesanais fosse registrada on-line, para facilitar o rastreamento do metal e dificultar a lavagem de dinheiro.
Após uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o Banco Central anunciou no mês passado que não mais presumiria que o ouro negociado por instituições financeiras tivesse origem legal, nem que o comprador tivesse agido de boa fé. E as DTVMs não têm mais permissão para possuir garimpos.
É preciso fazer muito mais. Sergio Leitão, do Instituto Escolhas, que fez lobby para a nova postura do Banco Central, argumenta que um bom próximo passo seria estabelecer um sistema de monitoramento para o ouro proveniente da Amazônia semelhante ao implantado para conter o comércio de diamantes de sangue usados para financiar guerras na África.
Afinal de contas, diz ele, a mineração na Amazônia também está ficando sangrenta. Entre uma longa lista de aspirações, os oito líderes reunidos em Belém destacaram como os países de destino devem ajudar a reprimir o tráfico ilegal de produtos amazônicos, incluindo o ouro.
Isso talvez não satisfaça o lobby agrícola europeu, tão preocupado com os danos ambientais causados pela carne bovina e pela soja da América do Sul. Mas talvez convença os canadenses e os britânicos, além dos suíços, a parar de comprar o ouro que financia grande parte da destruição da Amazônia.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Eduardo Porter é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre a América Latina, a política econômica dos EUA e imigração. É autor de “American Poison: How Racial Hostility Destroyed Our Promise” e “The Price of Everything: Finding Method in the Madness of What Things Cost”.
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