Bloomberg — O turismo vem se recuperando com vigor nos principais mercados turísticos do mundo.
A Espanha recuperou 86% da visitação de turistas pré-pandemia em 2022, e as entradas deste ano já mostram um aumento de 28% em relação aos níveis de 2019. A França vem logo atrás, com um número de visitantes internacionais no acumulado do ano apenas 3% menor do que antes da pandemia e seus gastos em níveis recordes, de acordo com a Atout France, uma agência de turismo do governo.
No entanto os Estados Unidos estão ficando para trás.
As chegadas de turistas internacionais continuam 26% abaixo dos níveis pré-pandemia, segundo relatório mensal de junho de 2023 da US Travel Association, e os gastos também estão mais lentos.
No final de 2022, os gastos de visitantes internacionais nos EUA estavam em US$ 99 bilhões, equivalente a pouco mais de 50% do que em 2019. Isso é muito diferente de 2019, quando os EUA receberam 79,4 milhões de visitantes, que gastaram US$ 181 bilhões.
“A diferença é muito significativa e estamos muito preocupados”, disse Geoff Freeman, CEO da US Travel. “Estimamos que só neste ano perderemos cerca de 2,6 milhões de visitantes internacionais e teremos US$ 7 bilhões a menos em gastos.”
O setor de viagens dos EUA não deve se recuperar e atingir os níveis de 2019 antes de 2025. Esses dois anos adicionais se traduzirão em “bilhões de dólares de gastos e empregos perdidos”, disse Freeman.
Pela primeira vez na história, os EUA também com déficit de viagens de vários anos: americanos estão gastando mais dinheiro em suas viagens para o exterior do que os turistas internacionais nos EUA.
Burocracia: 400 dias para um visto
Os atrasos e o tempo a mais gasto no processamento de vistos do Departamento de Estado dos EUA continuam no topo da lista de obstáculos. No início de julho, o tempo de espera pelo visto permaneceu acima de 400 dias para aqueles que solicitavam pela primeira vez dos principais países que não se qualificam para isenção de visto, de acordo com a US Travel Association.
Em 2019, os turistas que precisaram de visto para entrar nos EUA representavam 43% de todas as viagens internacionais para entrada no país.
“Nossos tempos de espera são totalmente inaceitáveis e estão desencorajando os viajantes a vir para cá”, disse Freeman. O governo está disposto a reconhecer o problema, acrescentou ele, e foram feitas melhorias com os solicitantes da Índia e do Brasil.
Um porta-voz do Departamento de Estado disse, em uma declaração enviada por e-mail, que a agência estava “diminuindo rapidamente o tempo de espera para a entrevista de visto de visitante em todo o mundo”. Nos primeiros nove meses do exercício fiscal de 2023 (até junho), emitimos globalmente 19,4% mais vistos de não imigrantes do que no mesmo período do ano fiscal de 2019″.
O tempo médio de espera global para agendamento de entrevistas para vistos de turismo em 1º de julho era de aproximadamente três meses, uma queda de cerca de um terço em relação aos 120 dias em outubro de 2022, disse o porta-voz, que acrescentou que funcionários adicionais que vão para o exterior devem corresponder à equipe global pré-pandemia do Departamento de Estado até o final de 2023.
Enquanto isso, destinos concorrentes como Canadá, Reino Unido e União Europeia estão se tornando mais agressivos na competição pelo turismo e se tornando mais acessíveis aos principais mercados dos EUA, como México, Brasil, Colômbia, Argentina, Israel e Venezuela.
Os cidadãos desses países podem viajar sem visto para a UE, por exemplo, e o Reino Unido dispensou a necessidade de visto para cidadãos da Colômbia e do Peru, entre outros.
Preços mais altos
Além dos tempos de espera para obtenção de vistos, os problemas do setor de viagens dos EUA incluem as diárias de hotéis que permaneceram altas desde o reinício das viagens. Esses preços desencorajam os viajantes internacionais que estão preocupados com os altos custos de viagem, o dólar forte e a inflação; a demanda por hotéis nos EUA caiu 2% em maio de 2023, segundo dados da US Travel Association.
Os turistas também enfrentam atrasos para passar pela alfândega nos aeroportos e os tempos de espera pela revista da TSA continuam a aumentar. A Bloomberg News entrou em contato com a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, mas não recebeu uma resposta até a publicação desta nota.
“Continuamente, em todos os setores, demonstramos que não priorizamos as viagens da mesma forma que outros mercados”, disse Freeman, da US Travel Association.
Além dos turistas a lazer, os viajantes a negócios estão sendo desencorajados pela burocracia. Os expositores de feiras comerciais confirmam que o comparecimento caiu 20%, disse Freeman, atribuindo a redução diretamente à escassez de visitantes estrangeiros.
Os viajantes do Japão e da China, dois dos principais mercados de turistas para os EUA, têm demorado a retornar ao país – com números atualmente em apenas 37% dos níveis de 2019 para ambas as nações.
Motivações políticas
O turismo doméstico continua sendo o ponto positivo: as viagens de lazer dos americanos no primeiro semestre de 2023 apresentaram um aumento de 3% em relação aos níveis de 2019 e a projeção é que se estabeleçam nesses níveis neste ano. Ainda assim, os EUA parecem enfrentar um problema maior que está afetando as decisões dos visitantes de negócios nacionais e dos turistas internacionais.
“Há uma percepção crescente fora dos EUA de que o país não é mais seguro”, disse Jack Ezon, fundador da empresa de butiques de luxo Embark Beyond, em seu Relatório de Tendências de Viagem do segundo trimestre. Taxas de criminalidade mais altas, falta de moradia nas cidades e notícias de tiroteios assustam os visitantes em potencial, acrescentou o relatório.
O relatório afirmou ainda que os clientes de Ezon trazem “preocupações que geram restrições, removendo de suas listas estados como Flórida, Texas e Tennessee (entre outros) com base em sua legislação anti-LGBTQ ou de combate ao aborto. Outros pedem para não serem expostos a destinos que sejam muito ‘liberais’. Ambos são algo que nunca vimos antes”.
Stacy Ritter, CEO da Visit Lauderdale, que promove o turismo no condado de Broward, no sul da Flórida, concordou com a preocupação de que a política esteja afetando as decisões de reservar eventos em seu destino.
De maio a julho deste ano, o Visit Lauderdale recebeu 10 cancelamentos de eventos de negócios em grupo com tamanhos que variam de 500 a mais de 10.000 participantes que ocorreriam no final de 2023, 2024 e 2026. Os cancelamentos já causaram uma perda de mais de 15.000 reservas de quartos de hotéis, segundo a agência.
“Esta é a primeira vez que vejo um agrupamento em um período tão curto de tempo por motivos políticos. Isso representa um impacto econômico de mais de US$ 20 milhões”, diz Ritter.
A conferência Rivals, do radialista Tom Joyner, celebra estudantes e ex-alunos de faculdades e universidades historicamente negras. Prevista para ser realizada em Fort Lauderdale neste ano, foi cancelada em 7 de julho. O evento atrairia 10.000 participantes para o condado de Broward, disse Ritter.
A American Specialty Toy Retail Association, com sede em Chicago, estava planejando um evento em Fort Lauderdale em 2026, mas reconsiderou, citando o “ambiente político hostil na Flórida”. O grupo agora está considerando a cidade de Milwaukee, no estado de Wisconsin.
Como as reservas de eventos exigem mais tempo de antecedência, é difícil remarcá-los, o que significa que uma desaceleração agora pode causar um impacto muito maior mais tarde.
“Agora sabemos que há organizadores de reuniões e conferências que nem sequer estão enviando solicitações de propostas para a Flórida”, disse Ritter, observando que os cancelamentos começaram a chegar em abril de 2022, após a aprovação da primeira lei chamada ‘Don’t Say Gay’ – que proíbe escolas de abordarem orientação sexual e identidade de gênero – na Flórida.
As palavras exatas dos planejadores de reuniões da Humana, da Society for Maternal Fetal Medicine e da American Crafts Spirits Association, segundo ela, foram: “a Flórida está fora agora devido à sua política” ou “a Flórida está fora de cogitação agora devido às suas políticas”.
Pelo menos para o turismo do sul da Flórida, disse, “é mais uma questão de saber que não podemos ter algo que normalmente teríamos. Não dá nem para quantificar isso”. Os contratempos ocorrem em meio a um projeto de expansão do centro de convenções de mais de US$ 1,5 bilhão que está em andamento.
O Visit Orlando sofreu uma rodada semelhante de cancelamentos, confirmou a CEO Casandra Matej em um relatório recente.
Jeremy Redfern, secretário de imprensa do gabinete do governador Ron DeSantis, ignorou essas preocupações. Em uma declaração enviada por e-mail à Bloomberg News, ele disse que, “conforme anunciado pelo governador DeSantis em maio, a Flórida tem um recorde de turismo, com o primeiro trimestre de 2023 com o maior volume de visitantes durante um único trimestre na história registrada”.
Redfern apontou para um relatório recente de que a Flórida é um dos seis estados do sul em rápido crescimento que contribuem mais para o PIB nacional do que o nordeste e citou uma classificação da CNBC de julho de 2023 do estado como o melhor componente econômico do país.
Para Freeman, da US Travel Association, a lenta recuperação das viagens nos EUA tem mais a ver com ineficiência do que com política.
“Há muito tempo ouço os comentários sobre política, desde o governo de George W. Bush”, disse ele. “Mas os EUA ainda são a nação mais desejada para se visitar, então você tem que se perguntar: se eles querem vir, por que não estão vindo? E acredito que isso tem muito menos a ver com política e muito mais com os obstáculos que estão sendo colocados no caminho das pessoas.”
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