Por que escritórios mais antigos se tornaram um desafio crescente no mercado

De Manhattan a Londres, preços de imóveis considerados defasados caem com alta da vacância, enquanto novos triple A se beneficiam do ‘flight to quality’ e são disputados

Vista de prédios em Midtown, em Manhattan: edifícios comerciais mais antigos enfrentam dificuldades para locação (Foto: Zack DeZon/Bloomberg)
Por Neil Callanan - Kyungji Cho - Jack Sidders
22 de Julho, 2023 | 11:57 AM

Bloomberg — Uma visita ao restaurante que fica no topo do edifício de escritórios No. 1 Poultry, no distrito financeiro de Londres, a City of London, é uma oportunidade para testemunhar em primeira mão o “Conto de Duas Cidades” que tem revolucinando o mercado imobiliário comercial.

Do ponto de vista do Coq d’Argent, é possível contemplar uma série de novos arranha-céus que os empreendedores esperam que tragam aluguéis altos e preços ainda maiores.

Mas, para os proprietários sul-coreanos do prédio antigo ocupado pela WeWork, que fica em outra parte da cidade, o futuro parece muito mais sombrio.

Enquanto admira a vista, Kaela Fenn Smith – ex-executiva do gigante imobiliário Land Securities e agora managing partner da consultoria ESG da CBRE – fala sobre o movimento conhecido como flight to quality que tem transformado o mercado de escritórios, em que apenas “os espaços verdadeiramente de primeira linha” serão aceitos. São os chamados escritórios AAA ou algo imediatamente abaixo.

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Seus comentários surgem à medida que credenciais ambientais - leia-se prédios mais sustentáveis - impecáveis se tornam essenciais para inquilinos corporativos, muitos dos quais consideram reduzir o tamanho devido à revolução do trabalho remoto.

Essa corrida frenética por imóveis de alto padrão pode ser uma bênção para os proprietários dessas modernas torres, mas é uma má notícia para lugares mais antigos como o No. 1 Poultry.

Em grandes cidades ao redor do mundo, os proprietários desses edifícios de escritórios considerados de segunda categoria enfrentam a perspectiva de reformas extremamente caras ou vendas a preços mais baixos, que embutem desvalorização.

Os investidores sul-coreanos acima citados, que estiveram em uma onda de compra desses edifícios comerciais nos últimos cinco anos, parecem particularmente expostos.

Desvalorização de 33%

A Hana Alternative Asset Management, de Seul, se prepara para colocar o terreno do Poultry à venda novamente, de acordo com pessoas com conhecimento do processo. Seu valor estimado é de 125 milhões de libras (cerca de US$ 164 milhões), segundo as mesmas pessoas, cerca de um terço a menos do que a gestora pagou.

“A propriedade nunca esteve” à venda, e a empresa está em processo de refinanciamento, disse a Hana Alternative Asset em comunicado por e-mail na quarta-feira (19), acrescentando que o valuation “não está correto” e “nunca foi divulgado”, sem dar mais detalhes.

Edifício The One Poultry (à esquerda), que abriga um WeWork, na City of London (Foto: Luke MacGregor/Bloomberg)

Sua experiência infeliz está longe de ser única. Os preços de propriedades dessa categoria estão despencando ao redor do mundo, de Manhattan a Hong Kong e Paris.

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Com o mercado imobiliário já abalado pelo fim das taxas de juros extremamente baixas, um acerto de contas está chegando para muitos proprietários e detentores de dívidas.

Mas a situação da Hana Asset também destaca algo mais específico: o envolvimento comum de dinheiro sul-coreano em edifícios desse perfil em diferentes cidades no mundo.

Nos últimos anos, gestores de ativos do país gastaram dezenas de bilhões de dólares em escritórios no exterior e em empréstimos para propriedades, pouco antes da chegada da covid-19 e do aumento das taxas de juros pelos bancos centrais.

Somente em Londres, pelo menos meia dúzia de grandes blocos de propriedades pertencentes a empresas sul-coreanas estão disponíveis para compra, de acordo com pessoas familiarizadas com os processos de venda. A maioria luta para evitar preços desvalorizados dos imóveis.

A Coreia do Sul se junta a uma lista de nações cujos fundos fizeram apostas que hoje se mostram ruins em imóveis, desde os japoneses no início dos anos 1990 até os irlandeses pouco antes da crise financeira de 2008.

Aposta global em imóveis

A gênese do lance ultramarino do país é bastante recente. No final da última década, atraídos pelas taxas de câmbio favoráveis e rendimentos mais altos do que podiam obter em casa, fundos de Seul se lançaram em um tesouro de prédios promissores.

Em 2019, eles foram os maiores investidores externos, depois dos Estados Unidos, no mercado imobiliário comercial da Europa, totalizando 13 bilhões de euros (US$ 14,6 bilhões) em negócios apenas naquele ano, de acordo com dados da MSCI Real Assets.

Entre 2017 e 2022, os investidores adquiriram mais de 90 propriedades europeias por preços acima de 200 milhões de euros cada. Muitas eram em grandes quarteirões em Londres e na La Défense, em Paris.

Trabalhadores no distrito empresarial da La Defense, nos arredores de Paris (Foto: Benjamin Girette/Bloomberg)

Mas os valores em ambos os centros financeiros caíram mais de 20% no último ano, de acordo com a corretora Savills.

Os sul-coreanos tinham preferência por prédios com aluguéis de longo prazo para inquilinos conhecidos, como a Amazon (AMZN). Portanto, focavam menos em localização ou classificações “verdes” (sustentáveis) e se preocupavam mais com a qualidade percebida dos locatários.

Eles também preferiam terrenos grandes, que se tornam mais caros para reformar quando ficam obsoletos.

Os crescentes custos de construção para atualizar prédios de acordo com as normas ambientais deixarão para trás propriedades de escritórios vazias e ociosas e “serão extremamente destrutivos em termos de valor” para imóveis comerciais mais antigos, alertou recentemente a Fitch Ratings, sem especificar os ativos de propriedade sul-coreana.

“Haverá necessidade de muito investimento de capital” porque as pessoas estão considerando se os escritórios mais antigos podem se tornar ativos abandonados, disse Fenn Smith, também falando em termos gerais. “Quando o valor do seu prédio começará a diminuir porque ele está saindo do caminho para a neutralidade de carbono até 2050?”

Tempestade perfeita

Financeiramente, o momento da retração do mercado não poderia ser pior para os investidores coreanos. Cerca de 30 trilhões de won (US$ 24 bilhões) de seus fundos imobiliários vencem até 2025, de acordo com dados fornecidos pelo órgão regulador nacional, o Financial Supervisory Service.

Isso representa quase 40% do total, o que significa que uma enxurrada de prédios comerciais pode estar prestes a chegar ao mercado em um momento em que a demanda desabou.

Os fundos do país geralmente investem por cinco anos, menos que a média internacional, o que torna mais difícil se acomodar e superar um período de baixa, disse Yoon Jaewon, chefe de consultoria internacional de investimentos da Savills Korea.

Além disso, muitos empréstimos usados para comprar as propriedades estão vencendo justamente quando os credores estão recuando, e os custos de empréstimos, aumentando.

Os bancos também estão exigindo mais capital próprio dos proprietários antes de conceder empréstimos.

Há outra razão para a vulnerabilidade coreana: os europeus hesitavam em vender para os investidores do país porque os compradores geralmente incluíam várias instituições em um sindicato, disseram pessoas familiarizadas com o assunto, o que tornava as negociações prolongadas e em risco de fracassar.

Isso levou os compradores a oferecer mais, com prêmios de 10% ou mais.

Havia quase uma mentalidade de rebanho entre os gestores de ativos ávidos por rendimentos, disse um banqueiro que trabalhou com mutuários em algumas dessas negociações.

Nos EUA e em outros mercados, os investidores coreanos ampliaram as apostas no arriscado modelo de mezzanine financing (um híbrido de dívida com equity) contra imóveis, fornecendo empréstimos secundários que seriam os primeiros a sofrer quando os valuations despencassem.

O apetite era tão alto que, em alguns casos, eles aceitavam um retorno menor do que o mercado, fazendo negócios com taxas de 6% em vez dos 8% aproximados exigidos por outros, disse o banqueiro.

Alguns dos empréstimos estão se tornando problemáticos.

Agonia de Nova York a Londres

Os pagamentos de mezzanine financing em um projeto considerado problemático na 20 Times Square, em Nova York, que inclui um hotel e uma loja da NFL Experience, cessaram em dezembro, segundo um relatório compilado pela Computershare. O Korea Herald relatou em 2020 que alguns dos financiadores de dívida são sul-coreanos.

Em Hong Kong, uma unidade da Mirae Asset está reduzindo em pelo menos 80% o valor de um fundo que forneceu mais de US$ 240 milhões em mezzanine financing para o Goldin Financial Global Centre, de acordo com a mídia local. Um porta-voz da Mirae disse que estão focados em recuperar o dinheiro.

Em Londres, foram nomeados recebedores para a antiga sede da unidade de negociação de petróleo da BP, na 20 Canada Square, em Canary Wharf. Ela foi adquirida pela Cheung Kei, da China, em 2017, com mezzanine financing da Hanwha Asset Management, de Seul. A Hanwha se recusou a comentar.

Uma apresentação preparada pela corretora Jones Lang LaSalle, que tentava vender a propriedade para a Cheung Kei, recomendava abordar uma lista inicial de potenciais compradores oferecendo o edifício por £ 250 milhões, muito abaixo do valor até mesmo da dívida sênior.

Mas os fundos sul-coreanos não são os únicos a sofrer no exterior. Vários empreendimentos chineses também têm enfrentado dificuldades, incluindo outro fracasso em Canary Wharf.

Alguns investidores de Seul se saíram bem em apostas imobiliárias internacionais: o National Pension Service of Korea tem sido criterioso e foi recompensado por isso, disse um banqueiro que trabalhou em negociações coreanas.

Os investidores também têm sido um pouco protegidos pela abordagem da Europa em relação às avaliações imobiliárias, que não leva em consideração o sentimento do mercado.

Com as vendas em grande parte paralisadas, houve poucos negócios para medir o verdadeiro declínio dos valores. Os aumentos de aluguel vinculados à inflação também têm ajudado.

Oaktree de Howard Marks atenta

No entanto há investidores oportunistas de olho, prontos para oferecer novas dívidas caras para refinanciar prédios cujos proprietários não podem injetar capital.

A Oaktree e outros provedores de financiamento alternativo tiveram conversas com administradoras de ativos coreanos sobre grandes facilidades de empréstimos para permitir que proprietários reestruturem investimentos, segundo uma pessoa familiarizada com as discussões. A Oaktree, do lendário investidor Howard Marks, se recusou a comentar.

Os fundos sob pressão para estender o vencimento de seus empréstimos estão buscando injetar mais capital ou obter mezzanine financing em vez de vender ativos a preços baixos, disse Yoon, da consultoria Savills Korea, acrescentando que alguns fundos desistiram de vendas.

No entanto, cada vez mais, os proprietários estão seguindo o caminho da No. 1 Poultry e tentando vender novamente após várias tentativas fracassadas no ano passado - como visto em Londres.

Enquanto isso, em Seul, há uma crescente preocupação sobre como será o desfecho para os investidores domésticos. “Com o declínio dos ativos imobiliários comerciais no exterior, há preocupações significativas sobre a angústia”, disse Oh.

-- Com a colaboração de Daedo Kim.

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