Bloomberg Opinion — Será que o Mercosul vai conseguir encontrar um propósito?
O Brasil, que acaba de assumir a presidência rotativa do bloco comercial sul-americano, parece otimista. Em sua reunião de cúpula no início deste mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva insistiu nas negociações do grupo com Canadá, Coreia do Sul e Cingapura, que estão em andamento há anos.
Ele propôs a exploração de acordos com China, Indonésia, América Central e outros países. Ele esperava que a Bolívia – atualmente um “estado associado” – pudesse em breve se tornar um membro pleno.
Mas, apesar de todo o entusiasmo na reunião, Lula não conseguiu responder a uma questão fundamental, que permanece sem solução três décadas depois que Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai criaram o chamado Mercado Comum Sul-Americano na década de 1990: para que ele serve?
Ao longo dos anos, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname se tornaram associados do bloco. O grupo (ainda) espera finalizar um acordo comercial com a União Europeia, proposto pela primeira vez há um quarto de século. Há alguns meses, Lula e Alberto Fernández, presidente argentino, propuseram a criação de uma moeda comum para o grupo.
Mas, apesar do burburinho de atividades, o Mercosul não conseguiu se firmar. Como um esforço de integração regional destinado a impulsionar seus membros para o desenvolvimento econômico, o bloco sempre foi um fracasso. Antes de acrescentar novos recursos, seus líderes talvez devessem pensar melhor em seu objetivo.
As uniões alfandegárias, como o Mercosul e a União Europeia, foram concebidas, em primeiro lugar, para expandir o comércio entre seus membros – que gozam de uma tarifa externa comum para comercializar livremente entre si, incentivando economias de escala e especialização.
Isso não aconteceu. O comércio intra-regional no bloco sul-americano atingiu um pico de pouco mais de US$ 54 bilhões em 2011, antes de cair para US$ 29 bilhões em 2020. Naquele ano, apenas 18% das exportações da Argentina e 5,9% das exportações do Brasil foram para parceiros do grupo.
Em comparação, 33% das exportações dos Estados Unidos foram para parceiros do Acordo Estados Unidos-México-Canadá, que substituiu o Nafta, assim como 74% das exportações do Canadá e 82% das exportações do México.
Se o objetivo do bloco comercial era expandir a competitividade de seus membros nos mercados mundiais, isso também não foi demonstrado. As exportações em 2022 representaram apenas 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e 17% do da Argentina, bem abaixo da participação de 31% das exportações no PIB global.
Na verdade, o Mercosul provavelmente dificultou o envolvimento de seus membros com o resto do mundo, mesmo quando a globalização estava reconfigurando a atividade econômica, criando cadeias de valor em todo o mundo que dependiam de um intenso comércio de produtos intermediários.
Os lobbies empresariais pouco competitivos do Brasil e da Argentina exigiram proteção do mundo e assim conseguiram. Mas as altas tarifas do Mercosul – a tarifa média ponderada aplicada pelo Brasil é de 8,4% e a da Argentina é de 6,9%, em comparação com os 2,5% da China, os 0,4% do Chile e os 5,5% da Coreia do Sul – dificultaram ainda mais a participação na globalização, deixando-os de fora da principal dinâmica que molda a economia global.
Conforme observado em um trabalho de pesquisa de 2017 por Eduardo Viola e Jean Santos Lima, então na Universidade de Brasília, “a situação atual do Mercosul representa algumas ameaças à integração de longo prazo, e seus membros estão se distanciando ainda mais da competitividade manufatureira das economias avançadas”.
Talvez o Mercosul tivesse sim um propósito. Alguns economistas argumentam que, sem ele, nem o Brasil nem a Argentina teriam desenvolvido uma indústria automobilística: a união dos dois mercados era necessária para atrair as montadoras estrangeiras.
Mentes maquiavélicas, por outro lado, sugerem que o bloco foi, em sua maior parte, um acordo protecionista: uma tentativa de impedir a Iniciativa Empresarial para as Américas do presidente George H. W. Bush de liberalizar o comércio em todo o Hemisfério Ocidental.
É um leque bastante restrito, para não dizer autodestrutivo. “O que os países podem comercializar, além de uma pequena cadeia regional de fornecimento de automóveis?”, questiona Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics. “Nada.”
O Brasil e a Argentina, as principais economias do bloco, agora são principalmente exportadores de commodities. As matérias-primas – que a China começou a comprar dos países no início dos anos 2000 – representam mais da metade das exportações de mercadorias do Brasil e cerca de um terço das da Argentina.
O valor agregado da manufatura é responsável por apenas 11% do PIB do Brasil, cerca de metade da participação quando o Mercosul foi lançado em 1991. Na Argentina, ele também caiu de 24% para 15% do PIB durante o período. E a região também não é uma grande exportadora de serviços avançados.
Hoje, a dependência dos países das exportações agrícolas os coloca em uma situação difícil: o acordo que o Mercosul e a União Europeia pareciam ter alcançado em 2019 pode não se concretizar – atolado em novas discordâncias sobre compras governamentais e, criticamente, sobre o agronegócio.
Aparentemente, a Europa está preocupada com o desmatamento na Amazônia, em grande parte devido à criação de gado. Mas esses protestos são, em sua maioria, um disfarce para o protecionismo agrícola francês.
O minúsculo Uruguai, a mais aberta das economias do Mercosul, parece ansioso para deixar o bloco, na esperança de fechar seus próprios acordos de livre comércio, independentemente dos outros três países.
Talvez haja alguma esperança no futuro. A reconfiguração da produção global motivada pelas mudanças climáticas, as crescentes tensões entre os EUA e a China e uma reavaliação do risco inerente às cadeias de valor distantes poderiam oferecer uma oportunidade para as economias do bloco sul-americano se conectarem ao que vier a seguir.
Gerenciados com cuidado, seus recursos naturais podem até ajudar. As vastas reservas de lítio e outros minerais essenciais para as tecnologias de energia limpa, juntamente com uma generosa dotação de energia eólica e solar, poderiam colocá-los em uma posição privilegiada enquanto o mundo se esforça para se afastar dos combustíveis fósseis.
O Mercosul poderia até dar algum peso aos países nas negociações com a China ou os Estados Unidos. “Dado o cenário geopolítico que estamos enfrentando e toda essa transição, é melhor fazer parte de algo em que pelo menos você não esteja completamente sozinho e seus interesses estejam mais ou menos alinhados”, argumentou de Bolle.
Mas, para que tudo isso aconteça, o Mercosul deve começar a se comportar como um verdadeiro projeto de integração. No momento, as disputas entre o Brasil e a Argentina sobre quem receberá o novo investimento em baterias de íons de lítio da China têm grandes chances de acabar com tudo.
Isso significa não apenas reduzir as barreiras tarifárias mas também alinhar regulamentações, padrões e práticas de compras governamentais para tornar a região um mercado verdadeiramente integrado. Os governos precisam aprender a enfrentar seus lobbies comerciais e devem aceitar que, para que a integração funcione, os países devem assumir alguns ônus em troca de oportunidades.
Como Viola e Santos Lima apontaram, “a forte relutância do Brasil e da Argentina em abdicar parcialmente da soberania nacional em favor do projeto de integração” há muito tempo tem dificultado o esforço. Se o Brasil e a Argentina não podem ceder nada ao Mercosul, é melhor seguir em frente.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Eduardo Porter é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre a América Latina, a política econômica dos EUA e imigração. É autor de “American Poison: How Racial Hostility Destroyed Our Promise” e “The Price of Everything: Finding Method in the Madness of What Things Cost”.
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