Wall Street: por que o non-compete pode estar com os dias contados

Cláusula que impede profissionais que mudam de banco ou empresa de trabalhar para um concorrente por certo período é afetada por nova legislação no estado de Nova York

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Bloomberg — Legisladores do estado de Nova York, nos Estados Unidos, aprovaram em junho uma das normas mais rigorosas do país para acordos de non-compete.

Enquanto a medida aguarda a assinatura da governadora Kathy Hochul, grupos de lobby do setor financeiro e de outras associações buscam agora incluir exceções.

A briga em Nova York ocorre em um momento em que o governo Joe Biden trabalha em um plano nacional para eliminar esses acordos, que proíbem os trabalhadores de irem para uma empresa concorrente dentro de um determinado período de tempo.

Bancos e empresas argumentam que eles protegem a propriedade intelectual, os segredos comerciais e os grandes investimentos em pessoal. Os oponentes, por sua vez, dizem que esse tempo fora do mercado impede a progressão na carreira dos trabalhadores e reduz o quanto poderiam ganhar.

Esses acordos estão presentes em outros países, como o Brasil, em que a prática se faz presente inclusive quando profissionais considerados estratégicos são dispensados à sua revelia - e podem ou não receber como contrapartida verbas indenizatórias para que fiquem sem trabalhar.

Estima-se que 44% das empresas de Nova York sujeitam os funcionários a acordos de non-compete, de acordo com o defensor do projeto, o senador Sean Ryan.

E essas empresas são particularmente proeminentes no setor financeiro, como os fundos hedge, em que as proibições de mudança para uma empresa concorrente podem durar até dois anos.

O Conselho Empresarial do Estado de Nova York e a Partnership for New York City estão pleiteando emendas ao projeto de lei, que iriam além de esforços semelhantes em muitos outros estados.

Os grupos representam centenas de empresas, incluindo bancos, empresas de private equity, escritórios de advocacia, gigantes do varejo e empresas de telecomunicações. A Securities Industry and Financial Markets Association está apoiando os esforços dos grupos.

O projeto de lei foi aprovado no mês passado no Senado e na Assembleia de Nova York, mas não se torna lei até ser assinado pela governadora.

O porta-voz do gabinete de Hochul disse que ela está analisando a legislação. Pode levar meses até que ela passe por uma revisão legal e quaisquer alterações devem ser aprovadas pelo Senado e pela Assembleia estadual.

Hochul tem até 31 de dezembro para sancionar ou vetar o projeto de lei.

Os críticos se opõem ao fato de que, na forma atual do projeto de lei, não há espaço para exceções. Pelo menos 11 outros estados, além do Distrito de Columbia, restringiram os empregadores de impor acordos de non-compete a trabalhadores abaixo de determinados limites de renda para proteger os que ganham baixos salários. A maioria, contudo, não chegou a proibir totalmente.

Quatro estados – Califórnia, Minnesota, Dakota do Norte e Oklahoma – proíbem praticamente todos os acordos de non-compete entre funcionários, mas permitem exceções restritas em casos que envolvem uma participação acionária quando uma empresa é vendida.

O Conselho Empresarial do Estado de Nova York gostaria de ver ressalvas semelhantes, disse o vice-presidente executivo Paul Zuber.

“Acredito que o projeto estava tentando ajudar o trabalhador de baixa renda que tem um acordo de non-compete”, disse Zuber.

“Acho que a intenção nunca foi abranger tanto a gerência sênior dos setores financeiro, bancário, de tecnologia, setores de entretenimento e outros. Várias empresas desses setores nos procuraram com preocupações.”

A Partnership for New York City, cujos membros incluem a Blackstone (BX), Citadel, DoorDash (DASH) e AT&T (T), está em conversa com os defensores do projeto de lei e com o gabinete da governadora, enquanto o Business Council deve se reunir com a equipe de Hochul nas próximas semanas.

A Partnership também representa a Bloomberg LP, controladora da Bloomberg News.

Em Nova York, o projeto de lei só se aplicaria a acordos assinados ou modificados após a entrada em vigor da lei e ele não proíbe o uso de acordos de confidencialidade ou de não prospecção, deixando as empresas com alternativas para proteger informações privadas, de acordo com o senador Ryan, que também é presidente do comitê de comércio do Senado.

Os advogados trabalhistas apontam para uma série de imprecisões na linguagem atual, inclusive se ela pode ser aplicada a termos de acordos de não prospecção ou de não divulgação, ou a remuneração diferida, que geralmente constitui uma proporção substancial da remuneração dos trabalhadores do setor financeiro.

A definição de indivíduos cobertos pelo projeto de lei também é ampla, incluindo pessoas com “dependência econômica” de um emprego – o que poderia incluir um trabalhador de baixa renda ou um gestor de fundo hedge.

Os formuladores de políticas e os defensores dos direitos dos trabalhadores dizem que os acordos são frequentemente mal utilizados e aplicados a funcionários que não têm acesso a informações confidenciais.

Outro lado

Nem todos os grupos empresariais se opõem à proibição.

O setor de tecnologia de Nova York, responsável por 28% da produção econômica geral da cidade em 2021, de acordo com o último relatório da Tech: NYC, é a favor da proibição de acordos de non-compete para ajudar a estimular o setor de startups.

Um estudo de 2020 sobre essa cláusula e as carreiras de trabalhadores de alta tecnologia mostra que a proibição poderia aumentar a mobilidade dos funcionários em 11% e aumentar os salários dos novos contratados em 4%.

A Califórnia, que abriga o Vale do Silício, há muito proíbe esses acordos – uma medida considerada a principal responsável pela cultura empresarial florescente do estado, que deu origem à Apple (AAPL), à Uber (UBER) e ao Google, da Alphabet (GOOGL).

“Queríamos criar um ecossistema em que os funcionários pudessem ser treinados em grandes empresas e ter os recursos para usar o que aprenderam para criar empresas menores”, disse Julie Samuels, presidente e diretora executiva da Tech:NYC, um grupo do setor. “É assim que se cria um ecossistema realmente robusto”.

-- Com a colaboração de Chris Marr e Laura Nahmias.

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