Bloomberg Opinion — O setor de cruzeiros está em expansão no que parece uma resposta contundente aos pessimistas econômicos. Afinal, se os consumidores estão dispostos a lotar navios do tamanho de cidades para curtir parques aquáticos, cassinos e coquetéis, a economia não deve estar tão ruim.
Por enquanto, não mesmo. As empresas de cruzeiros, que acabaram fechando seus negócios principais durante a pandemia, voltaram a ter níveis recordes de tráfego de passageiros, e os clientes estão gastando bastante em bares, restaurantes e cassinos quando entram a bordo dos navios.
A Associação Internacional de Cruzeiros (CLIA) projeta que o volume de passageiros de cruzeiros ficará cerca de 6% acima dos níveis de 2019.
No primeiro trimestre, a Royal Caribbean e a Norwegian agradaram seus investidores com resultados melhores que o esperado e atualizações otimistas de reservas nos primeiros três meses do ano, um período conhecido como “temporada das ondas” por representar uma janela fundamental para reservas.
Na época, o CEO da Royal Caribbean, Jason Liberty, afirmou: “sabíamos que a demanda por nosso negócio estava sólida, mas o que transpareceu foi uma temporada recorde estendida que se traduziu em reservas robustas e preços significativamente melhores”.
Harry Sommer, próximo CEO da Norwegian, observou que a crise que afetou os depósitos bancários não foi tão significativa: “vimos que, mesmo com a volatilidade no mercado financeiro motivada pela crise no setor bancário, não tivemos nenhuma atividade incomum de reservas ou cancelamentos em nossas marcas”.
Tudo isso parece animador, mas o esperado não é que a economia caminhe rumo a uma recessão? Claramente não é o que parece pensar as pessoas que estão a bordo de um cruzeiro aproveitando um generoso pacote de bebidas.
Mais de um ano depois que o Federal Reserve começou a aumentar as taxas de juros, a economia dos EUA está desacelerando após uma rápida recuperação pós-pandemia.
O aumento dos empregos está diminuindo, as economias das famílias estão acabando, e as pesquisas de agentes de empréstimos bancários sugerem que o crédito está ficando mais restrito. Mas anedotas como as que estão surgindo no setor de cruzeiros parecem sugerir que os consumidores – motor de crescimento dos Estados Unidos – não vão a lugar algum.
Ao menos parte dessa força ainda reflete uma demanda reprimida dos anos da pandemia. De 2020 a 2022, o setor global de cruzeiros recebeu cerca de um terço dos passageiros que receberia tradicionalmente.
Em vez de receber 29,7 milhões de passageiros por ano (com base em níveis de 2019), as empresas receberam cerca de 5,8 milhões em 2020; 4,8 milhões em 2021; e cerca de 20,4 milhões em 2022, segundo dados da CLIA.
Em sua maioria, a queda refletiu os fechamentos decretados pelo governo (de março de 2020 até meados de 2021), e então a retomada cautelosa das viagens do fim de 2021 até meados de 2022 – período em que muitos cruzeiros tinham capacidade limitada.
No nível da empresa, é possível ver um panorama parecido a partir dos “dias de cruzeiro disponíveis ao passageiro”, a medida de capacidade do setor em um período determinado.
É basicamente o número de dias de cruzeiro multiplicado pelo número de cabines disponíveis vezes dois (pressupondo que serão duas pessoas por cabine).
Se todos que não viajaram durante a pandemia tentassem correr atrás do prejuízo, seriam 58 milhões de passageiros – o suficiente para lotar os navios por dois anos. Claramente, alguns deles já gastaram seu dinheiro em outra coisa, mas muitos realmente estão tentando recuperar o tempo perdido.
É possível atestar a devoção dos fãs de cruzeiros, alguns dos quais sentem uma necessidade de viajar várias vezes por ano. Eles até gastarão suas economias para garantir que não deixarão de viajar.
A questão da demanda reprimida também figurou em outros setores. É claro que os carros zero ainda são vendidos, e por preços mais altos (em parte porque não haviam tantos para serem comprados durante a pandemia).
Os imóveis residenciais continuam se valorizando apesar das taxas de hipoteca muito mais altas (também porque o mercado estava desabastecido). Mas o setor de cruzeiros leva o fenômeno ao extremo porque o produto praticamente desapareceu do mercado por 15 meses.
Claramente, há um risco de extrapolação excessiva. O setor de cruzeiros não ditará a direção da economia dos EUA; ele é apenas uma janela para a situação dos consumidores. Um choque econômico forte o suficiente pode levar os EUA à recessão, mas as histórias de demanda reprimida em toda a economia significam que será muito mais difícil parar o consumidor americano.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Jonathan Levin foi jornalista da Bloomberg na América Latina e nos EUA, cobrindo finanças, mercados e fusões e aquisições. Mais recentemente, atuou como chefe da sucursal da empresa em Miami. É analista financeiro com certificação CFA.
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