Cidade de bilionários que recebeu Elon Musk floresce às margens de São Paulo

Em expansão, complexo de luxo Fazenda Boa Vista, em que os lotes custam R$ 10 milhões, e as casas, R$ 40 milhões, poderá comportar até 45 mil pessoas de alta renda

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Bloomberg — Quando Elon Musk visitou o Brasil no ano passado, ele nunca pousou no aeroporto internacional de Guarulhos nem pisou no centro financeiro da Faria Lima. Na verdade, ele sequer pisou em São Paulo.

Em vez disso, toda a sua visita ocorreu na Boa Vista, um condomínio fechado para os ultra-ricos que ocupa quase metade do tamanho de Manhattan e fica a 100 quilômetros a oeste de São Paulo. Musk pousou no Aeroporto Internacional Executivo Catarina, um hangar privado para jatos executivos, e foi levado para a Fazenda Boa Vista para almoçar no Fasano Hotel com o então presidente Jair Bolsonaro e alguns dos empresários mais ricos do Brasil, incluindo os bilionários André Esteves, Rubens Menin e Rubens Ometto.

A comunidade de luxo é uma das maiores e mais exclusivas - em um país onde os super-ricos historicamente construíram muros cada vez mais altos em torno de seus complexos e se movimentam em veículos blindados para evitar a violência. Gramados e paisagismo recebem cuidados minuciosos e o tamanho das casas aumenta conforme se anda na propriedade.

A incorporadora JHSF Participações organizou há algumas semanas uma inauguração para a piscina de ondas da propriedade que mede 220 metros de comprimento, com a presença do surfista campeão mundial Ítalo Ferreira. Também está iniciando a terceira fase do empreendimento e iniciando a comercialização dos lotes.

Assim que a Boa Vista estiver concluída, a JHSF prevê que até 45.000 pessoas de alta renda poderão viver, trabalhar e se divertir na vasta extensão de terras, antigamente rurais. Entre os residentes já estão o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o fundador da XP, Guilherme Benchimol, a co-fundadora do Nubank Cristina Junqueira e o ex-ministro das Comunicações Fabio Faria, segundo pessoas com conhecimento do assunto. A JHSF não comenta sobre os proprietários.

Enquanto Thiago Alonso de Oliveira, diretor-presidente da JHSF, visitava o local em uma quarta-feira recente no final de junho, ele repetia certos mantras que considera fundamentais para a cultura de sua empresa com cerca de 4.000 funcionários.

“Elegância, discrição, conforto”, disse Alonso, enquanto conduzia cuidadosamente uma SUV pelas ruas da Fazenda, que tem multas de R$ 2.000 por excesso de velocidade. “Acordamos cedo e dormimos tarde para entregar excelência.”

O ‘Greenwich’ do Brasil

As origens da Boa Vista começam com um pedaço de terra que era uma fazenda da família fundadora da JHSF, os Auriemo. Depois, a empresa começou a comprar lotes ao redor, disse José Auriemo Neto, presidente do conselho da JHSF, em entrevista. Foram necessários 15 anos para montar todo o terreno, e a JHSF iniciou suas atividades em 2007.

O projeto, que abrange dois municípios e possui dois CEPs, está dividido em três áreas denominadas Fazenda, Village e Estates.

A Fazenda, que é a mais desenvolvida, tem 900 lotes, restaurante, supermercado, posto de saúde, centro hípico, dois campos de golfe, campos de polo e centro de treinamento de triatlo. Quase todas as casas têm um carrinho de golfe elétrico estacionado na frente - os carregadores são predominantes em toda a propriedade.

O Hotel Fasano da JHSF, inaugurado em 2007, cobra cerca de R$ 5.000 por noite. Há um heliporto, em que moradores e visitantes podem ser transportados do condomínio fechado para o aeroporto Catarina da JHSF, a 50 quilômetros, em apenas 10 minutos. Há também estábulos para cavalos, que, Alonso destacou, “não tem cheiro.”

Lotes custam ao redor de R$ 10 milhões, casas à venda online saem em média R$ 40 milhões, e a JHSF aluga algumas propriedades por R$ 100.000 por mês.

O Village, ainda em fase de conclusão, conta com piscina de ondas para surfe, apartamentos de até 500 metros quadrados, lojas planejadas, restaurantes, espaços de trabalho chamados “family offices” e mais um hotel. Na manhã da visita, Alonso disse que novos lotes foram arrematados uma hora depois de serem colocados à venda.

O Estates, que será a área mais exclusiva, tem 300 lotes.

Alonso compara o projeto a Greenwich, no estado americano do Connecticut, por sua distância de um importante centro financeiro e pelos níveis de conforto para famílias ricas. Há planos para a construção de uma escola e um hospital em breve. Não são permitidos aluguéis de curto prazo.

“Há um efeito de bola de neve”, disse ele. “As pessoas vêm aqui no fim de semana porque seus amigos estão aqui, os amigos de seus filhos estão aqui, os amigos de suas esposas estão aqui, sua comunidade de negócios está aqui.”

A pandemia foi um acelerador de vendas, pois os brasileiros ricos buscavam sair das grandes cidades com mais espaço e comunicações confiáveis ​​para trabalho remoto. Na Boa Vista, a JHSF instala seu próprio cabo de fibra. Eles adicionaram uma loja de brinquedos, uma pet shop, um vendedor de bicicletas elétricas e boutiques de roupas à propriedade, enquanto as pessoas realizavam festas particulares durante os lockdowns.

“Durante a pandemia, o custo de casas e terrenos dobrou”, disse Amir Makansi, CEO da Anglo Americana Consultoria de Imóveis SA, uma corretora boutique especializada em propriedades de alto padrão. “A elite paulista se mudou para o interior.”

Embora não haja outdoors indicando a localização exata do complexo, existem sinais de seu impacto. Durante a visita, a JHSF construía uma passagem subterrânea em uma via pública para reduzir o tempo de viagem e está fazendo uma nova rampa de saída da rodovia principal que será a entrada principal de Estates.

A privacidade do local destaca a exclusividade da Boa Vista - mas também ressalta mais do que nunca a enorme divisão entre ricos e pobres em um dos lugares mais desiguais do mundo.

O 1% mais rico da população brasileira possui cerca de metade da riqueza total do país, de acordo com o último relatório anual de desigualdade do World Inequality Lab. Os 10% mais ricos da população ganham 29 vezes mais do que os 50% mais pobres, números em linha com os do Chile e superados apenas pelos de México e África do Sul no relatório das 26 principais economias.

Alonso não tem remorsos devido aos seus negócios e diz que a Boa Vista reduziu o desemprego e a criminalidade nas cidades vizinhas, ao mesmo tempo em que aumentou a renda ao empregar um número cada vez maior de pessoas para empregos de serviços.

Uma revisão dos números do governo com dados apenas de 2018 mostrou que em Porto Feliz, um dos dois municípios que a Boa Vista atravessa, o emprego, o Produto Interno Bruto, o PIB per capita e a renda familiar cresceram na última década, em muitos casos ultrapassando o nível estadual. Na vizinha Iperó, algumas métricas importantes ficaram abaixo desse nível.

Acesso e expansão internacional

Muitos proprietários usam a Boa Vista como base quando viajam para São Paulo ou Rio de Janeiro para viagens de negócios. Jatos de longo alcance que custam até US$ 100 milhões estão estacionados nos 12 hangares do aeroporto, prontos para levar os proprietários para Dubai, Londres, Nova York ou locais mais exóticos para férias em família. Alonso prevê que os carros voadores EVTOL serão uma realidade para viagens de ida e volta à cidade em questão de anos.

Na rede de negócios interligados da JHSF para atender a elite, o cliente podia desembarcar do jato particular no aeroporto Catarina, passar um fim de semana na Fazenda e voltar para comprar no outlet de moda em frente ao aeroporto com marcas como Gucci, Dolce & Gabbana, Burberry e Montblanc.

A JHSF, fundada pela família Auriemo em 1972, vem expandindo sua presença fora do Brasil – onde desenvolve torres de apartamentos em São Paulo e opera shoppings de alto padrão, bem como hotéis e restaurantes sob a marca Fasano.

Há um hotel e restaurante Fasano na 5ª Avenida e na rua 63 de Manhattan, enquanto há uma construção em andamento para um endereço em Miami. Um prédio foi comprado neste ano para abrigar seu primeiro hotel em Londres. No Uruguai, um projeto semelhante ao da Boa Vista atende aos ultra-ricos com casas particulares, hotel, restaurante e pista de pouso.

“Nossos projetos vão além de real estate”, disse José Auriemo, filho de um dos fundadores. Zeco, como é conhecido, começou a estagiar na empresa aos 12 anos e se tornou CEO aos 27 em 2003, ajudando a impulsionar a empresa para shoppings e outros novos negócios. A família tem uma participação de 58% na empresa avaliada em R$ 2,1 bilhões.

Poucos moradores foram vistos em uma quarta-feira na Fazenda e foram superados em número por equipes de limpeza, jardineiros, pedreiros e treinadores de cavalos. Uma casa em construção empregou um guindaste e alguns lotes abrangem 100.000 metros quadrados.

Em seu último relatório sobre riqueza, a Knight Frank estima que o número de brasileiros na categoria de patrimônio líquido ultra-alto – uma fortuna de US$ 30 milhões ou mais – cresceu 11,2% entre 2021 e 2022, o terceiro maior aumento globalmente nesse período. Esse grupo pode crescer quase 30% nos próximos cinco anos para 8.000 pessoas, disse o relatório.

Questionado sobre a demanda por esses tipos de empreendimentos, o especialista imobiliário Makansi disse que continua a se surpreender com a resiliência do mercado em torno de São Paulo, a megacidade de quase 22 milhões de habitantes.

“Ricos de outros lugares querem estar com os ricos daqui”, disse Makansi, citando uma família bilionária que ele conhece do Nordeste do país com uma casa lá. “Essa turma não tira final de semana para descansar, só para ganhar dinheiro.”

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