Bloomberg Opinion — Os usuários que entraram no novo aplicativo Threads, da Meta Platforms (META) na noite desta quarta-feira (5) e nesta quinta-feira (6) provavelmente viram rostos familiares em um ambiente desconhecido.
A dopamina estava fluindo, com certeza. A Meta antecipou o lançamento do aplicativo que “mataria o Twitter” para capitalizar os recentes problemas do aplicativo de propriedade de Elon Musk, oferecendo uma aula magistral de integração.
Usando seu conhecimento existente de conexões feitas entre usuários no Instagram, a empresa preencheu os feeds do Threads com contas que os usuários já conheciam e outras que talvez gostassem de conhecer. As notificações começaram quase imediatamente.
A abordagem da Meta fez com que os usuários pulassem o momento de desorientação em que os usuários não sabem muito bem o que fazer na nova rede – algo que prejudicou o processo de cadastro em outros clones do Twitter. Isso, por si só, torna o Threads uma ameaça maior ao Twitter do que qualquer outra coisa que tenhamos visto até agora.
Em duas horas, de acordo com o fundador da Meta, Mark Zuckerberg, dois milhões de pessoas haviam se registrado. Sete horas após o lançamento, já eram 10 milhões (às 14h30 de Nova York nesta quinta-feira, mais de 30 milhões).
Zuckerberg, claramente satisfeito com a sensação de estar resgatando os usuários do Twitter da gestão de Musk, publicou seu primeiro tuíte em mais de uma década, brincando com o fato de derrotar a rede. Esse pode ter sido o primeiro dia de relações públicas sinceramente positivas que Zuckerberg teve desde que o escândalo da Cambridge Analytica, em 2018, deixou a reputação de sua empresa em frangalhos.
O impressionante número de cadastros é uma coisa, mas ter um atrativo para garantir a permanência dos usuários é outra.
O alarde em torno do Threads o levará para o futuro próximo, especialmente à medida que o aplicativo ficar gradualmente mais disponível (a Meta ainda não lançou o aplicativo nos mercados europeus para garantir a conformidade regulatória). Depois disso, as coisas ficarão muito mais difíceis. O Twitter ainda está longe de ser substituído, pois há muitos motivos pelos quais a rede ainda pode ser considerada superior.
Em primeiro lugar, o Twitter ainda tem um número muito maior de usuários – eram 238 milhões de usuários ativos diários “monetizáveis” pouco antes de Musk assumir o comando (ele não atualizou o número desde então). Essas pessoas têm seguidores e conexões cultivadas há muito tempo que talvez não queiram abalar.
Em termos de funcionalidade, os trending topics do Twitter dão a sensação de um clima de comunidade coletiva que não encontramos no Threads.
O Threads ainda não permite hashtags, uma ferramenta essencial para organizar e descobrir informações básicas e movimentos sociais, como #MeToo ou #BlackLivesMatter. A ferramenta de bate-papo com áudio do Twitter, chamada Spaces, dá à rede uma sensação adicional de interação “ao vivo” que o Threads, apesar de sua energia na noite de lançamento, pode não oferecer.
Talvez esses recursos possam chegar ao Threads em tempo hábil, mas a maior barreira para o sucesso do aplicativo são os próprios instintos corporativos da Meta.
O chefe do Instagram, Adam Mosseri – que, por extensão, agora está encarregado do Threads –, já disse que, em vez de implementar um sistema de mensagens, a empresa incentivará os bate-papos privados por meio de outros aplicativos da Meta. Ele diz que está fazendo isso para evitar que as pessoas tenham mais uma caixa de entrada para verificar. Pessoalmente, acredito que é para dar um impulso de engajamento ao aplicativo Messenger da empresa.
Antes do lançamento, muito se falou sobre as permissões de dados exigidas pelo aplicativo Threads. Com a Meta ainda sofrendo os efeitos das mudanças de privacidade da Apple – que custaram bilhões de dólares em receita –, um cínico diria que o entusiasmo da Meta na criação do Threads vem da oportunidade de preencher as lacunas nos dados de publicidade direcionada da empresa.
Os usuários, em geral, podem não se importar com isso. No entanto, o que os preocupa é a falta de controle sobre o que consta no feed do Threads. Ao contrário do Twitter, atualmente não há opção de ver somente as publicações das pessoas que você escolheu seguir. Essa é uma medida que vai grosseiramente contra o usuário e espero que ela seja alterada rapidamente. Mosseri disse que adicionar essa opção está nos planos. Mas deveria ser uma prioridade.
O risco é que, quando a Meta intensificar a monetização, o Threads poderá ter uma proliferação insuportável de anúncios, influenciadores e clickbaits. Se isso acontecer, o Threads poderá seguir o caminho do “Facebook Watch”, a plataforma de streaming de vídeo que fora considerada uma concorrente da Netflix e que acabou no ostracismo.
Mas há alguns sinais de que a Meta está mudando seus hábitos. A empresa prometeu tornar o Threads compatível com o “fediverso”, um protocolo aberto que permitiria que o usuário acessasse tudo sobre o Thread por meio de um aplicativo diferente, que não fosse de propriedade ou controlado pela Meta.
Esse pode ser um território desconfortável para uma plataforma que, durante toda a sua existência, tem insistido em manter tudo sob seu controle, mas essas medidas podem ajudar a Meta a compensar as preocupações regulatórias que poderiam surgir em relação a ganhar terreno sólido em mais uma área do mundo da mídia social.
A conclusão da primeira noite do Threads é a seguinte: menos de um ano após a aquisição do Twitter por Elon Musk, a rede social arrisca perder sua coroa.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Dave Lee é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia. Foi correspondente em São Francisco no Financial Times e na BBC News.
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