Bloomberg Opinion — No Japão, principalmente em Tóquio, os termômetros batem os 30°C antes mesmo das 5h nesta época do ano. Alguns dias após o solstício de verão, a cidade desfruta de noites mais longas, mas o sol se põe às 19h02. É difícil encontrar uma grande capital em que o dia de verão termine mais cedo do que em Tóquio. Em Londres, o sol ainda brilha depois das 21h nesta época do ano; em Paris, quando escurece, já se aproxima das 22h.
Às vezes é difícil escapar da sensação de que algo está errado com relação ao horário no país, ou pelo menos na parte leste, que inclui Tóquio.
O Japão está 12 horas à frente do horário de Brasília e é um dos poucos grandes países industrializados que não tem horário de verão. Como os escritórios geralmente começam a funcionar às 9h, as horas de luz solar são desperdiçadas pela manhã, antes que a maioria das pessoas esteja ativa; durante o horário de pico de transporte no verão, o calor já está escaldante.
Por outro lado, as noites são curtas: na maior parte do ano, quando os assalariados saem do trabalho, o sol já está se pondo. No meio do inverno, escurece em Tóquio muito antes das 17h.
O Japão mantém o mesmo fuso horário introduzido pela primeira vez na Conferência Internacional do Meridiano em 1884, que estabeleceu o sistema de horário universal moderno, definindo uma hora de tempo a cada intervalo de 15 graus de longitude a partir de Londres.
A conferência fixou o horário padrão do Japão em 135 graus leste, passando por Akashi, na prefeitura de Hyogo, 9 horas à frente do horário de Greenwich e 12 horas à frente do horário de Brasília.
Em Tóquio, que fica a quase quatro graus a leste de Akashi, o sol nasce e se põe cerca de 20 minutos antes do horário legal do país. Na década de 1880, a cidade havia se tornado a capital do país há pouco tempo, com uma população de apenas 1 milhão de habitantes.
Atualmente, cerca de 36 milhões de pessoas vivem na megacidade e nas regiões vizinhas, com a área de Kanto produzindo quase metade do Produto Interno Bruto do país. Faz sentido que ela fique presa em um horário estabelecido há quase 150 anos?
Muitas alternativas foram propostas.
O horário de verão, usado em mais de 40% dos países, incluindo a maioria dos industrializados, parece ser uma solução óbvia. As autoridades dos Estados Unidos impuseram o horário de verão logo após a Segunda Guerra Mundial, mas o Japão abandonou a ideia assim que recuperou a soberania total.
Vários governos debateram a ideia desde então, citando supostos benefícios econômicos e de consumo de energia; a medida foi considerada emergencial para a questão energética após o terremoto e o tsunami de março de 2011, que fecharam as usinas nucleares do país.
Mais recentemente, um comitê do Partido Democrático Liberal do país analisou a introdução do horário de verão durante a Olimpíada de Tóquio, originalmente programada para 2020, mas que acabou sendo adiada em um ano devido à pandemia.
Por mais curioso que possa parecer agora depois da covid, na época, a principal preocupação em relação aos Jogos Olímpicos era a segurança dos atletas em eventos como a maratona, devido às temperaturas rigorosas da capital pela manhã.
Em meio à oposição pública, um comitê do Partido rejeitou a ideia de mudar o horário e, desde então, ela não voltou a aparecer. Quando os Jogos foram realizados em 2021, o tempo estava relativamente nublado e frio, e a maratona foi transferida para a região de Sapporo, mais amena.
De qualquer forma, o horário de verão perde popularidade fora do Japão. No Brasil, por exemplo, a medida não é adotada desde 2019 em decisão do governo de Jair Bolsonaro.
Vários estados dos EUA aprovaram leis para adotar o horário permanentemente, visando acabar com a mudança nos relógios duas vezes ao ano. A União Europeia, após uma consulta pública que encontrou uma oposição esmagadora, aprovou uma legislação para abandonar a medida, embora os estados membros ainda não tenham concordado sobre a forma como isso será feito.
Parece ser um momento estranho para o Japão introduzir o horário de verão, sabendo de todas as desvantagens, incluindo o aumento de acidentes de trânsito e dos riscos à saúde, como ataques cardíacos e derrames. Pessoas contrárias à medida também argumentam que os benefícios de economia de energia são insignificantes atualmente.
Há uma década, o então prefeito de Tóquio, Naoki Inose, fez uma proposta inovadora para adiantar permanentemente o fuso horário do país em duas horas. Ele vinculou a proposta ao horário do mercado, prevendo que o trading na cidade começaria assim que o pregão encerrasse em Nova York. Embora sua proposta tivesse apoiadores, incluindo o notável reformista Heizo Takenaka, ela não foi adiante.
Contudo uma mudança permanente no fuso horário é uma ideia que valeria a pena ser explorada novamente. O Japão está situado no mesmo fuso de Seul, quase 13 graus de longitude mais próximo do fuso de Greenwich – isso representa quase uma hora de diferença na luz do dia. Embora duas horas pareçam muito, mudar o fuso horário do país de GMT+9 para GMT+10 resolveria vários problemas.
Para a capital, a mudança pode ser certeira. Afinal, Tóquio não é conhecida por sua cultura matinal: uma coisa que os visitantes costumam ouvir é a dificuldade de encontrar algum lugar aberto antes das 9h. O impacto no tráfego, alinhando os horários dos trens e os sistemas de computador, ocorreria uma única vez, e não semestralmente.
O horário de pico do transporte ocorreria em horários mais frescos; e as noites mais longas beneficiariam o sitiado setor de serviços do Japão, que ainda tenta se recuperar totalmente dos lockdowns da pandemia. A ideia de Inose de alinhar os mercados com os de Nova York também poderia ser implementada, aumentando o horário do mercado financeiro em uma hora.
Sem dúvida, haveria objeções de agricultores e sindicatos de professores – o fuso horário GMT+10 seria adequado para Tóquio, mas talvez trouxesse menos benefícios para outras regiões. É possível argumentar que o Japão é tão amplo – abrangendo 30 graus de longitude incluindo suas ilhas – que deveria ter mais de um fuso horário (embora alguns países ainda maiores, notadamente a China e a Índia, não tenham).
De qualquer forma, é uma ideia que vale a pena ser discutida – pelo menos a caminho do trabalho em um calor de mais de 30ºC.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Gearoid Reidy é um colunista da Bloomberg Opinion que cobre o Japão e as Coreias. Anteriormente liderou a equipe de notícias ao vivo no norte da Ásia, e foi o chefe adjunto de Tóquio.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
A aposta de Buffett no Japão: Berkshire eleva presença em cinco tradings do país
Férias com trabalho: manter rotina do escritório em viagens pode ser desvantajoso
10 ações mais recomendadas para investir em julho, segundo 13 bancos e corretoras
© 2023 Bloomberg L.P.