‘Já apertamos o suficiente’, diz ex-diretora do BCE sobre altas nos juros

Em entrevista, Lucrezia Reichlin destaca ser normal que o núcleo dos indicadores de inflação demorarem a cair

"talvez eles tenham sim se atrasado alguns meses, mas se esse atraso tivesse sido tão ruim isso teria se refletido nas expectativas de inflação"
Por Enda Curran
24 de Junho, 2023 | 03:10 PM

Bloomberg — Outra estratégia nas políticas monetárias poderia ter contido melhor a inflação global? Provavelmente não, - mas os bancos centrais agora precisam agir com cuidado se quiserem evitar o colapso de suas economias.

Essa é a opinião de Lucrezia Reichlin, professora da London Business School e ex-diretora-geral de pesquisa do Banco Central Europeu. Uma conclusão importante de todo o cenário recente, ela argumenta, é que os governos e os bancos centrais precisam trabalhar mais juntos para que suas políticas se complementem.

Como pano de fundo, a situação que se desenrolava era de os preços atingindo as maiores altas das últimas gerações após a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia.

A inflação está recuando na maioria das economias avançadas (sendo o Reino Unido um caso atípico) – mas não rápido o suficiente para os bancos centrais, que já aumentaram as taxas de juros ao máximo em 40 anos e têm alertado recentemente que os juros precisam subir ainda mais.

PUBLICIDADE

A seguir, trechos da conversa com Reichlin, que ajudou a criar o “now-casting” — uma técnica para estimar as condições econômicas em tempo real, em vez de esperar a chegada de dados com delay. Eles foram levemente editados para maior clareza.

Os bancos centrais são culpados por não trem se movido rápido?

“Talvez eles tenham sim se atrasado alguns meses, mas se esse atraso tivesse sido tão ruim isso teria se refletido nas expectativas de inflação. Ao contrário, as expectativas de inflação de médio prazo estão ancoradas na meta dos bancos centrais. Acho que eles não perderam a credibilidade.

Quando as pessoas falam sobre os atrasos dos bancos centrais e assim por diante, elas não olham a sequência dos choques extraordinários e o tamanho dos choques. Devido à natureza do choque, essencialmente uma grande variação de preços relativos, observamos uma dinâmica persistente da inflação. Isso porque leva tempo até que os preços dos insumos sejam absorvidos e se reflitam nos preços dos produtos.

Por exemplo, à medida que os preços da energia sobem, a manufatura absorve o aumento primeiro – porque é um usuário direto de energia – e os serviços depois, porque usam energia indiretamente.

Dada a rigidez dos preços e as diferentes defasagens com que os setores absorvem as mudanças nos preços da energia, a inflação se torna persistente. Isso é exatamente o que estamos vendo. A inflação global diminuiu à medida que os choques diminuíram, mas o núcleo da inflação é bastante persistente. Os bancos centrais podem fazer muito pouco para resolver este problema.”

Qual é o equilíbrio ao aumentar as taxas de juros, mesmo quando as economias esfriam?

PUBLICIDADE

Os bancos centrais provavelmente cometerão um erro ao apertar demais. Alguns banqueiros centrais disseram: “É melhor fazer mais do que fazer pouco”. Temos certeza? O consumo e o investimento na Europa estão bem abaixo da tendência anterior a 2019. Existe um risco material real de que eles façam demais, o que afetará a economia real.

Nossas economias passaram por uma crise financeira e depois pela covid, a última coisa de que precisamos é outra desaceleração séria. O efeito desse aperto maciço ainda não é visível. Os próximos trimestres serão desafiadores e estou preocupado que eles mantenham as taxas de juros muito altas por muito tempo.

Como podemos ter certeza de que a inflação continuará desacelerando?

A situação é menos anormal do que muitos comentários afirmam, e estou convencida de que gradualmente ela se normalizará. Não acho que devamos nos preocupar muito com os mercados de trabalho porque os salários têm estado bastante moderados, especialmente na Europa, e não acho que devamos nos preocupar muito com as expectativas de inflação porque elas estão bem ancoradas.

Mas devemos nos preocupar com a incapacidade da política fiscal de absorver o déficit fiscal produzido durante a Covid. O aperto agressivo da política monetária e a política fiscal frouxa não são uma boa combinação.

Este é um caso em que devemos ter uma coordenação muito cuidadosa da política fiscal e monetária e, se essa cooperação não for alcançada, pode haver uma inflação mais persistente do que prevejo no meu cenário base.

Como isso afetará a independência do banco central?

Houve muitas mudanças no que os bancos centrais fazem - grandes balanços patrimoniais, grandes intervenções no mercado financeiro e agora a inflação. Portanto, o desafio à independência está aí. Mas não acho que deva ser exagerado.

Os governos não estão em boa forma. Todos entendem que um banco central independente é um bem público, especialmente no contexto de um governo dividido. A coordenação das políticas monetária e fiscal que tenho defendido não requer um banco central subordinado ao governo.

Quanto tempo leva para o núcleo da inflação desacelerar após um choque de energia?

O núcleo da inflação após um choque de energia sobe com atraso, voltando ao patamar inicial somente após 60 meses. Portanto, estamos mais ou menos dentro da norma. Com exceção do Reino Unido, vimos a inflação cair rapidamente.

Qual é a sua principal mensagem para os bancos centrais?

Podemos agora ser pacientes. Acho que apertamos o suficiente.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Reunião de julho tem opções em aberto, diz Powell após pausar alta do juro

Para JPMorgan Asset, mercados estão otimistas demais com cortes de juros