Oncoclínicas: ação cai 4,6% após gestora apontar supostas distorções em balanço

Dona de maior rede de tratamento oncológico do Brasil tem governança questionada pela Polo Capital; companhia está em período de silêncio e não teve como responder

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Bloomberg Línea — A Oncoclínicas (ONCO3), maior rede de tratamento de oncologia do Brasil, teve sua política de governança corporativa e sua estrutura do balanço questionadas em um relatório publicado pela gestora carioca Polo Capital, que apontou alegada “inconsistência” e “riscos” ao negócio. A publicação do relatório contribuiu para a queda da ação, que chegou a cair 11% nesta quinta-feira (22). O papel encerrou o dia cotado a R$ 9,70, uma baixa de 4,62%.

A companhia, em período de silêncio obrigatório em razão de uma oferta subsequente de ações em andamento, não se manifestou - tampouco o Goldman Sachs, seu principal acionista. Na última terça (20), a companhia levantou cerca de R$ 897 milhões em um follow-on a um preço de R$ 10,25 por ação.

Esclarecimentos técnicos sobre os pontos levantados pela gestora devem ser prestados aos analistas no tempo devido, disse uma pessoa a par do assunto e próxima da companhia ouvida pela Bloomberg Línea, que pediu para não ser identificada, pois se trata ainda de uma questão privada. A intenção seria, segundo a fonte, rebater cada ponto alegado pela gestora com as regras contábeis adotadas pela empresa.

O balanço da Oncoclínicas é auditado pela Deloitte.

A carta da gestão da Polo menciona que “a abordagem que a Oncoclínicas vem adotando na condução de sua governança, por sua vez, parece, nos parece distanciá-la das melhores práticas”, ao justificar as razões de estar short no papel, ou seja, apostando na queda das cotações.

A gestora classificou de “alarmante” a situação do capital de giro da companhia e alertou para “a maior necessidade de caixa em toda a sua série histórica”.

A Polo disse que a Oncoclínicas consolida em seu balanço dados de participações totais detidas em suas controladas, mesmo que suas diversas aquisições não envolvam a compra de 100% do negócio.

“Entre os fatores que levaram a esse modelo, podemos citar o desejo do fundador de manter uma participação minoritária no negócio; o desejo da compradora de manter o fundador como sócio para assegurar seu alinhamento com a empresa; ou a eventual falta de consenso entre os vendedores”, apontou a gestora.

O relatório indicou ainda a existência de padrão distinto em prática contábil adotada pela Oncoclínicas na comparação com outras empresas do setor no Brasil e nos EUA.

“De acordo com nossos estudos, vemos a rentabilidade da Oncoclínicas como sendo inferior ao reportado em virtude de recentes formas de contabilização de rubricas de custos que estão sendo adotadas pela companhia”, disse a Polo, alertando que essa prática contábil teria sido adotada a partir do segundo trimestre de 2022, “período que coincidiu com alterações relevantes no management da companhia”.

A gestora chamou atenção para a forma como a Oncoclínicas lança custos médicos no intangível (”entendemos que deveriam ser lançados no seu DRE, demonstração de resultado do exercício). “Somente no 1º trimestre de 2023 foram reconhecidos R$ 47 milhões de custos médicos no balanço”, observou a carta da gestão da Polo.

A gestora estimou que essa estrutura da companhia causa um “relevante” escoamento do caixa gerado, de cerca de 20%. “O valuation relativo implica em um prêmio substancialmente mais alto que seus pares. Dessa forma, nosso entendimento é que o patamar de margens, governança e alavancagem apresentados deve ocasionar um desconto versus o restante do setor”, avaliou a Polo.

Acusação no período de silêncio

Um analista de mercado, ouvido sob a condição de anonimato pela Bloomberg Línea, pois a discussão é privada, disse que o relatório da Polo provocou “ruído” nas negociações do mercado, com investidores expressando preocupação com o desempenho futuro do papel e os riscos de uma crise de desconfiança. Por outro lado, foram informados de que o relatório da gestora também virou alvo de críticas, pois foi divulgado no período de silêncio da companhia, sem que ela pudesse responder.

Nesta semana, a ação da Oncoclínicas acumula baixa de quase 15%, chegando a cravar hoje a mínima de R$ 8,33, menor valor em mais de um mês. Em 12 meses, o papel ainda acumula alta de 117%.

Para Rafael Ragazi, sócio e analista de ações da Nord Research, a carta da Polo apenas apresenta uma tese da gestora para justificar a posição (short) de seus fundos em apostar na queda das ações da Oncoclínicas. “É uma questão de interesse próprio, é normal do mercado, a Polo cita isso na carta”, disse.

Do ponto de vista de análise das ações do setor de saúde, Ragazi disse que considera que há opções mais interessantes na bolsa brasileira. “Recomendamos compra para o papel da Rede D’Or (RDOR3), que conseguiu dobrar a receita no primeiro trimestre após concluir a aquisição da SulAmérica, melhorar o tíquete médio e ter um plano de expansão para os próximos anos”, afirmou.

Quanto ao relatório da Polo sobre a Oncoclínicas, o analista da Nord destacou quatro pontos citados para justificar a posição short, como a capitalização de despesas.

“A Polo apresentou a tese de que as ações de Oncoclínicas vão cair. Chamou a atenção dos gestores como a margem bruta da empresa subiu nos últimos trimestres, foram olhar mais a fundo e descobriram que as despesas estavam, na verdade, subestimadas”, disse Ragazi.

O analista da Nord também enfatizou o ponto do relatório da Polo que aponta um nível de alavancagem da Oncoclínicas acima do reportado com ajustes defendidos pela gestora na contabilização dos resultados, além de um terço do Ebitda da companhia não se converter em caixa devido à remuneração de sócios de controladas.

Ragazi lembrou ainda as dificuldades do setor de saúde como um contexto adverso para as perspectivas das companhias. “As operadoras de saúde estão em um momento complicado, com muita demanda represada com a pandemia da covid-19, um aumento dos custos com o maior rol de procedimentos e sofrendo ainda com a maior sinistralidade.

Aumento de capital

O Goldman Sachs, maior acionista da Oncoclínicas, não quis comentar a carta da Polo. O banco norte-americano investe na companhia desde 2015 e possui 62% da companhia, que foi fundada há 13 anos pelo atual CEO e vice-presidente do board, Bruno Ferrari, dono de 3,7% das ações.

A Polo, com cerca de R$ 3,8 bilhões sob gestão, tem posições em seus fundos que lucram com a queda do preço da ação da Oncoclínicas, mas não divulgou o tamanho dessa posição nem a duração da aposta.

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) pode encaminhar um questionamento à companhia devido à variação forte da ação da Oncoclínicas na B3, mas esse tipo de procedimento não se torna público imediatamente.

Neste ano, o mercado de capitais tem sido afetado, desde janeiro, pela revelação de um rombo contábil da ordem de R$ 20 bilhões na contabilidade da Americanas (AMER3), que entrou no mesmo mês em recuperação judicial. Na semana passada, a varejista já tratava o caso publicamente como “fraude”.

- Matéria atualizada às 17h20 com a cotação do fechamento e informações de uma fonte familiarizada com o assunto.

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