Bloomberg Opinion — “Se a mudança climática é um tubarão, então a água é seus dentes”. Essa analogia, cunhada pelo especialista em clima James P. Bruce, é cada vez mais adequada.
As temperaturas mais altas estão pressionando a disponibilidade de água ao mesmo tempo em que a demografia e o crescimento econômico aumentam seu uso. Até 2030, a previsão é que haverá uma diferença de 40% entre a oferta e a demanda de água doce. Os investidores precisam estar atentos aos riscos que essa escassez representa para as empresas e os setores para os quais alocam capital.
Nossa commodity mais vital já está dando sinais de alerta em alguns locais à medida que chega um verão com alterações climáticas no Hemisfério Norte.
O ministro do Meio Ambiente da França, Christophe Béchu, levantou “sérias preocupações” sobre o abastecimento de água na França na última quarta-feira (14), quando o país lançou uma campanha de conservação do recurso natural.
A maior parte da Escócia, que normalmente não é um país considerado seco, está agora sob um alerta antecipado de escassez de água, depois de ter registrado menos da metade de sua precipitação habitual em maio. Partes de um rio de Lake District, em uma área famosa por ser a parte mais úmida da Inglaterra, secaram quase completamente.
A Espanha ainda luta contra a aridez no longo prazo e, embora as fortes chuvas tenham aliviado Taiwan de sua pior seca em décadas, existe a preocupação de que as condições de seca retornem.
O acesso à água doce é tanto um direito humano quanto uma necessidade comercial. Alguns setores, como o agrícola e o de mineração, se preocupam com questões de abastecimento de água há décadas. Mas, cada vez mais, à medida que as tensões se tornam mais pronunciadas, outras empresas estão fazendo alertas.
Em março deste ano, foi realizada a primeira conferência das Nações Unidas sobre água em quase 50 anos. As empresas compareceram – não apenas os setores com uso intensivo de água mas também instituições financeiras e gestores de fundos.
Essa é uma evidência da crescente notoriedade da água como um risco comercial e financeiro, diz Alex Money, diretor do programa de Investimento em Infraestrutura Inovadora da Smith School da Universidade de Oxford e CEO da Oxford Earth Observation, uma startup focada no risco da água. “Quando pensamos na mudança climática e onde sentimos os efeitos, geralmente é em períodos secos, secas, inundações repentinas – tudo relacionado à água”, disse.
A água permeia, literalmente: é difícil pensar em um setor que não seja vulnerável. A Diageo, a maior empresa de bebidas alcoólicas do mundo, disse recentemente que considera a segurança hídrica como seu risco mais significativo relacionado às mudanças climáticas.
Um par de jeans da Levi Strauss pode absorver 3.800 litros de água, incluindo o cultivo do algodão para fazer o jeans, os processos de fábrica usados para fabricar a peça e a consequente vida útil de lavagem. A água é essencial na produção de produtos farmacêuticos, sendo que cerca de 23% do suprimento mundial é usado para fabricar medicamentos.
Até mesmo os elementos menos táteis de nossa vida cotidiana – os produtos que consumimos na internet, por exemplo – exigem água: o Google, da Alphabet (GOOGL), consumiu 17,4 bilhões de litros de água em 2021, principalmente para resfriar data centers, e a Meta (META) usou 2,5 bilhões de litros de água.
Enquanto as empresas de tecnologia podem localizar os elementos de seus negócios que fazem uso intensivo de água em locais onde ela é abundante, empresas como Diageo, Levi’s e outras não podem ser tão flexíveis porque estão mais ligadas ao local onde suas matérias-primas crescem e onde seus produtos podem ser fabricados com mão-de-obra mais barata. Como resultado, estão revendo suas práticas, incluindo a definição de metas baseadas em locais para reduzir mais o uso em áreas estressadas.
Mas há alguns retardatários – grandes empresas como Apple (AAPL), Tesla (TSLA) e Shell ainda não fornecem informações detalhadas sobre seu consumo de água.
Money explica que, como não existe um mecanismo de precificação para desencorajar o uso ineficiente da água, os compromissos assumidos até o momento foram motivados principalmente pelo risco à reputação.
A água como um risco operacional também nem sempre foi muito visível: os investidores que analisam o desempenho financeiro das empresas não são capazes de detectar quando a escassez de água foi importante para um rebaixamento dos lucros ou uma perda de receita.
Mas agora as questões climáticas estão afetando as carteiras dos investidores em tempo real, diz Vicki Kalb, chefe de pesquisa de ESG do UBS (UBS). O efeito dominó de uma seca, por exemplo, pode significar que as mercadorias não podem ser transportadas, as instalações não podem ser resfriadas e que a produção de energia pode ser interrompida.
Antes da Conferência das Nações Unidas sobre a Água, um grupo de 30 investidores organizados pelo CDP, uma organização sem fins lucrativos que administra um sistema global de divulgação ambiental, assinou uma carta aberta pedindo aos governos mais ações em relação à água – mas o investimento corporativo também é vital para alcançar a segurança hídrica.
Com base em dados de 3.909 empresas, um relatório de 2022 do CDP calculou o custo potencial do risco hídrico em US$ 392 bilhões, os custos de mitigação em apenas US$ 79 bilhões e as oportunidades financeiras de ação antecipada em US$ 436 bilhões. Todas as partes interessadas da sociedade se beneficiariam de uma ação antecipada para evitar que o mundo fique sem água.
Portanto, a menos que queiram sentir os efeitos da mudança climática, todos os investidores, e não apenas aqueles focados em ESG, devem incorporar a segurança hídrica em suas decisões – e exigir melhores dados e divulgação das empresas.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lara Williams é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre mudança climática.
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