O plano silencioso da Gafisa para erguer um condomínio de luxo na Oscar Freire

Incorporadora mira valores acima de R$ 50 mil o metro quadrado no projeto ainda sem nome, que revela nova fronteira para o mercado de alto padrão em São Paulo

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Bloomberg Línea — O mercado imobiliário de alto padrão segue resiliente ao crédito mais caro no Brasil. Em São Paulo, uma das regiões nobres com menos lançamentos é a do Jardim Paulista, nos Jardins, pela escassez de terrenos. Os poucos disponíveis são considerados pelas incorporadoras como joias pelo potencial de cobrança de valores acima da média pelo metro quadrado.

Nessa disputa, a Gafisa (GFSA3), uma das mais tradicionais incorporadoras do país, decidiu em um movimento raro no mercado apostar em um condomínio de alto padrão na Oscar Freire, considerada uma das ruas mais charmosas da cidade por abrigar comércio de luxo, gastronomia e hotelaria. A informação foi passada por fontes do mercado à Bloomberg Línea e confirmada depois pela incorporadora.

“Um dos pilares da Gafisa é a consolidação no segmento de luxo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Estamos melhorando nossos indicadores operacionais e financeiros, mudando nossa cultura interna de atendimento ao público de alta renda e apostando em localizações especiais e em projetos únicos”, disse a CEO da companhia, Sheyla Resende, em entrevista à Bloomberg Línea.

O trecho adquirido, entre as ruas Melo Alves e Consolação, é ocupado por lojas de marcas há três décadas. Ainda não há data de lançamento do projeto nem para o início das obras e tampouco está claro a extensão do terreno com a junção de propriedades adquiridas. Na área potencial para o empreendimento está desde 2009, por exemplo, a flagship store da Havaianas, em projeto original de Isay Weinfeld.

O projeto da Oscar Freire tem potencial de ser o mais importante da história da companhia, que completa 70 anos no próximo ano. Estamos estudando tudo com muito cuidado. Não queremos descontruir o DNA do quarteirão. Usaremos todos os códigos do mercado de luxo. Estamos nas etapas operacionais, de legalização dos projetos. Tomaremos decisões responsáveis”, disse o VP (vice-presidente) de Negócios, Luiz Fernando Ortiz.

Ao falar em evitar a “descontrução do DNA”, o executivo faz referência ao fato de que a valorização da Oscar Freire e a conquista do status de principal rua do comércio de luxo do país a partir da década de 1990 se deram justamente com a atração de marcas para a abertura de lojas, cafés e restaurantes.

Incorporadoras até então nunca investiram para ocupar esse espaço e optaram por pegar carona no apelo do bairro com projetos em ruas adjacentes e transversais. No trecho mais nobre da Oscar Freire entre as ruas Melo Alves e Augusta, não houve lançamento pelo menos desde a década de 1980.

Em outro exemplo de apetite de incorporadoras de alto padrão pelo trecho de lojas e restaurantes no Jardim Paulista, a Helbor está erguendo na rua Haddock Lobo, entre a Oscar Freire e alameda Lorena, o Helbor Jardins por Artefacto, em parceria com a tradicional marca de móveis de luxo. Unidades a partir de 322 metros quadrados saem por mais de R$ 15 milhões.

Sheyla Resende assumiu o cargo em janeiro deste ano, em substituição de Henrique Blecher, fundador da Bait, que deixou o cargo após a integração da incorporadora carioca, adquirida pela Gafisa em março de 2022. Antes, a executiva havia sido VP de gestão e RH da Gafisa. A empresa hoje adota um novo formato de liderança, após a criação de um comitê de gestão, composto por Resende e outros três executivos - o CFO Edmar Prado Lopes (ex-Movida), Ortiz e Renata Yamada, VP de Gestão e Jurídico.

Esse time lidera a execução da estratégia da Gafisa de avançar no mercado imobiliário de luxo nas duas cidades mais ricas do país, enfrentando rivais listados na bolsa como JHSF (JHSF3), Cyrela (CYRE3), EZTEC (EZTC3) e Helbor (HBOR3), e outros especializados no segmento, como a Zabo Engenharia e a Adolpho Lindenberg.

“A consolidação no alto padrão é uma construção na Gafisa que vem dos últimos dois anos. Estamos fazendo essa migração. Os novos projetos estão todos segmentados no luxo. Desde o último trimestre de 2022, estamos melhorando a performance de vendas”, afirmou a CEO.

Metro quadrado acima de R$ 50 mil?

O projeto da Oscar Freire ainda está em fase embrionária, sem divulgação de detalhes do lançamento, como o nome, o número de andares e de unidades e previsão de entrega e preço, algo que os principais executivos da Gafisa sinalizaram que devem divulgar apenas no começo do segundo semestre.

“Já temos o escritório contratado e estamos estudando as definições do desenvolvimento do projeto para lançar em breve. Não sabemos ainda se vão agregar marca ou não. Nem temos referências de preço para uma das esquinas mais valorizadas dos Jardins. Produtos já lançados no bairro apontam o metro quadrado entre R$ 40 mil e R$ 50 mil mas não estão em corner na Oscar Freire. Temos potencial”, disse Ortiz.

O valor médio do metro quadrado de imóveis novos à venda na cidade de São Paulo está na casa dos R$ 10 mil, um dos três maiores entre as capitais do Brasil. Mas essa é a média. Nos bairros mais valorizados, como Jardins e Itaim, é comum imóveis com preços que partem de R$ 30 mil.

O CFO da Gafisa disse que o setor da construção trabalha com a expectativa de um início de um ciclo de redução da taxa Selic (em 13,75% ao ano desde agosto de 2022) a partir de algum momento do segundo semestre e que a companhia está preparada com seus projetos voltados para a alta renda para capturar um interesse crescente dos clientes na aquisição de imóveis.

“O juro vai baixar. Importante é que estamos colocando ênfase na melhora dos indicadores operacionais, crescendo as vendas em dois dígitos e com atenção especial ao controle de custos e despesas. A melhora do resultado consolidado depende de fatores externos, como a questão dos juros. O dinheiro está caro para qualquer segmento, mas nunca falta dinheiro para bons projetos”, avaliou Lopes.

Foco apenas em SP e Rio

A CEO da Gafisa disse que esse será o terceiro projeto para alta renda em trechos cobiçados na capital paulista, em referência aos dois lançamentos anteriores, o Stratos na rua Bandeira Paulista no Itaim Bibi e o Tonino Lamborghini, parceria com a marca de desigh italiano, na Alameda Jaú, nos Jardins.

Esses três empreendimentos se somam a outros cinco no Rio de Janeiro, com diferencial de serem de frente para o mar. A última aposta na capital fluminense é um terreno adquirido na avenida Vieira Souto, na zona sul, por R$ 180 milhões. A avenida Delfim Moreira, no Leblon, abriga outro case da companhia.

O terreno adquirido na rua Oscar Freire abrigou nos últimos anos a Galeria Oscar, que reunia pequenas lojas de vestuário. O imóvel já foi demolido e já está cercado. Anteriormente, serviu para empreendimentos temporários com caráter multiuso.

No mês passado, outro imóvel na quadra foi desocupado com o encerramento das atividades de uma loja tradicional da Asics, voltada para artigos esportivos para corrida de rua - uma das modalidades que mais crescem no país -, tênis e vôlei.

Segundo uma fonte, a marca esportiva japonesa pretendia continuar no ponto que ocupava desde 2011, quando abriu ali a sua primeira flagship store no país. Mas o dono do imóvel aceitou uma oferta de compra - que teria sido da Gafisa.

Do outro lado da rua, o empreendimento da Gafisa terá como vizinha uma loja conceito da Anacapri, marca de sapatos femininos do grupo Arezzo (ARZZ3), e uma loja da Calvin Klein.

Terrenos e imóveis na Oscar Freire

A Gafisa não revelou o preço pago pelo terreno adquirido nem a área total. O trecho fica a uma quadra da estação Oscar Freire do metrô, que faz parte da Linha Amarela, e do movimentado corredor de tráfego da avenida Rebouças.

Uma fonte ouvida pela Bloomberg Línea, que pediu anonimato, pois a questão é privada, disse que a Gafisa já adquiriu metade do quarteirão e que negocia com outros proprietários, que resistem às ofertas. Ortiz disse, no entanto, que a incorporadora já concluiu a aquisição de parte do quarteirão da Oscar Freire.

Segundo a mesma fonte, a crise no varejo físico favorece a incorporadora, pois muitas marcas estão reduzindo custos fixos ou vendendo ativos para quitar dívidas. Outra avaliação é que o mercado de luxo continua a migrar para shopping centers do segmento. Essa fonte disse que proprietários têm dificuldade para encontrar novos inquilinos nos preços desejados nos espaços desocupados.

Na esquina da Oscar Freire com Consolação, a incorporadora de médio-alto padrão Tegra fechou, em fevereiro, seu espaço de experiências da marca (space branding). A chamada Casa Tegra ocupava um imóvel de 388 m², com três pisos. A fonte disse que o proprietário cobra um aluguel estimado entre R$ 120 mil e R$ 150 mil, a depender da duração do contrato (de três meses ou quatro anos).

No mês passado, a flagship (loja conceito) da Riachuelo, do Grupo Guararapes (GUAR3), também foi fechada em um imóvel com 1.200 m², que ocupava desde novembro de 2013, na esquina da Oscar Freire com a rua Haddock Lobo, próxima do Hotel Fasano. O espaço segue desocupado.

Ações em alta na B3

Na B3, as ações do setor de construção tiveram um maio positivo. O IMOB (Índice Imobiliário), que reúne as 17 mais significativas do setor, apontou alta de 17%, acima do Ibovespa (+3,74%).

“Com o fechamento acentuado na curva de juros no mês de maio, sinalizou-se um ciclo de afrouxamento monetário que favoreceria a acessibilidade dos consumidores para aquisição de imóveis e um alívio no custo de capital das companhias”, escreveu o analista André Oliveira em relatório do BB Investimentos divulgado no começo deste mês de junho.

Incorporadoras e construtoras com atuação no mercado de São Paulo serão afetadas também pelo novo Plano Diretor, que foi aprovado em primeiro turno em 31 de maio. A votação em segundo turno está prevista para esta semana que começa.

“As propostas devem favorecer as construtoras, principalmente aquelas com banco de terrenos em áreas próximas dos eixos e que atuam com empreendimentos de médio e alto padrão que demandam mais vagas [de garagem]”, escreveu Oliveira.

O CFO da Gafisa disse que o planejamento já previa lançamentos no segundo semestre.

Neste ano, até a última sexta (16), a ação da Gafisa acumulava queda da ordem de 50%. Em março, aprovou um aumento de capital de até R$ 200 milhões, após outro aumento de R$ 78 milhões em janeiro.

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