Bloomberg — O Trafigura Group está sendo processado pelos irmãos bilionários Reuben, enquanto as consequências de uma suspeita de fraude de amplas proporções em carregamentos e contratos de níquel reverberam nos mercados globais de metais e enredam algumas das figuras mais conhecidas do setor.
Documentos judiciais vistos pela Bloomberg News lançam nova luz sobre o caso que chocou o mercado no início deste ano, quando a Trafigura disse que esperava perder quase US$ 600 milhões no que chamou de “fraude sistemática” perpetrada pelo empresário indiano Prateek Gupta.
Nos documentos, a Hyphen Trading, empresa dos irmãos Reuben que está instaurando o processo judicial, alega que a fraude envolveu não apenas milhares de toneladas de níquel extraviado mas também documentos de embarque falsificados — que acabaram sendo usados para obter financiamento do ICBC Standard Bank.
Os textos descrevem como contêineres supostamente contendo níquel foram enviados de um lado para o outro ao redor do mundo, aparentemente para evitar ter que abri-los e revelar seu verdadeiro conteúdo.
Além disso, a Hyphen acusa uma empresa de frete de Cingapura de estar envolvida na suposta fraude de Gupta. Também levanta questões sobre as próprias ações da Trafigura, dizendo que a trading house bloqueou seus pedidos para inspecionar suas cargas.
Os porta-vozes da Trafigura e dos Reubens se recusaram a comentar.
David e Simon Reuben são algumas das figuras mais conhecidas da história do comércio de commodities, tendo feito sua primeira fortuna nos anos 1990. Nasceram na Índia, mas têm cidadania britânica.
Agora com um patrimônio que vale US$ 14 bilhões, eles não são mais grandes players no comércio de metais há décadas, concentrando-se na construção de um dos maiores portfólios imobiliários do mundo. Mas eles continuaram a se aventurar no setor por meio de entidades como a Hyphen, que se descreve como uma “comerciante e financiadora de commodities” com foco em metais refinados.
A alegação de que recibos de embarque fraudulentos – chamados de conhecimentos de embarque marítimo, ou bill of lading – estão circulando no mercado de níquel aumentará as preocupações entre os traders e os financiadores do metal, que foi atingido por uma série de crises recentes.
Os documentos são fundamentais para o comércio moderno de commodities: os conhecimentos de embarque originais representam a propriedade legal de uma carga de commodities e muitas vezes são comprados e vendidos várias vezes, além de serem usados como garantia para empréstimos antes que as mercadorias sejam finalmente entregues a um usuário final.
Os registros legais oferecem um relato detalhado do funcionamento de um trade de commodities – as montanhas de papelada necessárias para organizar uma remessa física de metal ao redor do mundo, seguidas por choque e recriminação quando as coisas dão errado.
É uma história tão antiga quanto o próprio comércio, e que se repetiu nos últimos anos, quando cargas foram roubadas, recheadas com mercadorias sem valor ou simplesmente vendidas várias vezes para diferentes compradores.
Disputas de níquel
A empresa de Reubens, a Hyphen, está em disputas legais separadas com a Trafigura sobre duas cargas diferentes de níquel.
Em um caso, que é objeto de processo judicial em Singapura, a Hyphen comprou pouco mais de US$ 10 milhões em níquel da London Metal Exchange e o carregou em vários navios – apenas para descobrir que os advogados da Trafigura haviam escrito para a companhia de navegação alegando que a trading house era a proprietária legítima da carga.
Tanto a Hyphen quanto a Trafigura afirmam ter os conhecimentos de embarque originais – uma impossibilidade que sugere que pelo menos um conjunto de documentos é falsificado.
O outro caso, no centro de uma ação da Suprema Corte do Reino Unido apresentada na semana passada, concentra-se em uma carga da Hyphen comprada da Trafigura em setembro passado.
A Hyphen comprou por US$ 8,4 milhões pouco mais de 404 toneladas de níquel que haviam sido carregadas em Kaohsiung, Taiwan, em um navio porta-contêineres chamado OOCL Jakarta.
O plano era que a Hyphen recebesse a carga quando chegasse a Roterdã. Por alguns meses, foi financiado por meio de um acordo de recompra com o ICBC Standard Bank. Um porta-voz do banco se recusou a comentar.
As coisas não correram tão bem. Embora os contêineres tenham chegado a Roterdã em meados de novembro - em um navio diferente -, ninguém avisou a Hyphen. Em vez disso, eles permaneceram no navio quando ele partiu em sua viagem de volta à Ásia, antes que o “níquel” fosse finalmente descarregado em Jeddah, na Arábia Saudita, de acordo com a denúncia.
Em dezembro, a Hyphen ainda não sabia sobre o paradeiro de sua carga e os alarmes começaram a soar. Juntamente com Argentum, um fundo hedge dos EUA com o qual estava trabalhando, a trading começou a pressionar a Trafigura para obter informações.
“Em 16 de dezembro, a Hyphen pediu informações sobre onde as mercadorias foram armazenadas em Kaohsiung (antes do embarque). A Trafigura não respondeu”, de acordo com a denúncia da empresa. “A Hyphen pressionou por uma resposta em 19, 20 e 22 de dezembro. A própria Argentem pressionou nos dias 20, 21 e 22 de dezembro. A Trafigura não respondeu.”
Finalmente, em 27 de dezembro, a Trafigura respondeu ao pedido de inspeção: de acordo com a denúncia de Hyphen, ela teria recusado o pedido, alegando “complicações logísticas”.
Nesse ponto, desconhecido para o mercado de forma geral, a Trafigura estava em pleno modo de crise.
Enquanto os executivos da Hyphen estavam ficando cada vez mais frustrados com a falta de respostas da Trafigura sobre sua carga, os executivos desta estavam em um estado semelhante de agitação.
Dois meses antes, o Citigroup (C) repentinamente informou à empresa que não financiaria mais negócios com empresas ligadas a Gupta. Em dezembro, a Trafigura estava aplicando “pressão quase diária” em Gupta para obter informações, de acordo com um processo judicial anterior da Trafigura.
Em 9 de fevereiro, a Trafigura acusou Gupta publicamente de fraude em um anúncio surpreendente para o mercado, dizendo que gastou mais de meio bilhão de dólares comprando níquel de suas empresas apenas para descobrir, quando abriu os contêineres, que não havia níquel dentro.
O porta-voz de Gupta disse que está planejando uma “resposta robusta” às alegações da Trafigura.
Depois disso, as tentativas da Hyphen de tentar rastrear sua carga foram esgotadas.
A empresa dos irmãos Reuben visitou os escritórios da companhia marítima OOCL em Singapura para apresentar os conhecimentos de embarque originais recebidos da Trafigura, triplicados.
Mas a OOCL apontou uma discrepância – enquanto os conhecimentos de embarque da Hyphen apenas listavam a Trafigura como transportadora, a cópia dos documentos no sistema da OOCL também incluía o nome de uma empresa de logística de Singapura, a Techies Logistics (S) Pte, como “agente despachante”.
Um mês depois, a Hyphen tentou nova tática: apareceu em Roterdã e exigiu a entrega física de sua carga. A OOCL recusou. Finalmente, em 5 de abril, os advogados da OOCL lançaram a verdade: a Hyphen pagou à Trafigura US$ 8,4 milhões e recebeu um conhecimento de embarque que não era genuíno.
‘Documento Fraudulento’
“É provável que o Trafigura BL [bill of lading] seja um documento fraudulento”, concluiu a Hyphen.
Desde que abriu o capital em fevereiro, a Trafigura insistiu continuamente que nenhum de seus funcionários foi cúmplice da suposta fraude.
E reconheceu, em seu processo contra Gupta, que havia vendido cargas compradas de suas empresas para vários terceiros – incluindo a Hyphen – e estava “potencialmente exposta a uma reclamação deles caso (o que agora parece provável) essas cargas não contivessem níquel.”
A empresa até levantou a possibilidade de que alguns dos conhecimentos de embarque envolvidos pudessem não ser genuínos.
Mas a afirmação da Hyphen levanta algumas questões desconfortáveis para a trading. Ela acusa a Trafigura de impedi-la de fiscalizar a carga. E alega ainda que a Trafigura foi listada como a transportadora no conhecimento de embarque que lhe foi entregue, o que significa que a trading house não apenas comprou as mercadorias de Gupta mas foi a parte responsável por entregá-las à companhia de navegação.
A Hyphen alega que foi a empresa de logística Techies que ordenou que a carga fosse enviada de volta para Jeddah depois de já ter chegado a Roterdã.
“A Hyphen infere que as ações da Techies (conhecidas ou desconhecidas pela Trafigura) foram motivadas por uma cumplicidade ou outro tipo de envolvimento na fraude de Gupta”, disse. A Techies não respondeu a e-mails, mensagens nem telefonemas em busca de comentários enviados pela Bloomberg News.
Para a Trafigura, o caso representa mais uma dor de cabeça nas consequências da suposta fraude. A empresa continua perseguindo Gupta no tribunal e fez mudanças operacionais e de pessoal em resposta à saga.
A Hyphen, por sua vez, busca os US$ 8,4 milhões que pagou, mais custos e juros da Trafigura. E ainda não conseguiu obter acesso ao seu “níquel”.
-- Com a colaboração de Mark Burton e Archie Hunter.
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