Não estamos à caça de unicórnios, diz Nyatta, sócio de Claure no Bicycle Capital

Em entrevista à Bloomberg Línea, Shu Nyatta diz que há oportunidades em startups em fase de crescimento e que não querem empresas que busquem ‘apenas um cheque’

Região da marginal Pinheiros, em São Paulo: Bicycle Capital vai buscar startups para investir principalmente no Brasil e no México (Foto: Paulo Fridman/Bloomberg)
16 de Junho, 2023 | 05:05 AM
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Bloomberg Línea — Quando estavam no SoftBank, Marcelo Claure e Shu Nyatta foram responsáveis por investir quantias elevadas de venture capital (VC) na América Latina, o que impulsionou uma série de startups da região ao status de unicórnio (as que atingem avaliação igual ou acima de US$ 1 bilhão).

No portfólio do SoftBank Latin America Fund estão empresas como Kavak, Rappi, QuintoAndar, Loft, Creditas, Unico, Ualá, Bitso, Olist, entre outras, entre os maiores unicórnios da região.

Agora, Claure e Nyatta são sócios da nova empresa de venture capital Bicycle Capital. E vão seguir uma nova estratégia. Em entrevista à Bloomberg Línea, Nyatta disse que o fundo pretende suprir a falta de capital para empresas relativamente maduras que precisam de recursos para crescer (o chamado growth capital), mas que não está interessado em “caçar unicórnios”.

“Não nos importamos se eles são unicórnios ou não. Acho que todos têm se concentrado demais em unicórnios. O valuation não é o que nos atrai para uma empresa”, disse Nyatta. “Não estamos caçando unicórnios, esse não é o nosso trabalho. Nosso trabalho é encontrar empresas com bons valuations. Sejam US$ 200 milhões ou US$ 2 bilhões, isso não importa.”

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A meta é arrecadar US$ 500 milhões para seu fundo inaugural. Por enquanto, o Bicycle tem compromissos de US$ 440 milhões. Cerca de US$ 200 milhões foram aportados pelo family office de Claure, e outros US$ 200 milhões, pela divisão de VC do fundo soberano de Abu Dhabi, o Mubadala Capital.

Outros US$ 40 milhões foram aportados por investidores individuais, entre eles Andrés Esteves, principal acionista do BTG Pactual (BPAC11), e David Vélez, co-fundador do Nubank (NU), segundo afirmou Marcelo Claure à Bloomberg News. A notícia de que Claure e Nyatta estavam trabalhando para lançar um novo fundo foi antecipada pela Bloomberg Línea em março.

Segundo Nyatta, há uma lacuna na disponibilidade de capital para startups em fase de crescimento na América Latina, e o Bicycle pretende investir em rodadas Série B em diante, até pré-IPO (sigla em inglês para oferta pública inicial).

Nos anos em que os investimentos de capital de risco bateram recorde na região, os fundos DST, TCV, Dragoneer e Coatue investiram em empresas como Nubank, dLocal (DLO) e Hotmart.

“Pensando em fundo estrangeiro e público-privado como Tiger, Coatue, que entraram e saíram da América Latina, é difícil imaginar que sejam confiáveis ao longo do tempo em relação ao foco na região”, disse Nyatta. A carteira do veículo será limitada: terá de 10 a 15 empresas e os investimentos serão apenas em equity, ou seja, em patrimônio líquido.

Aportes de até US$ 50 milhões

A Bicycle pretende oferecer entre US$ 20 milhões a US$ 50 milhões para investimentos nas empresas, sem uma meta específica de participação acionária, mas significativa para integrar o conselho. “Se uma empresa apenas quer um cheque, não faremos isso, existem muitas outras oportunidades”, disse Nyatta.

O objetivo é aportar também conhecimento dos dois para o negócio e a operação em si.

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Isso significa que a Bicycle não pretende financiar empresas que precisam de centenas de milhões de dólares ou que atuem em indústrias que são intensivas em capital.

“Essas empresas precisarão encontrar capital mais profundo, fundos de vários bilhões de dólares para apoiá-las. Nós temos que procurar eficiência de capital, devem ser empresas que tenham um caminho claro para a lucratividade em algum momento nos próximos anos e que não precisem de centenas de milhões de dólares para chegar lá”, afirmou.

Shu Nyatta diz que novo fundo Bicycle Capital vai mirar empresas em estágio de crescimento (Foto: Jason Koerner/Getty Images North America)

O fundo não pretende investir em nenhum setor específico.

Questionado sobre criptoativos, já que Marcelo Claure foi um conhecido defensor de blockchain, Nyatta disse que são um assunto complicado. “Elas tiveram seu momento, mas esse momento passou. É muito difícil despertar o interesse de outros investidores nelas”, disse. “Nunca dizemos nunca, mas não estamos prestando atenção particularmente a isso no momento. Estamos procurando fundadores que estejam resolvendo problemas. Não estamos obcecados com criptomoedas.”

Down round não é dogma

Nyatta disse não ver problemas em financiar down rounds (rodadas a valuations menores do que o aporte anterior).

“Nos mercados de empresas listadas, os down rounds acontecem todos os dias. Suas ações sobem, suas ações caem, isso é muito normal. Por algum motivo, os mercados privados acreditaram que as ações só vão em uma direção. Essa é uma suposição muito equivocada”, afirmou.

Nyatta disse ainda que é saudável para as startups estabelecerem o valuation correto, não apenas o mais alto. Segundo ele, algumas empresas estão fazendo isso, mas ainda há algumas que têm dificuldade porque seus conselhos não querem permitir ajustes. “Acreditamos que haverá down rounds, rodadas planas, rodadas estruturadas, e ficaremos felizes em participar de qualquer uma delas”, disse.

O Bicycle tem mais de 10 LPs (Limited Partners, que são investidores de longo prazo como fundos de pensão, endowments e family offices) e pretende ter mais de 40 quando o fundo estiver totalmente estabelecido. “Eles investem em nós em busca de retorno de patrimônio líquido”, disse Nyatta.

Com a sociedade no fundo de Claure e Nyatta, o Mubadala fará a primeira grande incursão em tecnologia na América Latina.

“O Mubadala têm um fundo de venture na Europa e em São Francisco. Eles não fizeram investimentos em tecnologia na América Latina, mas têm um fundo de private equity no Brasil, então estão familiarizados com a região e com a tecnologia globalmente, sendo o parceiro perfeito porque conhecem a região e o mundo”, disse Nyatta.

Competição com o SoftBank

Com o fim do non-compete, os ex-executivos do SoftBank vão ativamente competir com o grupo em que atuavam. Mas, para Nyatta, trata-se mais de colaboração do que competição.

“A coisa boa sobre rodadas de crescimento é que elas não são tão competitivas porque você sempre pode colaborar. Na Série A é quando há mais concorrência nessa indústria, porque os fundos querem possuir seus 20%”, disse o executivo.

“Quando se chega às rodadas B, C e D, os fundos adoram colaborar porque é útil ter vozes diferentes ao redor da mesa diretora, e queremos ser colaborativos. Esperamos colaborar totalmente com SoftBank, General Atlantic, Riverwood, QED, empresas que investem em crescimento há muito tempo.”

Nyatta disse que há “uma grande chance de a Bicycle chegar a um portfólio com múltiplos investimentos até o final do ano”.

Questionado sobre os aportes, Nyatta disse que, embora o fundo olhe a América Latina, “se você quiser construir uma grande empresa, em algum momento precisará abordar o Brasil e o México”.

Para o fundo, há no máximo dez empresas da América Latina que são forte candidatas a estrearem no mercado de capitais nos próximos anos “se a janela abrir”.

“Para essas empresas, muitas vezes temos conversas sobre parcerias com o preço certo.”

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups