Americanas admite fraude pela 1ª vez e acusa ex-diretoria de manipulação contábil

Empresa divulga conclusões de investigação sobre a origem do rombo contábil de R$ 20 bilhões e aponta sete executivos como responsáveis; citados não foram localizados

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Bloomberg Línea — Pela primeira vez, a Americanas (AMER3) admitiu publicamente que o rombo contábil da ordem de R$ 20 bilhões deve ter sido fruto de uma fraude cometida pela administração anterior da empresa, citando sete executivos, incluindo o ex-CEO Miguel Gutierrez e três ex-diretores, em fato relevante ao mercado na manhã desta terça-feira (13).

O fato relevante é intitulado “O desligamento da diretoria afastada após o relatório demonstrar fraude nas demonstrações financeiras”.

Segundo a Americanas, os assessores jurídicos apresentaram ao conselho de administração o relatório com “achados preliminares acerca dos fatos narrados” no fato relevante de 11 de janeiro (que revelou a existência do rombo contábil).

O relatório foi baseado em documentos entregues pelo comitê de investigação independente e por documentos complementares, informou a companhia.

O relatória nomeia o ex-CEO Miguel Gutierrez, os ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles e os ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes. A Bloomberg Línea não conseguiu localizar a defesa dos executivos citados, mas segue em busca do contato.

“As demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela administração anterior da Americanas”, apontou o fato relevante.

Não há no fato relevante qualquer responsabilização dos três principais acionistas da Americanas, o trio de bilionários formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.

“Foram identificados diversos contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (VPC), incentivos comerciais usualmente utilizados no setor de varejo, que teriam sido artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da companhia como redutores de custo, mas sem efetiva contratação com fornecedores”, citou o documento.

O fato relevante acrescentou que “esses lançamentos, feitos durante um significativo período, atingiram, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$ 21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022″.

O relatório apontou que as contrapartidas contáveis em balanço patrimonial dos contratos de VPC criados ao longo do tempo, sem lastro financeiro, se deram “majoritariamente na forma de lançamentos redutores da conta de fornecedores, totalizando, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$ 17,7 bilhões em 30 de setembro de 2022. A diferença de R$ 4 bilhões teve como contrapartidas lançamentos contábeis em outras contas do ativo da companhia”.

Além disso, a Americanas citou que, como forma de gerar o caixa necessário para a continuidade das operações da varejista, a diretoria anterior da companhia contratou uma série de financiamentos nos quais o grupo é devedor perante às instituições financeiras, sem as devidas aprovações societárias, “inadequadamente contabilizadas no balanço patrimonial da companhia de 30 de setembro de 2022 na conta fornecedores”.

Início do escândalo da Americanas

Em 11 de janeiro passado, a Americanas divulgou fato relevante ao mercado em que informou a existência das tais “inconsistências contáveis” estimadas em R$ 20 bilhões e a renúncia do então recém-empossado CEO, Sergio Rial. O ex-CEO do Santander Brasil foi indicado para assumir o lugar de Gutierrez, que havia ficado 30 anos na empresa, dos quais os 20 últimos como presidente executivo.

Na ocasião, os principais bancos credores já acusavam a existência de fraude como explicação para o rombo, mas sem apresentar provas.

O conselho de administração da companhia também aprovou ontem (12) medidas para ressarcir em parte os credores, sinalizando que um acordo está próximo.

A empresa varejista, que pediu recuperação judicial (RJ) uma semana depois da revelação do rombo contábil, com dívidas próximas de R$ 43 bilhões, está na reta final das negociações para fechar um acordo com as intituições financeiras para honrar seus compromissos, segundo uma fonte a par do assunto, que pediu anonimato, pois o assunto ainda é privado.

O possível anúncio do acordo é aguardado para as próximas semanas, segundo a fonte. Ele terá de ser aprovado ainda pelos acionistas, em assembleia esperada para agosto.

Ressarcimento

O fato relevante termina com a informação de que o conselho de administração orientou a Americanas e os assessores a apresentar o relatório a todas as autoridades competentes e “avaliar as medidas visando ao ressarcimento dos danos causados pela fraude em suas demonstrações financeiras”.

No começo do mês, a Americanas já havia sinalizado que deve publicar seu balanço do quarto trimestre até agosto, em novo passo de um caso revelado ao público há cinco meses, quando mergulhou em uma crise sem precedentes de confiança, levando a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e o Congresso a se mobilizarem em procedimentos de investigação sobre as causas do rombo e da RJ.

Após a divulgação do fato relevante admitindo a fraude, visto como uma etapa rumo à conclusão das negociações com os bancos credores, as ações da Americanas disparavam mais de 10% na B3, valendo R$ 1,28 (10,35%), por volta das 11h15.

Leonardo Coelho, CEO da companhia, vai depor hoje na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que apura a possível fraude contábil na empresa. Ele está previsto para ser ouvido na Câmara dos Deputados a partir das 15h.

(Atualiza às 11h15 com cotação e informação sobre CPI)

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