Como a gig economy pode mudar o trabalho dos gestores de Wall Street

Empresas começam a oferecer flexibilidade a gestores de trabalhar diretamente para investidores, com a possibilidade de maximizar lucros

O modelo de trabalho flexível chegou ao mercado financeiro e permite que money managers criem os próprios fundos sem depender de grandes empresas
Por Aaron Brown
12 de Junho, 2023 | 04:35 PM

Bloomberg — O crescimento explosivo da chamada “gig economy” – que prega flexibilidade – é uma das tendências mais importantes a surgir no mercado de trabalho desde a crise financeira de 2008.

Empresas que oferecem compartilhamento de caronas, aluguel de imóveis de temporada e uma série de outros serviços revolucionaram os setores tradicionais. Era apenas uma questão de tempo até que o modelo de trabalho chegasse aos fundos hedge (multimercados), tornando-se o segmento de crescimento mais rápido do setor.

Se a tendência continuar, poderá ter um grande efeito sobre os mercados financeiros, facilitando o surgimento de uma variedade maior de gestores não convencionais no setor e oferecendo aos investidores um acesso melhor e mais barato a eles.

Assim como qualquer empresa desse novo modelo, as plataformas de fundos hedge conectam clientes (investidores) a prestadores de serviços (money managers). Uma característica importante é que esses prestadores podem oferecer seus serviços em várias plataformas ou trabalhar de forma independente diretamente com os investidores.

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O principal apelo para money managers é que eles não precisam escolher entre o risco e os problemas de abrir seus próprios fundos e as restrições de trabalhar para uma empresa de gestão de ativos. As plataformas oferecem muitos dos serviços centralizados e parte da segurança de ter um empregador, com a liberdade de desenvolver seu próprio negócio.

Do lado do investidor, uma plataforma com flexibilidade oferece acesso a muitos money managers novos e de nicho, que seriam difíceis e caros de encontrar se fossem fundos independentes, ou seu potencial seria esquecido se fossem funcionários de grandes fundos mistos.

A plataforma pode proporcionar uma seleção rigorosa de money managers, oferecer uma ampla supervisão de desempenho e aplicar controles financeiros e de risco rigorosos sem as despesas de um fundo que gerencie outros fundos.

Essa tendência está sendo impulsionada por fatores econômicos inexoráveis. Todos os novos investimentos líquidos em fundos de hedge estão indo para os fundos multigestores, e o restante do setor segue estável ou está encolhendo.

Os fundos hedge de estratégia única não conseguem competir por talentos com as plataformas. Os melhores gestores querem ter a liberdade de administrar seus próprios negócios, com a conveniência e a segurança de trabalhar por meio de uma grande plataforma estabelecida.

Manter a tarifa integral de desempenho sobre o desempenho individual é outro forte apelo para os melhores gestores. Em um grande fundo hedge, é preciso ter um bom desempenho pessoal e da empresa para ser remunerado como funcionário. Em troca, você recebe uma quantia confortável e mantém seu emprego por algum tempo, mesmo que seu desempenho seja ruim.

Mas os melhores gestores – e os que mais buscam riscos – preferem ser remunerados pelo desempenho pessoal, independentemente dos resultados da empresa. A desvantagem é que seu capital acaba bastante reduzido se você perder dinheiro, e você pode ser demitido rapidamente.

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A estrutura da gig economy permite o melhor dos dois mundos: tarifas integrais de desempenho sobre o desempenho individual, com a capacidade de receber dinheiro quando os fundos de hedge multigestores retiram seu capital ou o demitem.

Embora não existam atualmente plataformas de fundos de hedge com total flexibilidade, quase todos os grandes fundos de hedge multigestores, exceto o Citadel – incluindo nomes importantes como Millennium Management, Point72 Asset Management, BlueCrest Capital Management, Balyasny Asset Management e Schonfeld Strategic Advisors – empregam alguns money managers externos.

Alguns destes têm permissão para receber dinheiro de investidores não afiliados à plataforma, mas até mesmo os exclusivos acham fácil trocar de plataforma ou se estabelecer como fundos independentes.

A startup ClearAlpha Technologies foi a que mais se aproximou do modelo flexível. Sua primeira oferta é um fundo misto distribuído entre seus money managers, mas a plataforma funciona como uma bolsa de valores, combinando investidores com gestores individuais ou carteiras personalizadas, eliminando todas as despesas com intermediários.

A maioria dos grandes fundos hedge do século 20 foi fundada por pessoas com currículos duvidosos, que se destacavam mais pelo pensamento independente e por carreiras variadas do que por diplomas de prestígio, conhecimento financeiro convencional ou cargos anteriores. Esses são os fundos que transformaram os mercados financeiros e produziram retornos extraordinários.

Mas quando o negócio de fundos hedge se tornou o negócio alternativo de gestão de ativos, com capital principalmente institucional e regulamentação pesada, as coisas mudaram. Os melhores fundos se tornaram grandes demais para perseguir estratégias de novos nichos e de baixa capacidade; ou se fecharam para o capital externo para continuar com baixa capacidade.

À medida que mais fundos eram abertos por pessoas com credenciais estabelecidas no setor financeiro, os custos iniciais dos novos fundos hedge subiram para níveis que poucos gestores independentes podiam pagar.

Atualmente, pode ser difícil distinguir entre um grande fundo hedge com vários produtos e uma empresa tradicional de gestão de ativos. A promessa das plataformas para fundos hedge é abrir a alternativa para gestão de ativos para uma variedade maior de concorrentes e oferecer aos investidores acesso mais direto a estratégias novas e de nicho a um custo menor.

Isso pode oferecer oportunidades para gestores independentes sem os obstáculos de criar seu próprio fundo ou de conseguir um emprego em uma empresa estabelecida e chegar a um nível em que suas ideias possam ser implementadas.

Outro efeito da gig economy é a estabilização das estratégias dos fundos de hedge. Os fundos de hedge tradicionais tinham longas travas e períodos de aviso prévio para resgates, o que lhes permitia manter estratégias de longo prazo em mercados desfavoráveis.

Os fundos mistos tradicionais são conhecidos por retirar capital rapidamente após perdas, o que significa que o dinheiro pode desaparecer repentinamente das estratégias e classes de ativos. Os gestores da gig economy têm mais poder de permanência porque cada um busca uma única estratégia e não tem outro lugar para aplicar o dinheiro.

Ninguém ainda demonstrou que uma plataforma de fundos hedge pode atrair os melhores novos gestores, nem proporcionar retornos superiores a um custo menor para os investidores. Ninguém sequer abriu uma plataforma puramente flexível. Todos os fundos existentes dependem, pelo menos em parte, de gestores empregados.

Mas não se deve ignorar o enorme apelo do trabalho flexível. Estima-se que 75 milhões de americanos tenham feito pelo menos algum trabalho flexível. Muitos são freelancers tradicionais ou pessoas que prefeririam um emprego regular em tempo integral, mas são tratadas como prestadores de serviços para a conveniência do empregador.

Outro grande grupo faz trabalhos ocasionais e casuais por um pouco mais de dinheiro. Mas isso deixa milhões de trabalhadores flexíves que trabalham em tempo integral, tirando proveito de várias plataformas e oportunidades para criar seus próprios negócios independentes.

Os fundos hedge, com sua alta alavancagem e investimentos agressivos, são os motores das negociações e dos preços do mercado financeiro.

Se a próxima geração de gestores de fundos de hedge surgir por meio da gig economy – em vez dos empregos tradicionais em Wall Street ou da disciplina de abrir e administrar uma empresa – isso significa que um tipo diferente de pessoa estará assumindo o controle da marcha da economia. A gig economy pode mudar tudo.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Aaron Brown foi diretor operacional e chefe de pesquisa de mercado financeiro no AQR Capital Management. É autor de “The Poker Face of Wall Street.” Ele pode ter conflito de interesses nas áreas em que faz cobertura.

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