Bloomberg — O impacto da crise climática tem sido sentido intensamente neste ano em todo o mundo, de Madri a Manila.
Mas, dentro da sede da Standard Chartered, em Londres, pode levar mais uma década até que a realidade de um planeta em aquecimento seja notada - pelo menos quando se trata de certos empréstimos concedidos pela instituição financeira.
Esse é o período em que as perdas com empréstimos feitos a indústrias de alto carbono – as maiores responsáveis pelo aquecimento global – podem se tornar financeiramente relevantes para o banco.
Michael Newby-Fraser, chefe de contabilidade e neutralidade de carbono do Standard Chartered, disse que os riscos climáticos, tanto os decorrentes de eventos físicos quanto da transição para uma economia de baixo carbono, não afetarão os empréstimos do banco até 2030 a 2035.
A análise é baseada na avaliação do banco sobre as perdas de crédito esperadas, ao considerar os impactos financeiros dos cenários climáticos de alta 1,5ºC da temperatura global, feitos pela Agência Internacional de Energia e pela Network for Greening the Financial System.
Existe a possibilidade de que perdas maiores se materializem mais cedo, mas é provável que 2030 seja o “ponto de inflexão”, disse Newby-Fraser.
Em seu relatório anual de 2022 publicado no início deste ano, o Standard Chartered divulgou perdas de crédito esperadas de setores de alto carbono em sua carteira de empréstimos.
A rara divulgação foi reveladora. Para os oito setores em que as emissões são mais altas – incluindo petróleo e gás, mineração de carvão, navegação e aviação –, o banco divulgou possíveis perdas de crédito totalizando US$ 603 milhões nos primeiros nove meses do ano passado. A previsão é baseada em métricas de qualidade de crédito, como a probabilidade de inadimplência.
O banco considerou possíveis impactos financeiros nessas empresas relacionados ao clima, mas Newby-Fraser explicou que eles foram tão pequenos que o banco decidiu não incluir essa informação na análise final. Isso porque o auditor do Standard Chartered determinou que o “materiality threshold” para a empresa em 2022 era de US$ 210 milhões, ou 0,4% do patrimônio do banco. Quaisquer exposições inferiores a essas foram, então, desconsideradas.
Isso significa que, em 2022, quando as temperaturas de Londres chegaram a 40°C pela primeira vez e um terço do Paquistão ficou submerso em enchentes, os riscos climáticos foram considerados financeiramente irrelevantes para o banco.
O Standard Chartered escreveu no seu relatório que considera as alterações climáticas “um dos maiores desafios que o mundo enfrenta atualmente” e que “o seu impacto será mais forte nos mercados onde operamos, nomeadamente na Ásia, Oriente Médio e África.”
Também reafirmou sua promessa de eliminar as emissões financiadas até 2050 e cumprir sua promessa de descarbonizar seus empréstimos para indústrias de alto carbono até 2030.
Mas a principal conclusão da análise do banco é que todo o peso da mudança climática ainda não foi refletido em seu balanço. Ou, como o banco disse em seu relatório, embora considere a mudança climática “qualitativamente material”, ela ainda não é “quantitativamente material”.
Uma das principais razões para essa avaliação do banco é que a indústria de combustíveis fósseis é atualmente uma “mina de ouro”. Os preços elevados da energia levaram a maiores receitas para as empresas em setores de alta emissão de carbono e altamente poluentes, o que significa que a maioria não tem problemas de curto prazo para pagar suas dívidas.
Embora os oito setores pesados em carbono respondessem por 14,4% dos saldos de empréstimos do Standard Chartered no ano passado, eles representavam apenas cerca de 11% das perdas de crédito do banco.
E como mais de 70% dos empréstimos do banco a esses setores vencem em cinco anos ou menos, o dinheiro provavelmente terá sido reembolsado antes que os riscos climáticos comecem a minar a credibilidade das empresas, disse Newby-Fraser.
“Vemos que os riscos de transição enfrentados por esses setores estão principalmente fora dos fluxos de caixa contratuais”, disse ele. “Duas áreas de foco para ONGs são, compreensivelmente, carvão e petróleo, mas, sob uma perspectiva de fluxo de caixa, o risco de crédito dessas indústrias é geralmente baixo no curto prazo.”
Newby-Fraser reconheceu, no entanto, que, quanto mais consumidores se afastam dos combustíveis fósseis e mais legislações mundo afora restringem seu uso, pode haver uma diminuição do apelo e da capacidade de essas empresas de gerar receita e pagar os empréstimos.
E nesse caso timing é tudo. O HSBC Holdings, em seu relatório anual publicado no início deste ano, analisou como diferentes caminhos climáticos potenciais podem contribuir para perdas de crédito para seus clientes e carteiras.
O HSBC disse que a transição para a neutralidade de carbono exige mudanças fundamentais nos modelos de negócios de clientes e investimentos, o que terá um impacto na lucratividade, levando a um maior risco de crédito.
Um atraso na transição energética, disse o HSBC, “será ainda mais perturbador devido aos níveis mais baixos de inovação que limitam a capacidade de descarbonizar com eficácia e também devido ao aumento dos preços do carbono, que comprimem as margens de lucro”.
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