Bloomberg Opinion — Há uma bela ingenuidade em passar alguns anos na força de trabalho e decidir que não é algo para você e que é hora de trabalhar para sair dela. A Geração Z é a mais recente a se deparar com o movimento FIRE, que pode ser traduzido como Independência Financeira e Aposentadoria Antecipada.
Mais da metade do grupo já declara ser membro, apesar dos poucos anos na força de trabalho. Os adeptos do movimento geralmente apresentam altas taxas de poupança e investimentos combinadas com uma dedicação zelosa à frugalidade. E é aí que reside o problema.
Cerca de 37% dos membros da Geração Z que dizem fazer parte do movimento FIRE não têm nada guardado para a aposentadoria, de acordo com uma pesquisa recente da plataforma de tecnologia para o consumidor Credit Karma.
Para sermos justos, os mais velhos da Geração Z têm 27 anos e a pesquisa incluiu pessoas com 18 anos ou mais, portanto, é possível que alguns entrevistados ainda estejam na faculdade e reivindicando um movimento antes mesmo de entrar no mercado de trabalho e iniciar um plano de aposentadoria.
Mesmo com essa consideração, a noção de que 37% das pessoas que querem se aposentar mais cedo ainda não iniciaram o processo de se preparar financeiramente não parece estranha. Desinformada, com certeza. Mas não estranha. Trata-se da ilusão otimista que vem com o fato de se ter 20 e poucos anos e estar no início de uma carreira. Há uma grande quantidade de oportunidades pela frente e você poderia muito bem ganhar um salário de seis dígitos em apenas alguns anos. Trabalhar em vários empregos ou fazer sucesso como influenciador não parece estar fora do campo das possibilidades.
A realidade, porém, é que a Geração Z tem níveis de dívida estudantil 13% mais altos do que os enfrentados pelos millennials quando estes estavam se formando. E, embora as leis nos EUA tenham os ajudado a evitar as dívidas de cartão de crédito que os millennials contraíram, as ofertas no estilo Buy Now, Pay Later (“Compre agora e pague depois”, algo semelhante a uma compra parcelada) criaram a armadilha perfeita para eles na pandemia. Os níveis de dívida média total de integrantes da Geração Z aumentaram 24,3% entre 2020 e 2022, subindo de US$ 16.043 para US$ 25.851.
Por mais paradoxal que seja, lutar contra a pressão financeira aos 20 e poucos anos torna um movimento como o FIRE bastante atraente.
Cada geração anterior adotou o FIRE por seus próprios motivos.
A Geração X já havia passado um tempo considerável na força de trabalho e se desiludiu com a rotina de esforço esperada na época em que livros de autoajuda financeira e blogs de finanças pessoais popularizaram o movimento.
Os millennials herdaram um mercado de trabalho que oferecia empregos instáveis, alimentando o desejo de controlar o próprio destino, optando por sair o mais rápido possível. Essa é uma força que também é forte na Geração Z.
O FIRE normaliza, e até mesmo elogia, a discussão sobre finanças e motiva seus adeptos a continuarem a se esforçar para sair das dívidas e aumentar as taxas de poupança e investimento. Ele também une os devotos contra um inimigo comum: seu empregador.
Há muito tempo sou um cínico em relação ao movimento FIRE. Ele é sedutor, mas me pareceu bobagem porque aqueles que evangelizavam a mensagem raramente se aprofundavam em duas questões fundamentais: saúde mental e o que significa se aposentar.
A busca pela independência financeira e a aposentadoria antecipada costuma tapar o sol com a peneira. Estresse crônico, esgotamento, depressão e ansiedade são fatores que podem ser desencadeados pelo trabalho, mas o trabalho não é necessariamente a causa principal. Portanto, desistir (ou se aposentar) geralmente não é a solução.
Depois que a novidade da liberdade passa, você volta a ter os mesmos problemas de saúde mental que eram comuns em sua vida anterior. Combinar a ambição de se aposentar mais cedo com o trabalho árduo de tratar os problemas de saúde mental subjacentes ou estabelecer limites razoáveis no trabalho poderia preparar a Geração Z para uma aposentadoria antecipada mais bem-sucedida.
O segundo grande problema é a estranha interpretação de aposentadoria. Normalmente, a aposentadoria não é vista como uma transição de carreira, mas como um ponto a partir do qual você não troca mais seu tempo e trabalho por um salário.
Certamente há devotos do FIRE que se aposentam no sentido tradicional em uma idade jovem. No entanto há muitos que se “aposentam” de um emprego apenas para mudar para outra linha de trabalho que talvez se alinhe melhor com paixões e interesses criativos ou que não pague bem. Ou uma pessoa se aposenta e seu parceiro(s) trabalha, o que torna o argumento da aposentadoria complicado.
Muitas figuras notáveis do movimento FIRE ganham uma renda com o conteúdo que criam para seus blogs, podcasts e mídias sociais. Promover o FIRE já é um trabalho que lhes dá o sustento. Isso torna o objetivo original do FIRE – ter a quantia necessária para alcançar a independência financeira, parar de trabalhar e viver de suas economias – menos relevante, e não é necessariamente algo que possa ser replicado por aqueles a quem eles exaltam as virtudes do movimento.
Isso não quer dizer que o FIRE não tenha seus méritos. Economizar e investir agressivamente para seu futuro é admirável, mas parte de mim quer advertir os jovens de hoje a investir primeiro em relacionamentos e crescimento pessoal. Muitos fanáticos do FIRE adoraram a frugalidade e adiaram o prazer a tal ponto que isso significou deixar de viver ou cultivar partes de si mesmos que não resultam em lucro monetário.
Perseguir aquela promoção ou a carreira com o salário mais alto para poder sair da força de trabalho mais cedo pode significar ser uma versão menos colorida de si mesmo.
A Geração Z se daria melhor se construísse uma carreira sustentável e uma vida de que gostasse ao adotar os melhores princípios do FIRE, como fazer da poupança e do investimento uma prioridade, gastar com base em valores, pensar criticamente sobre como você quer que sua vida seja e viver mais com menos. A única maneira de ter alegria e satisfação na aposentadoria, em qualquer idade, é viver verdadeiramente sua vida até lá.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Erin Lowry é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre finanças pessoais. É autora da série “Broke Millennial”.
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