Tok&Stok: os bastidores da reação contra a empresa que pediu a sua falência

Rede varejista faz depósito de R$ 4,2 milhões para provar que pode honrar compromissos, diz que pedido da fornecedora é ’oportunista’ e reivindica indenização por danos morais

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Bloomberg Línea — Em crise financeira, a Tok&Stok contestou por meio de advogados um pedido de falência feito há pouco mais de um mês pela fornecedora de tecnologia Domus Aurea: classificou a ação como “oportunista e descabida” e uma “tentativa de pressão indevida”, segundo apontou um documento apresentado à Justiça paulista visto pela Bloomberg Línea e que a varejista quer evitar que se torne público.

A Tok&Stok também realizou um depósito especial (elisivo) no valor de R$ 4,220 milhões para provar a capacidade de honrar suas obrigações financeiras e evitar a decretação da falência pela juíza da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível da Comarca de São Paulo. A rede também pediu indenização por danos morais, sem valor definido, e a imposição de sigilo ao processo.

Em decisão tomada nesta terça (30), a juíza do caso, Clarissa Someson Tauk, concedeu um prazo de 15 dias para a Domus apresentar uma réplica à contestação da Tok&Stok (veja abaixo o que disse a empresa à Bloomberg Línea).

O depósito elisivo funciona como uma garantia que a empresa devedora oferece ao credor para mostrar que está disposta a resolver a situação e em busca de um acordo.

Na contestação, apresentada na última sexta-feira (26) pelo escritório FCDG (Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide), a defesa da Tok&Stok argumentou que, com a realização do depósito, o Poder Judiciário deixou de ser competente para processar e julgar o pedido de falência e que o litígio deve ser solucionado por meio de arbitragem, como previsto no contrato de 2019 assinado pelas partes.

A Domus assinou contrato para operar o e-commerce da Tok&Stok em 3 de setembro de 2019. Com sede em Barueri, a fornecedora cobra um débito de R$ 3,811 milhões, com base nos termos do distrato do contrato de prestações de serviços assinado pelas partes no dia 2 de maio de 2022. No último dia 14 de abril, a Domus realizou o protesto desse débito e pediu a falência da Tok&Stok.

A rede varejista de móveis apontou na contestação ter identificado “uma série de vícios que maculam a celebração do distrato” e que, por isso, deixou de pagar parcelas previstas na rescisão do contrato. Ela explicou que, devido à correção monetária, acrescida de juros moratórios e honorários advocatícios de 10% sobre o valor do débito, o depósito elisivo totalizou R$ 4,220 milhões.

A companhia também citou que, em 2 de maio de 2022, assinou um novo contrato com a prestadora de serviço e que “metas [de performance] ajustadas entre as partes não foram, efetivamente, cumpridas pela Domus, ao contrário do que havia sido por ela afirmado”. O contrato previa a prestação de serviços de gestão e desenvolvimento de tecnologia para a venda online de produtos.

Perda de R$ 100 mi com problemas operacionais

A defesa da varejista apontou quatro eventos “imprevisíveis” que teriam impactado a sua situação econômica após o contrato de 2019: “duas graves ondas da Covid-19, em 2020 e 2021, que acarretaram o crescimento das vendas on-line [área de atuação da Domus], mas comprometendo entre 80% e 90% do faturamento da Tok&Stok, em virtude do fechamento total das lojas no período”.

O segundo evento citado no documento foi: “a deterioração das condições macroeconômicas do Brasil, com o consequente aumento das taxas de juros e, por conseguinte, aumento do custo de financiamento do endividamento da empresa, que saltou de R$ 8 milhões, em 2019, para R$ 361 milhões em 2021″.

Mencionou ainda “a deterioração do setor de venda de móveis [notadamente casa & decoração], comprometendo sobremaneira a performance de vendas da Tok&Stok”.

Houve ainda a admissão de problemas operacionais apontados na contestação: “complicações na execução de projeto de migração de centro de distribuição e atualização de sistemas de controle de estoque da Tok&Stok entre 2020 e julho de 2021, ocasionando a paralisação temporária de recebimento pela companhia e de abastecimento de produtos do centro de distribuição para as lojas, causando prejuízos da ordem de R$ 100 milhões no faturamento da Tok&Stok”.

A varejista acrescentou que, em virtude do fechamento total das lojas físicas entre 2020 e 2021, o seu sistema online de vendas, operado pela Domus, passou a representar sua única fonte de faturamento.

“Essa circunstância criou uma alta dependência da Tok&Stok em relação aos serviços prestados pela Domus, que contava com o apoio de quase 200 colaboradores na área de tecnologia da Tok&Stok”, detalhou a defesa.

Novos termos de remuneração

Em meados de 2022, cinco anos antes do termo final do contrato de 2019, a Domus manifestou à Tok&Stok a intenção de encerrar a prestação de serviços, mediante a celebração de um novo ajuste, com a previsão de novas condições comerciais. Afirmou que teria atingido integralmente as metas de performance previstas no contrato de 2019, segundo a defesa da Tok&Stok.

O entendimento, segundo a varejista, previa uma remuneração fixa de R$ 29,083 milhões e um valor mensal, estabelecido de acordo com o número e senioridade dos profissionais alocados pela Domus para a prestação de serviços. Além disso, haveria, segundo o documento, uma remuneração variável, por meio de entrega de uma participação acionária da própria Tok&Stok, representada por bônus de subscrição, equivalentes a 7,5% do capital social da companhia.

“A integralidade do preço de resgate correspondia a R$ 55,172 milhões, montante equivalente ao valor das ações de todos os bônus de subscrição (7,5% do capital social da companhia) na data de celebração do contrato, com base no valuation da companhia na mesma data”, detalhou a defesa.

No contrato de 2022, os pontos mudaram, segundo a Tok&Stok, prevendo o pagamento de um preço de resgate de R$ 26,385 milhões, a ser pago em 24 parcelas mensais, sendo a primeira com vencimento em 2 de maio de 2022.

Além disso, as novas condições de remuneração à Domus, compostas por remuneração fixa, previam R$ 5,503 milhões em dezembro de 2022 e R$ 32,507 milhões em dezembro de 2023, além de uma remuneração variável, mediante a emissão de novos bônus de subscrição pela Tok&Stok.

“Ocorre que em 2023, após novas controvérsias e insatisfação com a Domus, a Tok&Stok revisou no detalhe o serviço prestado pela Domus, vinculado aos contratos de 2022, e verificou que as metas de performance não foram integralmente atingidas por ela, ao contrário do que havia sido afirmado (...) a Tok&Stok obrigou-se a pagar valores que, na realidade, são manifestamente desproprocionais à contraprestação estabelecida no negócio, gerando, inclusive, o enriquecimento sem causa da Domus”, mencionou a defesa da Tok&Stok na contestação.

A varejista justificou a suspensão dos pagamentos (das 9ª, 10ª e 11ª parcelas, referentes aos meses de janeiro, fevereiro e março deste ano) citando “a desvalorização de mais de 70% das ações da companhia e da descoberta de que as metas de performance não haviam sido efetivamente cumpridas pela Domus - questões que foram debatidas entre as partes nas reuniões realizadas”.

Acordo ou arbitragem, diz a Tok&Stok

“Atualmente são dois os cenários possíveis: ou as partes serão capazes de celebrar um acordo e encerrar o tema extrajudicialmente ou a necessária revisão das condições previstas em contrato celebrados será objeto de disputa arbitral, fundada no desequilíbrio contratual, que impôs prestações excessivamente onerosas à Tok&Stok, bem como nos evidentes vícios de lesão e coação que maculam a celebração dos contratos de 2022″, indicaram os advogados da Tok&Stok.

Perdas e danos por falta de sigilo

Ao pedir indenização por perdas e danos e a imposição de sigilo no processo, a varejista argumentou que “o mero requerimento da falência gera um dano severo para sua imagem, porque transmite ao mercado uma preocupação indevida com a situação financeira da empresa. Como é notório, os pedidos de falência são analisados pelos bancos e outras entidades com as quais a Tok&Stok diariamente lida no curso habitual dos negócios, o que prejudica e encarece a obtenção de crédito, inclusive junto a fornecedores”.

A defesa da companhia também mencionou que as notícias sobre o pedido de falência “fragilizam a sua relação tanto com fornecedores como com seus consumidores” e que a empresa “tem enfrentado grande dificuldade com a obtenção de garantias para os seus compromissos financeiros, comprometendo significativamente o seu caixa, como, por exemplo: fianças para os aluguéis de suas lojas e garantias recursais em demandas trabalhistas”.

Segundo a defesa, o único objetivo do pedido de falência é “pressionar a Tok&Stok, ameaçando-a com os efeitos nocivos da publicidade de tranmitação deste pedido de decretação de falência, e que a Domus maliciosamente deixou de requerer que estes autos tramitassem de forma sigilosa”.

A contestação é assinada por cinco advogados do escritório FCDG Advogados, um dos mais concorridos do país na área de contencioso. A Domus é representada pelo escritório Monteiro de Castro Setoguti.

No pedido de falência, a Domus disse que as metas de retenção, atração e performances previstas estavam sendo cumpridas e que a Tok&Stok tinha se compromemtido a pagar R$ 26,385 milhões em 24 parcelas mensais, iguais e consecutivas (R$ 1,229 milhão cada), acrescida de correção por 100% do CDI.

Domus diz que vai se defender

A Bloomberg Línea contactou o sócio-diretor da Domus, Leonardo Gasparin, por e-mail. Ele disse que a empresa vai apresentar defesa e divulgou um comentário elaborado pela defesa da empresa.

“A Domus manifesta surpresa com a defesa apresentada. Até então as alegações de descumprimento de metas e desequilíbrio econômico nunca haviam sido invocadas em qualquer negociação. O simples fato de serem apresentadas mais de um ano após a celebração dos contratos, sem qualquer prova das alegações, e após a Domus pleitear judicialmente o seu cumprimento mostra o oportunismo da medida”, escreveram os advogados da Domus.

A mensagem acrescentou que “a Tok&Stok é uma gigante do varejo, controlada por grandes players do mercado e foi assessorada por sofisticadas bancas de advocacia na celebração dos contratos que agora se nega a cumprir”.

O email faz referência indireta ao fundo americano de private equity Carlyle, que comprou 60% da varejista em 2012 por R$ 700 milhões e que representado no Brasil desde 2021 pela gestora SPX Capital, que evita comentar o assunto.

“A alegação de que fora coagida a assinar um contrato com uma prestadora de serviços de consultoria com poder econômico muito inferior ao seu não é sequer crível. A Domus tem a convicção de que o Poder Judiciário determinará que a Tok&Stok cumpra os contratos que assumiu e lamenta a postura oportunista da varejista, que traz insegurança a todos os seus credores e parceiros”, concluiu a Domus no e-mail enviado à Bloomberg Línea em que conteste a tese da Tok&Stok à Justiça paulista.

A assessoria de imprensa da varejista informou que a companhia não vai se pronunciar sobre a contestação apresentada à Justiça.

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