Febre do cobre: era do carro elétrico atrai US$ 95 bi em projetos na América Latina

Chile, Peru e Argentina, com o Brasil mais atrás, lideram onda de investimentos de mineradoras e montadoras na região até o fim da década, e pode não ser suficiente

Transporte de cobre em mina no Chile, principal país produtor: metal ganha novo status com corrida pela eletrificação (Foto: Cristobal Olivares/Bloomberg)
30 de Maio, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg Línea — Metal fundamental no setor de infraestrutura, o cobre está ganhando um novo status com o acelerado crescimento das vendas de carros elétricos no mundo. Além das mineradoras, a indústria automotiva eleva a aposta em projetos de cobre na América Latina para garantir suprimento de matéria-prima para veículos eletrificados. E, apesar do movimento de expansão para o setor de mineração, os investimentos podem ser insuficientes para suprir a demanda que está por vir.

De 2023 a 2029, os investimentos estimados em 68 projetos de cobre na região somam US$ 95,4 bilhões, segundo levantamento da KPMG a pedido da Bloomberg Línea. Chile, Peru e Argentina lideram em valores, respectivamente. México, Equador e Brasil vêm em seguida.

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De acordo com o estudo da consultoria global, é esperada uma queda global da produção de cobre a partir de 2024 devido a uma redução dos volumes produzidos nas minas já em operação – fenômeno conhecido como depletion –, o que deve gerar um déficit de 5,1 milhões de toneladas até 2030 diante de uma demanda anual de 28,4 milhões de toneladas mundialmente.

Segundo a KPMG, os 20 principais projetos de cobre em desenvolvimento na América Latina têm o potencial de suprir parcela importante desse déficit. Mas não de eliminá-lo por completo.

Número de projetos de exploração de cobre na América Latina (Fonte: Bloomberg Línea com dados da KPMG)

Para Adriano Levi, sócio de estratégia e assessoria em transações para as indústrias de recursos naturais e energia da KPMG, houve falta de sincronismo entre as últimas ondas de investimentos em projetos de cobre e a demanda atual, que decorre de uma movimentação relativamente rápida de transição energética.

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“Historicamente, o cobre é utilizado em construção, telecomunicações e equipamentos industriais. Agora, estamos vendo um forte impulso de demanda com a transição energética, já que o metal tem grande condutividade e tem sido aplicado em projetos de energias renováveis e veículos elétricos”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.

Gigantes da mineração estão conduzindo projetos relevantes de cobre na América Latina. É o caso da brasileira Vale (VALE3), que, além de deter os principais ativos do metal no Brasil, busca oportunidades no Peru. A britânica Anglo American, a australiana BHP e a estatal chilena Codelco também se destacam nessa corrida.

No Brasil, empresas de nicho como a Ero Copper, com operação na Bahia e sede em Vancouver, no Canadá, e a britânica Appian Capital, com operação em Alagoas, também apostam no negócio.

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“A mineração tem um ciclo relativamente longo, que começa com a pesquisa e depois evolui para a comprovação das reservas e os licenciamentos. Independentemente do país, é um desafio. Para um projeto entrar efetivamente na fase de produção pode levar de 10 a 15 anos”, explicou o sócio líder de mineração da KPMG, Ricardo Marques.

Marques disse que as condições de mercado para a mineração não estão tão favoráveis, o que pode impactar novas prospecções de cobre. “A oferta de diversos tipos de minério não necessariamente vai acompanhar a demanda gerada pela transição energética.”

Otavio Costa, portfolio manager da Crescat Capital, com sede em Denver, nos Estados Unidos, apontou outro desafio: a falta de mão-de-obra especializada. Segundo ele, atualmente há uma escassez de geólogos no mercado global, reflexo do período de baixa da mineração há pouco mais de uma década.

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O gestor explicou que a indústria da mineração é dividida em três partes: exploração, desenvolvimento e produção, sendo os geólogos de suma importância para dar o pontapé inicial aos projetos.

“A falta de mão-de-obra leva a ineficiências no setor, o que é agravado pela escassez de capital no mercado”, avaliou.

Mas, apesar do ambiente desafiador, operações de cobre ganham valor crescente. Levi destacou que a Vale decidiu vender uma fatia da sua unidade de metais básicos de olho no aumento súbito de demanda pela indústria automotiva. A gigante suíça de commodities Glencore também estaria de olho na divisão de metais básicos da mineradora canadense Teck Resources com a mesma finalidade.

(Fonte: Bloomberg Línea com dados da KPMG)

Indústria automotivai também investe

Segundo o diretor da Bright Consultoria Automotiva, Murilo Briganti, o cobre representa cerca de 10% dos minerais presentes nas baterias dos carros elétricos. Ele explicou que o cobre é responsável por conduzir a eletricidade da parte externa da bateria para a interna, e vice-versa, daí a sua importância.

Em 2022, 13% das vendas globais de carros novos eram de modelos eletrificados. Atualmente, esse patamar está em cerca de 18%. E a tendência é o aumento a cada ano.

Nesse contexto, as grandes montadoras de automóveis também entraram na corrida pelo fornecimento de cobre. No fim de fevereiro, a Stellantis (STLA), grupo das marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citröen, anunciou um investimento de US$ 155 milhões em um projeto de cobre na Argentina.

O CEO do grupo para a América do Sul, Antonio Filosa, afirmou na ocasião em entrevista para a Bloomberg Línea que o plano de expansão da oferta de veículos elétricos considera a busca por mais ativos de cobre e lítio, matérias-primas usadas na eletrificação da frota.

“Assim como o cobre, o lítio também nos interessa muito no futuro. Estamos olhando ‘360 graus’ para as oportunidades, fazendo análise de risco sobre o abastecimento dessas matérias-primas exigidas diretamente na produção de baterias”, disse Filosa à Bloomberg Línea.

A Stellantis acordou a aquisição de uma participação acionária de 14,2% na McEwen Copper, subsidiária da mineradora canadense McEwen, que possui os projetos Los Azules, na Argentina, e Elder Creek, no estado de Nevada, nos Estados Unidos. Com a transação, a montadora passa a ser a segunda maior acionista da McEwen Copper’s ao lado da gigante anglo-australiana de mineração Rio Tinto.

O executivo destacou ainda que o grupo avalia oportunidades de reservas no Brasil, no Chile, na Argentina e outros países da América do Sul.

(Fonte: Bloomberg Línea com dados da KPMG)

Levi, da KPMG, observou que há, de fato, um movimento de verticalização na indústria automotiva para garantir matéria-prima não só por meio de compra direta de participação em projetos de mineração mas também por meio do estabelecimento de contratos de longo prazo para fornecimento. “Não víamos tanto esse movimento no passado, mas hoje isso já é bem mais comum”, disse.

Em fevereiro, a General Motors (GM) anunciou um investimento de US$ 650 milhões em uma empresa que promete explorar lítio no estado de Nevada, nos Estados Unidos. A Tesla também estaria avaliando ativos de mineração de lítio da empresa Sigma no Brasil, segundo apurou a Bloomberg News.

Investimentos no Brasil

Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), o potencial do cobre no Brasil encontra-se principalmente na região de Carajás, no Pará. Outras importantes áreas potenciais a serem exploradas estão na Província Mineral Juruena, no Mato Grosso, no Arco Magmático Goiás, em Goiás e Tocantins, e no Distrito Cuprífero do Vale do Curaçá, na Bahia.

De acordo com a autarquia, as principais empresas produtoras de cobre no Brasil são a Vale, no estado do Pará, a Lundin Mining, em Goiás, e a Ero Copper, na Bahia e no Pará. Hoje, existem diversos projetos com expectativa de expansão da produção no país. São 3.289 processos de autorização de pesquisa e 41 processos de concessão de lavra de cobre que tramitam atualmente na agência.

A ANM informou, porém, que algumas minas de cobre no Brasil estão próximas à exaustão.

Segundo a coordenadora de Assuntos Minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Aline Nunes, há projetos antigos de cobre que têm sido retomados diante da alta da demanda global.

De 2022 a 2026, a expectativa de investimentos em projetos de cobre no Brasil era de US$ 1,3 bilhão, segundo monitoramento do Ibram. Agora, a projeção saltou para US$ 4,5 bilhões entre 2023 e 2027.

Apesar do movimento positivo, a coordenadora do Ibram fez a ressalva de que existem desafios no segmento. “Temos gargalos para desenvolver a pesquisa mineral e quantificar o tamanho das reservas. Não vemos mudanças rápidas nesse sentido.” Segundo ela, hoje o Brasil tem uma carteira de 10 projetos na área de cobre nas mãos das principais mineradoras do ramo.

No mundo, as maiores reservas de cobre estão no Chile, seguido de Peru, China e Estados Unidos, segundo dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês).

Embora a proximidade com grandes países produtores de cobre possa sugerir que a formação geológica brasileira seja similar, Nunes explicou que os depósitos do mineral variam muito em pequenas distâncias. “O Brasil não figura entre os principais produtores globais, mas há regiões promissoras”, disse.

Uma delas é a região amazônica que ficou conhecida como Reserva Nacional do Cobre e seus Associados (Renca), criada na década de 1980 durante o regime militar para concentrar a pesquisa mineral nas mãos da empresa pública de mineração (CPRM).

Localizada no Pará e no Amapá, a área de aproximadamente 47 mil quilômetros quadrados - equivalente ao estado do Espírito Santo - possui grande potencial de depósitos, relatam especialistas. Mas questionamentos de sua exploração nunca permitiu que a atividade avançasse de fato.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que enfrenta uma batalha em torno da exploração de petróleo na Foz do Amazonas pela Petrobras (PETR3, PETR4), pode ter que lidar com mais um embate sobre recursos minerais na Amazônia. Segundo noticiou o jornal O Estado de S. Paulo na semana passada, parlamentares da região querem retomar as discussões para liberar a mineração na Renca.

Para a dirigente do Ibram, entretanto, não há previsão para tirar e exploração da reserva do papel. “Temos desenvolvimento de pesquisa em outras áreas do Pará”, disse.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.