Bloomberg — Raramente um rali de ações impulsionado pelos ativos de tecnologia não é criticado pela fragilidade de sua base. Desta vez, com a “febre” cada vez mais intensa da Inteligência Artificial (IA) praticamente sustentando o mercado por si só, os críticos estão em peso.
Nunca tão poucas ações suportaram tanto a composição de índices como o S&P 500 e o Nasdaq 100, sobre os quais trilhões de dólares investidos passivamente estão apoiados.
O peso do avanço, exibido durante todo o ano, pode ser visto na comparação do Nasdaq 100 com uma versão do mesmo índice que elimina seus vieses de valor de mercado. O índice ponderado por igual, que trata a Apple (AAPL) da mesma forma que a loja de descontos Dollar Tree (DLTR), ficou 16 pontos percentuais atrás do índice de referência padrão desde janeiro. No S&P 500, a versão não ponderada perde pela maior margem desde o início dos dados da Bloomberg em 1990.
Para grande parte dos especialistas em mercados, a situação está repleta de riscos: o que acontecerá com o mercado quando a animação em torno da IA terminar? Peter Tchir, chefe de estratégia macro da Academy Securities, vê a situação de forma diferente. Aderir a alguns pesos pesados das bolsas é apenas a forma de os investidores “serem racionalmente seletivos”.
“O desempenho relativo de vários setores faz sentido para mim”, disse ele. “Estou observando a falta de amplitude, mas isso não me incomoda muito no momento.”
Impulsionado por um ganho de cerca de US$ 190 bilhões na Nvidia (NVDA) em market cap, o Nasdaq 100 sobe há cinco semanas seguidas, superando outros índices em meio a preocupações latentes sobre o aumento das taxas de juros pelo Federal Reserve e uma recessão iminente.
Graças a uma excelente previsão de vendas da Nvidia revelada na semana passada, as sete maiores ações de tecnologia – incluindo a Microsoft (MSFT), a Alphabet (GOOGL), a Amazon (AMZN), a Meta (META) e a Tesla (TSLA) – adicionaram um valor combinado de US$ 454 bilhões em cinco dias, levando o S&P 500 a um segundo ganho semanal consecutivo.
Com um aumento formidável de 43% desde janeiro, o ganho médio dessas chamadas Big Seven é quase cinco vezes maior que o do S&P 500. Os valuations parecem inflados, com um múltiplo preço-lucro (PL) de 35 vezes que está 80% acima da média do mercado.
“Essas empresas são boas. Elas não estão indo à falência. Mas as pessoas estão começando a pagar preços exorbitantes por elas. Parece um frenesi”, disse Michael Mullaney, diretor de pesquisa global da Boston Partners. “Se a liderança fosse composta por empresas ruins, como vimos em 2000, o jogo acabaria muito em breve.”
Os avisos de que esse tipo de concentração incinerará o mercado acionário mais amplo têm sido uma característica recorrente dos comentários ano após ano.
O mais recente veio do estrategista-chefe do Morgan Stanley (MS), Michael Wilson, que citou esse fato como um dos motivos pelos quais o avanço das ações é insustentável.
No entanto, historicamente, abandonar o mercado por causa da fraca amplitude é a coisa mais distante de uma estratégia segura de trading.
Embora o domínio extremo do setor de tecnologia no final da década de 1990 tenha preparado o cenário para o estouro da bolha das “ponto-com”, houve um total de 15 anos nas últimas três décadas em que o S&P 500 ponderado por igual ficou atrás da versão ponderada por capitalização. Entre eles, apenas três deram lugar a perdas 12 meses depois. Em 1998, quando a diferença entre os dois aumentou para 16 pontos percentuais, as ações continuaram subindo por mais um ano.
Em outras palavras, não há nenhum motivo óbvio para esperar que um mercado desequilibrado signifique uma desgraça iminente. Em vez disso, geralmente é uma piora no cenário fundamental que muda a maré e, quando isso acontece, nem mesmo as empresas mais robustas conseguem se manter.
O desempenho superior das big techs atualmente é um vendaval de ventos favoráveis, que vão desde o otimismo com a IA até lucros melhores do que o esperado e uma fuga para ativos seguros. O otimismo de que um acordo sobre a dívida dos EUA seria alcançado também reforçou o sentimento na sexta (26).
Bill Harnisch, diretor de investimentos da Peconic Partners, cujo fundo subiu 19% neste ano até quinta (25), cobriu posições vendidas na Microsoft no início deste ano e aumentou as posições compradas na Amazon e na Alphabet.
Embora a inflação rígida e a continuidade da política monetária restritiva sugiram que o mercado provavelmente recuará em relação às altas recentes nos próximos meses, ele espera que essas gigantes da tecnologia continuem sendo um porto seguro para os investidores.
“As pessoas preferiram essas sete empresas porque as chamamos de crescimento garantido”, disse Harnisch. “Não acredito que estejamos perdendo nada no mercado. É simplesmente incrível o que está acontecendo nos bastidores. E se a IA for o que todos nós achamos que será, haverá muitas oportunidades além da Nvidia”, afirmou.
Um grupo para o qual essa corrida oligárquica está criando problemas é o dos analistas. Em cinco meses do ano, apenas 33% dos fundos mútuos de grande capitalização estão superando seus índices de referência, em comparação com uma média histórica de 38%, de acordo com dados compilados por estrategistas do Goldman Sachs (GS), incluindo Cormac Conners e David Kostin.
Eles atribuem o desempenho a uma aversão crônica às megacaps de tecnologia, uma postura que se deve, em parte, a uma regra da Securities and Exchange Commission dos EUA (órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários brasileira), que limita a 5% a participação de um fundo em uma única ação.
Para todos os demais – de compradores passivos a fundos hedge –, o ganho incessante das Big Seven não é um problema ou é um caminho para uma riqueza relativa. Os fundos hedge - equivalentes aos multimercados no Brasil - aumentaram suas participações para 16% de sua exposição líquida total a uma única ação, em comparação com 9,7% no início do ano, segundo dados do Goldman.
De certa forma, a ansiedade em relação à ascensão das ações do setor de tecnologia reflete o pessimismo predominante entre os investidores que continuam procurando motivos para desconfiar da alta das ações. No entanto, apesar de todas as armadilhas que se apresentam ao mercado – recessão, queda nos lucros, um Federal Reserve agressivo –, as ações têm perseverado. Isso se deve, em parte, ao fato de que a postura muito pessimista deixa o mercado propenso a mais altas.
“Apontamos a falta de amplitude do mercado e os riscos relacionados à aglomeração e à concentração”, escreveu Bobby Molavi, diretor administrativo do Goldman, em nota. “Então, percebemos que as pessoas estão se posicionando mal e querendo que o mercado caia, e que, por enquanto, como tem sido o caso em grande parte de 2023, o mercado não dará esse gosto aos críticos”.
--Com a colaboração de Jessica Menton.
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