Como a Arábia Saudita aposta em Messi e CR7 para tentar mudar sua imagem

Reino elegeu o esporte como um dos principais vértices de seu plano de soft power para atrair turistas e ampliar sua influência, a despeito de histórico no campo de direitos humanos

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Bloomberg — O orçamento da Arábia Saudita para usar personalidades da cultura popular ocidental para aumentar sua estatura e influência no cenário global poderá em breve aumentar em mais nove dígitos.

Segundo informações de mercado, o reino está disposto a pagar ao jogador argentino Lionel Messi US$ 400 milhões por ano. Embora seja uma quantia enorme, mesmo para os padrões inflados do futebol, essa é apenas a mais recente de uma série de ações dos governantes do país, que estão investindo bilhões de dólares em esportes, arte e música.

A Arábia Saudita espera que os gastos, impulsionados pela receita excedente de seu papel como o maior exportador de petróleo do mundo, animem sua crescente geração mais jovem e turbinem seu setor de turismo.

Críticos dizem que os esforços têm como objetivo melhorar uma imagem internacional prejudicada por uma guerra brutal no Iêmen e pelo assassinato do dissidente saudita Jamal Khashoggi em 2018.

O próprio príncipe herdeiro Mohammed bin Salman supervisiona essa estratégia de soft power e, ao mesmo tempo, gasta bilhões para desenvolver as capacidades militares da Arábia Saudita. O país hoje tem o quinto maior orçamento de armas do mundo e busca um caminho diplomático mais oportunista que repetidamente coloca Riad em desacordo com Washington.

“É uma guinada completa do reino”, disse Kristin Smith Diwan, acadêmica residente sênior do Arab Gulf States Institute em Washington. “Eles querem convencer as pessoas de que é um lugar acolhedor, não ameaçador.”

Aposta no esporte

A magnitude dos gastos tornou a Arábia Saudita impossível de ser ignorada pela elite política e empresarial do mundo.

A economia do reino foi uma das que mais cresceram no G20 (grupo que reúne 20 das maiores economias do mundo) no ano passado, impulsionada pelos preços mais altos do petróleo em aproximadamente uma década, e agora possui o sétimo maior fundo soberano do mundo, aplicando bilhões no país e no exterior.

Os ativos esportivos estão no topo da lista de compras.

No fim de 2022, o astro do futebol Cristiano Ronaldo, conhecido também como CR7, assinou um contrato com o clube Al-Nassr FC no valor de US$ 200 milhões por ano.

Pouco mais de um ano antes, o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita liderou um consórcio que adquiriu o Newcastle United FC, clube de futebol da Premier League inglesa, por mais de 300 milhões de libras (US$ 373 milhões).

A Arábia Saudita está considerando uma proposta conjunta para sediar a Copa do Mundo da Fifa de 2030, depois de testemunhar o recente sucesso do torneio no vizinho Catar.

O fundo também destinou bilhões de dólares para financiar o torneio LIV Golf, que atraiu estrelas como Phil Mickelson e Dustin Johnson, e no ano passado considerou uma proposta de US$ 20 bilhões para adicionar a Fórmula 1 ao seu crescente portfólio de investimentos esportivos.

Em outros lugares, estabelecimentos em Jeddah e nos arredores de Riad e Jeddah já sediaram lutas de boxe com a participação de lutadores, desde os campeões pesos pesados Anthony Joshua e Oleksandr Usyk até os lutadores em ascensão Jake Paul e Tommy Fury.

“O esporte é essencial para o que a Arábia Saudita está fazendo à medida que avança em direção a um mundo menos dependente das receitas do petróleo”, de acordo com Simon Chadwick, professor de esporte e economia geopolítica na Skema Business School, de Paris.

A Arábia Saudita quer que o turismo represente 10% do seu Produto Interno Bruto em 2030, quando espera atrair 100 milhões de visitantes por ano.

Em 2022, o reino recebeu cerca de 16 milhões de visitantes, incluindo turistas, viajantes a negócios, pessoas que vêm visitar parentes que residem no país e muçulmanos estrangeiros que peregrinam a Meca, disse um representante da Autoridade de Turismo Saudita em entrevista neste mês.

Aposta nas artes também

Para atingir sua meta, a Arábia Saudita tem buscado ir também além dos esportes. O país tem gastado muito para criar um setor de entretenimento e lazer do zero, trazendo desde uma exposição de Andy Warhol e uma bienal de arte e concertos de música eletrônica no deserto até restaurantes de chefs famosos em Riad e parcerias com as melhores escolas de culinária.

Os hotéis de alto padrão Aman Resorts e Banyan Tree já foram atraídos para Al-Ula, uma antiga cidade oásis no noroeste da Arábia Saudita que está sendo transformada em um destino de viagens de luxo com um orçamento de US$ 35 bilhões. Os ícones pop Alicia Keys, Mariah Carey e John Legend se apresentaram recentemente na cidade.

Phillip Jones, diretor de turismo da Royal Commission for Al-Ula do país, disse que, embora alguns artistas ainda se recusem a visitar o reino, há outros que estão na Arábia Saudita em busca de oportunidades de investimento. “Eles reconhecem que o país está prestes a explodir em termos de crescimento da capacidade financeira”, disse ele.

E não se trata apenas do setor privado. Nos últimos anos, o Reino Unido e a França assinaram acordos de cooperação cultural com a Arábia Saudita.

Histórico de direitos humanos

O repentino fluxo de eventos esportivos e culturais é popular no país, que até pouco tempo atrás aplicava regras que proibiam homens e mulheres de se misturarem em público.

Essa mudança drástica coloca a estratégia da Arábia Saudita em “uma escala muito maior” do que a de seus vizinhos do Golfo, como os Emirados Árabes Unidos, que também se abriram para a cultura ocidental, de acordo com Lina Khatib, diretora do SOAS Middle East Institute.

Mas nem todos acreditam na promessa. Ativistas dizem que a Arábia Saudita está desviando a atenção de um histórico de não respeitar a liberdade de expressão e outros direitos humanos.

“Fico feliz que essas mudanças estejam acontecendo, mas isso dá uma falsa impressão do nosso país”, disse Lina Al-Hathloul, chefe de monitoramento e defesa do grupo de direitos humanos ALQST, com sede em Bruxelas, sobre a estratégia do soft power.

Ela afirma que, assim que essa estratégia de usar a cultura, os esportes e as artes para reabilitar a reputação do príncipe herdeiro e atrair investidores e visitantes ocidentais gerar dividendos, “as violações indicadas não serão mais válidas”.

A irmã de Lina Al-Hathloul, Loujain Al-Hathloul, uma proeminente ativista dos direitos das mulheres na Arábia Saudita, foi presa em 2018 e posteriormente encarcerada sob a acusação de incitar a mudança de regime e procurar atender a agendas estrangeiras. Ela foi libertada em 2021, mas não pode viajar.

A metamorfose de Al-Ula é apenas um projeto que alimenta o ambicioso plano Visão 2030 de Mohammed bin Salmanpara reformular a economia da Arábia Saudita – algo que não é universalmente bem recebido dentro do país.

Membros da tribo Howeitat foram presos por resistirem a despejos forçados ligados ao gigantesco projeto da megacidade Neom e correm o risco de serem condenados à pena de morte, disse o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em um comunicado em 3 de maio.

Um representante do projeto não quis comentar. O Centro de Comunicações Internacionais do governo saudita não respondeu aos pedidos de comentários.

No início deste mês, Fahd Hamidaddin, CEO da Autoridade de Turismo da Arábia Saudita, liderou um grande contingente que participou da exposição anual Arabian Travel Market em Dubai. Ele disse que era apenas a terceira vez que a Arábia Saudita participava da feira comercial lançada há 30 anos.

Hamidaddin sentou-se em frente a uma tela grande que exibia imagens de um Messi sorridente na posição de embaixador do turismo saudita. O jogador de futebol e sua família foram mostrados tecendo cestas, acariciando cavalos e brincando em parques de diversões durante uma visita ao reino.

“Para os céticos, se quiserem dizer coisas sobre a Arábia Saudita, eu os incentivo a ver o que estamos fazendo antes”, disse Hamidaddin no evento.

- Com a colaboração de Matthew Martin, David Hellier eNikki Ekstein.

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