Ele foi o investidor mais temido de Wall St. E quer revidar após perder US$ 15 bi

Em sua mansão perto de Miami, o bilionário Carl Icahn, 87 anos, diz à Bloomberg News que está ansioso para enfrentar a Hindenburg Research depois do ataque à sua empresa

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Bloomberg — Carl Icahn não se importa com o que as pessoas pensam.

Ele diz não se importar se algum sujeito está falando mal dele.

Ele não se importa com o fato de que ele mesmo, o lendário Carl Icahn, o bilionário Lobo Solitário de Wall Street, acabou de provar do próprio remédio e que alguém está fazendo com ele o que ele fez com tantos outros por tanto tempo – acusando-o de administrar mal sua empresa e de decepcionar os acionistas.

Icahn, um dos modelos para o ganancioso personagem Gordon Gekko do filme Wall Street – Poder e Cobiça, falou à Bloomberg News de sua mansão à beira-mar perto de Miami.

“É um jogo difícil – muito difícil”, disse Icahn. E um jogo que Icahn, aos 87 anos, ainda parece gostar.

Icahn admite uma coisa: ele não esperava por isso.

A Hindenburg Research, administrada por Nate Anderson, de 38 anos, está de olho na Icahn Enterprises (IEP) e acusou o investidor de erros custosos e até má conduta. Pior ainda, acusou-o de algo que, para Icahn, é um pecado corporativo mortal: desempenho ruim.

Quase três semanas se passaram desde que Susan Gordon, assistente executiva e agente de Icahn desde os anos 90, contou a notícia. A Hindenburg havia apresentado a tese de que as ações estariam significativamente supervalorizadas em relação às suas participações subjacentes e que os altos dividendos da empresa – um grande atrativo para os investidores – não eram sustentáveis.

O relatório de Anderson fez o patrimônio líquido despencar na casa dos bilhões. E Icahn, que passou a vida entrando e saindo de diretorias, conseguiu evitar as perguntas desconfortáveis. Em uma declaração, sua empresa disse que o relatório da Hindenburg era “egoísta”.

‘Você vai incomodar muita gente’

Icahn não quer falar sobre o assunto, pelo menos publicamente. Em uma entrevista de 90 minutos com a Bloomberg News em 21 de maio, ele se recusou a falar diretamente sobre a Hindenburg e seu relatório. Sim, é uma dor de cabeça, disse. Mas Icahn insiste que tem outras coisas em mente. Entre elas: seu mais recente alvo, a empresa de sequenciamento de genes Illumina (ILMN). Segundo ele, o negócio ainda está progredindo.

“Se você for atrás de pessoas muito poderosas, vai incomodar muita gente”, disse Icahn. “Se é algo que te incomoda, não deveria estar neste negócio.”

Ele admitiu ter cometido pelo menos um erro dispendioso: perdeu US$ 9 bilhões nos últimos anos ao apostar – incorretamente – que os mercados financeiros iriam quebrar.

Icahn, que contatou seu consultor jurídico geral, dizsseque cometeu um erro ao tentar prever os mercados. Afirmou que aprendeu a lição e voltou a reorganizar as empresas em que investe.

“Eu me afastei do que realmente faço de melhor”, disse Icahn. “Sim, eu poderia ter sido mais rico.”

Atualmente, Icahn passa a maior parte do tempo em sua mansão no enclave da ilha privada de Indian Creek, a nordeste do centro de Miami. Os moradores locais chamam a ilha de Billionaire Bunker. Jared Kushner e Ivanka Trump são seus vizinhos, assim como o investidor de fundo hedge Eddie Lampert. A segurança patrulha o local de barco. Na semana passada, um guarda – um dos cerca de 20 funcionários que vigiam as cerca de 30 mansões – prontamente afastou um repórter da área.

Icahn disse que continua jogando tênis, tomando coquetéis, assistindo filmes. Às vezes, ele parece quase melancólico, falando sobre suas antigas façanhas. Em outros momentos, parece que está ansioso por novas jornadas. Certa vez, enquanto jantava um filé de linguado, ele e seu filho Brett, herdeiro presumido da Icahn Enterprises, falavam sobre as possibilidades da IA (Inteligência Artificial).

“As pessoas me perguntam: ‘o que você acha?’ Pode parecer estranho, mas isso não me afeta muito. É a minha natureza”, disse Icahn.

‘O Bilionário Incansável’

É um estranho momento de colapsos em Wall Street. As manobras de Icahn na TWA, na RJR Nabisco, na Marvel, na Texaco e na Blockbuster – entre muitas outras – passaram da história para a lenda e para o quase mito. Antigamente, ele era considerado um invasor de empresas.

Hoje, ele e sua turma preferem um termo mais suave: investidor ativista. Somente no ano passado, um documentário da HBO (Icahn: O Bilionário Incansável) celebrou a vida e a época de uma figura que, em seu auge, era a mais temida entre os CEOs das empresas americanas.

Quem conhece Icahn acredita que essa mudança machucou.

“Ele nunca foi humilhado dessa forma”, disse Mark Stevens, biógrafo de Icahn e fundador da empresa de consultoria MSCO.

Icahn sempre gostou de atacar o establishment corporativo. “Era como quebrar tacos de golfe e colocar vinagre em seus coquetéis”, disse Stevens, “e a Hindenburg fez isso com ele”.

Para os inimigos de Icahn – que não são poucos –, a bomba da Hindenburg parece uma punição há muito esperada.

“Há uma qualidade cármica nesse breve relatório que reforça a noção de um círculo de vida e morte”, tuitou o bilionário de fundos hedge Bill Ackman quando o relatório foi publicado. Ackman, de 57 anos, ficou famoso por brigar com Icahn há uma década por causa da Herbalife e acabou perdendo uma fortuna. Icahn e Ackman se recusaram a falar sobre sua briga ou sobre o outro.

A Hindenburg não quis comentar para além de seu relatório. Mas considerou a resposta de Icahn até o momento uma vitória. As ações da Icahn Enterprises caíram 43% desde 1º de maio.

Década perdida

É difícil falar sobre o desempenho morno de Icahn nos últimos tempos. Foi uma década perdida para as ações da Icahn Enterprises. A cotação caiu mais de 60% nos últimos 10 anos, enquanto o S&P 500 ganhou 153%. Os dividendos compensaram parte da diferença: a Icahn Enterprises proporcionou aos acionistas um retorno total de cerca de 6%. Mas o S&P teve um retorno perto de 206%.

Icahn disse que tem recebido uma “enxurrada” de apoio dos acionistas desde o relatório da Hindenburg. “Muitos e-mails são de incentivo.”

A companhia aberta possui participações em diversos negócios em setores que vão de energia a alimentos e imóveis, bem como as armas não tão secretas de Icahn: os fundos de investimento privados que ele usa para realizar suas campanhas ativistas.

Esses fundos compram empresas para que Icahn possa promover mudanças, sejam elas uma nova administração, uma reformulação estratégica, cortes de empregos – o que for necessário para fazer as ações subirem e Carl Icahn ganhar dinheiro. Mas também era onde ele fazia as apostas que lhe custaram bilhões.

Icahn, sua empresa e seu filho Brett, que também é gestor de carteira nos fundos, são os únicos investidores nos veículos privados.

O problema é que esses fundos privados, que são a fonte do poder de Icahn como ativista, vêm apresentando um desempenho ruim há anos. Um dólar investido neles há uma década valeria menos de 50 centavos atualmente, de acordo com cálculos da Bloomberg News.

‘Meu exército’

Esses fundos cada vez menores significavam que Icahn estava perdendo o poder de fogo necessário para intimidar os CEOs. Por isso, ele dobrou a aposta, injetando US$ 3,6 bilhões desde o início de 2013.

“Certa vez, ele me disse: ‘meu dinheiro é meu exército e eu preciso do meu exército ao meu redor’”, contou Stevens.

Em fevereiro, a Icahn Enterprises divulgou que Icahn havia colocado ações no valor de cerca de US$ 9,8 bilhões como garantia de empréstimos. Hoje, essas ações valem US$ 5,6 bilhões.

Desde então, ele aumentou suas ações prometidas em 21 milhões. Se as cotações continuarem caindo, Icahn poderá ter que pagar os empréstimos ou correr o risco de ter suas ações liquidadas. Uma chamada de margem pressionaria ainda mais as ações.

Em registros regulatórios anteriores, a Icahn Enterprises disse que tinha muitos outros ativos que poderia usar para pagar seus empréstimos e evitar uma chamada de margem. No registro de maio, essa linguagem aparentemente repetitiva estava visivelmente ausente.

Uma questão é por que Icahn tomaria tanto emprestado de suas ações para começar. Antes de Hindenburg aparecer, Carl Icahn tinha um patrimônio de cerca de US$ 25 bilhões, de acordo com o Bloomberg Billionaires Index. Hoje, são US$ 10 bilhões. Uma perda de US$ 15 bilhões. A Hindenburg especulou que os empréstimos cobriam seus investimentos em fundos privados.

Icahn não quis comentar seu patrimônio, fundos privados ou empréstimos de margem para esta matéria.

Mas a Hindenburg não é o único problema de Icahn. A Icahn Enterprises divulgou em 10 de maio que os promotores federais do Distrito Sul de Nova York (SDNY) estavam investigando as alegações da Hindenburg. É o mesmo escritório que investigou Wall Street durante os anos 80, quando Icahn alcançou fama mundial. O SDNY, como de costume, não quis comentar sobre uma investigação em aberto.

Jogador de xadrez

Stevens, o biógrafo, suspeita que o golpe financeiro sofrido até agora não é nada perto do golpe pessoal que Icahn sofreu.

“Eles o pegaram desprevenido, ele perdeu dinheiro e alguém foi mais esperto do que ele”, disse Stevens. “Essas são as três piores coisas que podem acontecer a Carl Icahn.”

Na Baía de Biscayne, acima da mansão da ilha de Icahn, em Sunny Isles Beach, as coisas estão tranquilas na sede da Icahn Enterprises. Icahn de vez em quando trabalha presencialmente, mas, na maioria das vezes, ele trabalha em Indian Creek.

Outros funcionários estão trabalhando, diz o gerente do prédio. A Icahn Enterprises orientou a equipe do edifício a permitir que apenas visitantes autorizados subam aos escritórios da cobertura.

Carl Icahn possui cerca de 84% da Icahn Enterprises. Isso torna difícil e caro ficar short e apostar na queda de suas ações. Apenas cerca de 100 mil ações ficaram disponíveis para empréstimo, de acordo com a S3 Partners, uma empresa de dados financeiros que monitora vendas a descoberto.

Icahn já está planejando sua defesa. A Icahn Enterprises disse que comprará de volta até US$ 500 milhões de suas ações no mercado aberto. Mas pode ser tarde demais para esmagar a Hindenburg. Os short sellers tendem a cobrir a maior parte de suas posições rapidamente após campanhas bem-sucedidas.

Stevens, o biógrafo, diz que ninguém deve descartar Icahn. “A maioria de nós pensa em uma ou duas jogadas de xadrez à frente”, disse. “Carl sempre pensa em nove ou 11 jogadas à frente.”

Gosto por guerras

Carl Icahn nunca foi de ficar quieto.

Hoje, a medida completa de sua vida – desde as raízes humildes no Queens até chegar a Wall Street, as batalhas vencidas e, às vezes, perdidas – está sendo avaliada pelas novas gerações de capitalistas, bem como pelos detratores do capitalismo.

Icahn disse, apenas em tom de brincadeira, que sua mãe costumava dizer que ele herdou um “gene guerreiro”. No documentário da HBO, a câmera exibe um caderno intitulado “People I Want to Punch in the Face” (“Pessoas que eu quero socar na cara”, em tradução livre) e um travesseiro bordado com palavras de sabedoria de Wall Street: “Happiness is positive cash flow” (“Felicidade é fluxo de caixa positivo”, em tradução livre).

Em determinado momento, Carl Icahn, com voz grave e barba, olhou para a câmera e disse: “não gosto de começar guerras, mas se alguém quiser começar, há algo em mim que gosta disso – porque estou realmente ansioso para enfrentá-los”.

Mesmo agora, aos 87 anos, Icahn continua sendo Icahn. Na assembleia de acionistas em Indian Creek, ele disse que essa luta ainda não acabou.

Mas ninguém pode voltar no tempo. Em um determinado momento, ele contemplou sua idade e disse: “eu realmente não me importo de ser velho. Ainda adoro fazer isso”.

- Com a colaboração de Katherine Burton, Anna Jean Kaiser, Bailey Lipschultz e Liana Baker.

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