Por que buscar a realização no trabalho importa. E como nasceu esse conceito

A ideia de que seu trabalho deve render dividendos emocionais – não apenas monetários – teria parecido estranha para a maioria das pessoas antes do século XX

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Bloomberg Opinion — Aparentemente, muitos de nós estão se sentindo mais satisfeitos no trabalho atualmente. Com salários mais altos, melhores benefícios e acordos de trabalho cada vez mais flexíveis, os funcionários pesquisados em 2022 relataram os índices mais altos de satisfação no trabalho desde que a Conference Board dos EUA começou a fazer essa pergunta há quase 40 anos.

A crença de que um trabalho deve ser satisfatório é um conceito nitidamente moderno. Afinal de contas, os camponeses medievais não se perguntavam se a tarefa de rastelar o campo e debulhar grãos era satisfatória. Aliás, a ideia de que um trabalho deveria ser recompensador emocionalmente falando (não apenas em aspectos financeiros) seria estranha para a maioria das pessoas antes do século XX.

Mas então algo mudou. E grande parte do crédito pela transformação deve-se a um homem chamado Robert Hoppock, que passou parte de sua vida sentindo-se bastante insatisfeito com o trabalho. Quando finalmente encontrou sua vocação, ele fez mais do que ficar feliz; ele transformou nossa relação com o trabalho de um meio para um fim em um fim em si mesmo.

A história começa há pouco mais de um século, quando os psicólogos industriais perceberam, com grande atraso, que a maneira como os trabalhadores viam seus empregos poderia afetar o resultado final. Como um dos primeiros pesquisadores escreveu em 1930: “o interesse da gerência nas atitudes dos funcionários surge da crença de que as atitudes são importantes determinantes da eficiência.”

Mas não havia uma maneira de medir as atitudes dos funcionários, muito menos uma linguagem para descrever o problema. Coube a Hoppock transformar um vago interesse em medir as atitudes dos funcionários em algo mais significativo, até mesmo espiritual: a ideia de que nosso trabalho deveria ser gratificante e, acima de tudo, satisfatório.

Hoppock, nascido e criado no início do século XX em Lambertville, Nova Jersey, se autodenominava “desmotivado e com baixo desempenho”. Ele ia mal na escola e raramente se destacava. Ele não tinha ideia do que deveria fazer da vida.

Um dia, porém, um palestrante foi à sua escola e transmitiu uma mensagem nada convencional. Como Hoppock lembrou, o palestrante “falou sobre a importância de escolher e planejar sua carreira. A ideia dele era que, se você conseguisse um emprego que gostasse, isso contribuiria para sua felicidade e satisfação”.

Foi nesse momento, segundo Hoppock, que ele “começou a pensar em um emprego não apenas como um meio de ganhar a vida, mas como um meio para um tipo de autorrealização”.

Mas ele não se sentia realizado com a faculdade, muito menos com seus primeiros empregos: lavador de pratos, entregador, conselheiro de acampamento, balconista e professor de inglês do ensino médio. Desesperado, ele consultou um “analista de caráter” que mediu a testa de Hoppock e lhe disse para ir para a publicidade. Ele também detestou essa ideia.

Hoppock estava procurando informações sobre possíveis ocupações quando se deparou com um campo emergente da educação chamado “orientação vocacional”, que buscava direcionar os alunos para carreiras adequadas. Logo depois, ele conseguiu um emprego em uma escola pública, trabalhando como o que hoje chamaríamos de “orientador e conselheiro”.

Finalmente, Hoppock havia encontrado satisfação e resolveu ajudar outras pessoas a fazer o mesmo. Ele fez pós-graduação em educação, pesquisando sobre como os trabalhadores comuns viam seus empregos para que pudesse entender melhor a conexão entre o indivíduo, o trabalho e a ocupação.

Ao pesquisar diferentes comunidades – trabalhadores desempregados, moradores de uma pequena cidade e centenas de professores –, os dados mais importantes foram obtidos a partir de quatro perguntas simples.

Analisemos a pergunta nº 2: “Qual das opções a seguir é a que melhor descreve o que você acha de mudar de emprego?” Os entrevistados tiveram de escolher entre um espectro que variava entre “Eu deixaria este emprego imediatamente se pudesse” e “Eu não trocaria este emprego por nenhum outro”. Entre os extremos, havia várias nuances de satisfação, como “Não estou ansioso para mudar de emprego, mas o faria se conseguisse um melhor”.

Em 1935, Hoppock publicou seu estudo de referência, “Job Satisfaction” (“Satisfação no Trabalho”, em tradução livre). Suas descobertas não foram exatamente chocantes: as pessoas que exerciam profissões especializadas geralmente relatavam níveis mais altos de satisfação, assim como os trabalhadores mais velhos e aqueles que tinham laços emocionais estreitos com os colegas de trabalho.

A verdadeira contribuição de Hoppock foi popularizar a crença de que a satisfação no trabalho era digna de estudo e medição e que os trabalhadores não deveriam se contentar com menos do que isso.

No pós-guerra, um número cada vez maior de acadêmicos juntou-se a Hoppock na pesquisa da relação entre satisfação no trabalho, produtividade e lucratividade. Outros focaram nas maneiras pelas quais a satisfação no trabalho se relacionava com as necessidades emocionais individuais. Grande parte desse trabalho foi bem recebido nos círculos gerenciais.

Em 1951, por exemplo, Donald David, reitor da Harvard Business School, fez um discurso no qual reconheceu que a criação de um ambiente de trabalho satisfatório exigia mais do que os gerentes simplesmente “colocarem novas cortinas no banheiro feminino ou construírem um novo centro de recreação para os funcionários”.

O interesse cada vez maior em cultivar a satisfação no trabalho se encaixava em uma mudança cultural mais ampla em direção à autorrealização individual que atingiu novos níveis nas décadas de 1960 e 1970. Um emprego, assim como um casamento infeliz, deveria ser abandonado se não atendesse mais às necessidades emocionais de uma pessoa. Os gerentes, ansiosos para reter funcionários valiosos, perceberam isso.

Mas a satisfação diminuiu no início da década de 1980, pois a redução dos salários e a insegurança no emprego mudaram as prioridades. Entre 1987 e 2010, o número de trabalhadores que se diziam satisfeitos com seus empregos caiu de cerca de 61% para 42%. Desde então, os números têm se recuperado lentamente, mas de forma constante.

Talvez a tendência se reverta novamente. Mas uma coisa é permanente: a crença, articulada pela primeira vez por Hoppock há quase um século, de que merecemos encontrar satisfação, até mesmo gratificação, no trabalho que fazemos – e que fazer isso é mutuamente benéfico para empregador e empregado.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Stephen Mihm, professor de história da Universidade da Geórgia,é coautor de “Crisis Economics: A Crash Course in the Future of Finance”.

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