Dívida renegociada e retomada das viagens: o que espera o novo CEO da CVC

Sucessor de Leonel Andrade, que renunciou, assumirá maior operadora de viagens do país com capex limitado, competição com plataformas digitais e ação em queda

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Bloomberg Línea — Com uma rede de 1.100 lojas espalhadas em todo o Brasil, a CVC Corp. (CVCB3), maior operadora de viagens do país, está sem liderança executiva nem financeira após a renúncia surpresa do então CEO Leonel Andrade, oficializada na noite de quarta-feira (24), um mês após a saída do CFO Marcelo Kopel.

Os novos CEO e CFO, que já estão sendo alvo de recrutamento no mercado, enfrentarão um cenário que combina uma lição de casa feita em questões chave como a renegociação da dívida com desafios operacionais como rentabilizar mais a retomada da demanda por viagens e, ao mesmo tempo, reconquistar de volta a confiança de investidores.

A CVC, que completa 51 anos neste mês, terminou março com uma dívida bruta de R$ 1,042 bilhão, composta por debêntures e contas a pagar de aquisição de participações em outras companhias. No início de abril, o grupo fechou um acordo de reperfilamento da dívida com debenturistas, em um processo de reorganização iniciado no começo do ano e conduzido por Andrade.

Os principais credores da CVC são o Citigroup, a XP e a gestora JGP.

As negociações com os credores foram concluídas no início de abril e os termos vão ser refletidos no balanço do segundo trimestre. Andrade teria capital limitado para investir e fazer crescer a receita da companhia, em um ambiente de competição acirrada com a retomada do turismo.

Com os dois primeiros anos de pandemia e o confinamento em casa, o setor ficou paralisado e a dívida da companhia explodiu. Agora há restrições definidas com os credores da CVC a serem cumpridas pela companhia, como o limite máximo para capex (R$ 125 milhões) no ano e um nível de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda anualizados) que não pode ultrapassar 3,5 vezes.

No primeiro trimestre, o capex caiu 42% na comparação anual, para R$ 34,8 milhões, como reflexo também da conclusão da maior parte do investimento para a digitalização da companhia.

“Nossa dívida no início de 2020, antes da pandemia, era de R$ 2,2 bilhões. Com a renegociação, a dívida está em R$ 750 milhões”, destacou Andrade à Bloomberg Línea no início do mês.

O balanço do primeiro trimestre apontou que a dívida líquida da CVC somava R$ 616 milhões em março, quase o dobro no final do primeiro trimestre de 2022 (R$ 322 milhões). A companhia acumulou prejuízo líquido de R$ 128 milhões entre janeiro e março, uma redução anual de 23,3%. O caixa diminuiu em R$ 261 milhões no período, para um total de R$ 426 milhões.

Desafios operacionais

A companhia tem enfrentado, nos últimos anos, a concorrência com plataformas digitais como Decolar e de compra de milhas, como a 123Milhas e a MaxMilhas, que anunciaram uma fusão em janeiro deste ano para a venda online de passagens aéreas e serviços turísticos.

Em entrevista à Bloomberg Línea no começo do mês, depois da divulgação do resultado trimestral, Andrade já dava sinais de cansaço da missão de tirar a CVC da “beira do abismo”. Ao comentar a saída do seu braço-direito, Kopel, o executivo disse que, desde setembro passado, o então CFO já sinalizara que deixaria o cargo para se dedicar a projetos pessoais após a reestruturação da dívida.

“Não houve nenhum dia fácil desde que assumi a CVC”, disse Andrade ao ser questionado pela Bloomberg Línea sobre se as conversas com os credores, iniciadas no início do ano, eram o momento mais desafiador de sua carreira. Ele assumiu o comando da empresa em abril de 2020, ou seja, no mês seguinte ao fechamento da economia por causa da pandemia.

Por outro lado, a CVC já se beneficia do fenômeno da volta com força da demanda, com crescimento de 44% e 33% nas reservas confirmadas e consumidas, respectivamente, nos três primeiros meses de 2023 na base anual.

Mas, por ora, as perspectivas são positivas pelo lado da receita em negócios que rentabilizam menos a empresa, como produtos marítimos como cruzeiros (+800% na comparação anual) e viagens internacionais (+71%). Analistas estão atentos a indicadores como o take rate (comissão) em produtos exclusivos, que caiu para 7,4% nos três primeiros meses do ano (versus 9,7% um ano antes) - é algo que explica por que, apesar de crescimento tão expressivo da demanda, a receita líquida ficou estável.

Como uma empresa de capital aberta, a CVC é obrigada a auditar balanços e responder a investidores e acionistas, enquanto outros players de capital fechado estão livres dessas obrigações.

Nos últimos meses, segundo apurou a Bloomberg Línea com fontes, Andrade passou a elevar o tom em suas críticas à falta de regulamentação do setor de turismo: apontou a questão como um fator relevante para explicar a situação financeira da companhia, que atua no modelo de franquias de agências e ganhou mercado oferecendo principalmente pacotes de viagem para o litoral do Nordeste.

Custo financeiro e queixas

Analistas de mercado ainda têm dúvidas sobre se a CVC conseguirá se recuperar tão rapidamente quanto Andrade sinalizava em suas apresentações e entrevistas.

As ações estão refletindo a desconfiança de investidores: acumulam queda de 37% no acumulado deste ano e da ordem de 70% em 12 meses, negociadas no fechamento na quarta a R$ 2,81.

O executivo disse na última apresentação do balanço que, dois meses antes, o mercado estava muito duro para a renegociação. A dívida da CVC foi alongada no acordo até 2026, com o primeiro pagamento do principal apenas em outubro do ano que vem, de 10%.

O executivo também era um mais crítico da política monetária, reclamando que o custo de dinheiro no Brasil estava muito elevado para fazer investimentos e para a operação financeira.

O executivo, no entanto, descartava necessidade de novos ajustes na operação para cumprir a condição de fechar 2023 com uma relação dívida líquida/Ebitda anualizado de 3,5 vezes no final do ano.

Oferta de ações até novembro

Com a saída de Andrade, o mercado ainda não sabe o impacto nos próximos passos da situação financeira da companhia, já que o nome do substituto ainda não foi anunciado.

No último balanço, a CVC disse que vai avaliar o melhor momento para fazer uma oferta subsequente de ações, cuja execução consta no acordo de reperfilamento das debêntures. O prazo é o fim de novembro, e o valor mínimo, de R$ 125 milhões. Há previsão ainda de uma oferta de R$ 75 milhões pelas debêntures reperfiladas, ajudando a reduzir os pagamentos dos próximos anos.

“Caso a oferta de ações não ocorra, a negociação prevê a capitalização de créditos de R$ 200 milhões das debêntures em ações, mas o plano é avançar com a oferta de ações, podendo ser um follow on ou aumento de capital privado ou outra modalidade”, citou o documento na CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Apostas para as férias

Outro desafio do próximo CEO será a retirada de descontos nos aluguéis de lojas por empresas que administram shoppings centers. Os franqueados de agências da CVC sofrem com o aumento de custos fixos, pois são agora obrigados a pagar mais pelos pontos nos centros comerciais.

A saída do CEO não deve, no entanto, alterar a estratégia comercial para a alta estação de inverno. Para as férias do meio do ano, as apostas da CVC já tinham sido definidas, como os tradicionais destinos de praias do Nordeste, como Porto Seguro (Bahia) e Maceió (Alagoas), e, no exterior, locais como Bariloche (Argentina) e Punta Cana (República Dominicana).

No primeiro trimestre, a CVC também havia firmado um protocolo de intenções com o governo de Minas Gerais para colocar os destinos do estado nas prateleiras das agências de viagens.

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