Na Loft, o uso de dados para prever preços e demanda é aposta para vender imóvel

Startup, que fez demissões em busca de eficiência, também quer crescer com machine learning em ferramentas de recomendação de preços e mapeamento da demanda

Por

Bloomberg — Cortes de custos e demissões se tornaram no último ano algumas das medidas mais frequentes e chamativas da nova realidade que se impõe para startups diante das restrições de capital. Mas há também outras formas para elevar a eficiência da operação - uma expressão que se tornou clichê de tão citada -, além da priorização de verticais de negócios que se mostrem mais comprovadas em termos de resultados. São movimentos que acabam de ser adotados pela Loft, uma das startups mais valiosas da América Latina por ocasião de sua última rodada e que atua no mercado imobiliário.

A startup, que opera uma plataforma digital de compra e venda e aluguel de imóveis e fornece soluções financeiras - da originação de crédito para bancos a serviços como seguro fiança em aluguel -, desenvolveu uma ferramenta que realiza o mapeamento da evolução da demanda por imóveis para compra e venda na cidade de São Paulo, maior mercado do país.

Outra aposta é uma ferramenta de precificação - AVM, ou Automated Valuation Model - chamada de “calculadora Loft” - que faz uso de machine learning e leva em conta dados proprietários e de terceiros de cerca de 10 milhões de anúncios de imóveis e 5 mil transações para sugerir preços “ótimos” que, segundo a startup, podem aumentar em quatro vezes as probabilidades de fechamento da venda do imóvel.

“Sempre investimos em ferramentas de precificação porque sabemos que definir o preço é uma ‘fricção’ muito grande para o proprietário do imóvel na hora de listar [na plataforma]. Os testes que já fizemos com imobiliárias parceiras mostram uma aceitação muito boa”, disse Florian Hagenbuch, cofundador e presidente do Grupo Loft, à Bloomberg Línea no Web Summit Rio no começo do mês.

No primeiro caso, será possível medir o quanto a demanda aumentou ou diminuiu em bairros como Itaim, Pinheiros ou Moema, entre outros. Os dados vão formar uma série histórica que permitirá analisar a evolução e servir como referência para a tomada de decisão de preços por vendedores e compradores - um proprietário com um imóvel em um bairro “aquecido”, por exemplo, em tese terá maior poder de fixação de preço e de argumento na negociação do que outro em situação oposta.

A venda de um imóvel é um processo que leva de dois a três meses em média no mercado americano, a depender da fonte. No Brasil, estimativas de mercado apontam para um ano e três meses, em razão da falta de dados sobre a precificação dos imóveis - a divergência de preços entre vendedor e comprador é apontada como o fator que mais arrasta a negociação.

As novas ferramentas não são as primeiras iniciativas na área de dados. O racional da startup, fundada em 2018 pelos empreendedores Mate Pencz e Florian Hagenbuch, é que o mercado imobiliário brasileiro poderia ter um número de transações de várias vezes os níveis atuais se houvesse mais transparência e informações para as duas partes, quem compra e quem vende (ou aluga).

Há um squad de data science dedicado a desenvolver soluções que vão nessa direção.

No fim de 2021, a Loft já havia lançado em parceria com a EXAME um índice real de preços que mede o que seria uma estimativa da especulação imobiliária: a diferença percentual entre o que os valores inicialmente anunciados para a venda de imóveis em bairros de São Paulo, maior mercado do país, e os que são efetivamente registrados em cartório nas transação concluídas.

O movimento também se insere na estratégia de um número crescente de empresas dentro e fora da indústria de startups: fazer uso de dados transacionais e de tráfego para gerar valor para clientes - na Loft, para imobiliárias parceiras que fazem parte da rede de distribuição de produtos.

A ferramenta pode futuramente ser oferecida a incorporadoras, aplicativos de entrega ou varejistas em busca de informações para decidir sobre abertura ou fechamento de lojas.

“Nós acreditamos muito que estamos entrando na era da inteligência artificial. Com o que já construímos e estamos construindo em termos de dados - e são dados recentes coletados nos nossos canais de distribuição diariamente -, teremos produtos que alavancam a operação com o uso de tecnologia, sem esquecer do atendimento humanizado na ponta”, disse Hagenbuch.

Em outra iniciativa, mas com o mesmo objetivo de ampliar a eficiência da plataforma, a Loft começou a fazer uso de uma ferramenta “anti-bypass”. O objetivo é evitar que transações de venda de imóveis originadas na plataforma sejam “atravessadas” por terceiros ou concluídas “por fora” para evitar o pagamento da comissão sobre o valor da venda - algo que está previsto no Código Civil.

Para isso, passou a monitorar com uso de algoritmos interrupções repentinas de negociações que se encaminhavam para um desfecho, além de abrir um canal de denúncias. Em casos assim, as partes relacionadas são procuradas para entender o que aconteceu. Em um mês da iniciativa, dezenas de transações que haviam sido paralisadas foram retomadas e concluídas.

Demissões e busca do breakeven

Ao mesmo tempo em que acelera novas frentes de negócios, a Loft segue o ajuste da operação com o objetivo de alcançar o breakeven (equilíbrio entre receitas e despesas) até o fim do ano.

Há cerca de um ano, trouxe como COO (executivo-chefe de Operações) Marcel Regis, um executivo com 25 anos de Ambev (ABEV3) e AB Inbev (BUD), com o objetivo de liderar o processo de busca por eficiência. Pencz continua como CEO da Loft, com funções executivas.

A empresa realizou quatro rodadas de demissões desde o início do ano passado. A última foi realizada em março deste ano, o que levou o quadro pessoal para cerca de 1.900 profissionais - tinha pouco mais de 3.100 no início de 2022. Parte dos cortes, segundo informado pela Loft, se deveu a sobreposições relacionadas de duas aquisições realizadas em 2021, da CredPago e da CrediHome.

A Loft foi avaliada em US$ 2,9 bilhões em rodada Série D há cerca de dois anos, contando com investidores como Andreessen Horowitz, D1 Capital, Altimeter, Monashees, QED e Tiger Global. No ano passado, fontes disseram que teria havido uma remarcação do valor para baixo por meio de dívida conversível em equity, para US$ 1 bilhão, o que a empresa negou à Bloomberg Línea.

Leia também

IPO adiado: como algumas das maiores startups do país planejam o breakeven

Em busca de eficiência, Loft contrata veterano da AB Inbev para liderar operação