Bloomberg Línea — Em processo de venda de ativos para levantar recursos para o pagamento de dívidas da ordem de R$ 42 bilhões, a Americanas (AMER3) já cogita se desfazer daquela que é considerada a sua “joia da coroa”, a Ame, a fintech que faz as operações financeiras do rede varejista.
A revelação foi feita pela própria companhia em fato relevante ao mercado na noite de quinta-feira (18), com a ressalva de que nenhuma decisão concreta foi ainda tomada.
“A companhia comunica [...] que vem sendo abordada de forma não solicitada por partes potencialmente interessadas nas operações da Ame e que, nesse momento, tomou a decisão de iniciar um processo de avaliação de alternativas estratégicas para o negócio, que pode envolver contatos preliminares com os potenciais interessados”, disse a Americanas no comunicado.
“Até o momento nenhuma decisão estratégica foi tomada sobre Ame, mas, caso a Americanas venha a perseguir algum tipo de desinvestimento ou parceria, organizará também um processo de market sounding nos moldes do que vem fazendo sobre Grupo Uni.Co e HNT.”
A plataforma financeira da Americanas, a exemplo da estratégia adotada por outras varejistas, é uma vertical de negócios que consegue rentabilizar a operação de varejo. No terceiro trimestre de 2022, no último resultado divulgado pela companhia, a Ame teve Ebitda ajustado de R$ 41,5 milhões e lucro líquido de R$ 20,2 milhões, com crescimento de cinco vezes ante o segundo trimestre.
O TPV (volume total de pagamentos) na Ame chegou a R$ 32,6 bilhões em 12 meses, e a plataforma foi autorizada pelo Banco Central a operar também como instituição de pagamentos, o que significa a permissão para ampliar a oferta de produtos financeiros aos clientes da Americanas.
Cenário adverso, segundo analistas
Segundo analistas, a varejista enfrentará dificuldades para vender certos ativos, pois o varejo atravessa um cenário complexo de fechamento de lojas, margens de lucro comprimidas e players que evitam aumentar o seu endividamento neste momento de juros elevados.
Essa é a avaliação feita, por exemplo, pelo analista Gabriel Costa, da corretora Toro, pertencente ao Santander Brasil (SANB11), um dos bancos credores da varejsta.
No mesmo comunicado em que trata da Ame, a companhia informou que contratou o Citi para o processo de busca e análise de potenciais interessados que enviam suas ofertas pelos ativos do Hortifruti Natural da Terra.
Na última segunda-feira (15), um comunicado semelhante havia sido divulgado, referente aos ativos do Grupo Uni.co, dono de marcas como Puket e Imaginarium.
“Uma venda de ativos realizada às pressas resultará em ofertas de preços muito baixos. Além disso, não vejo sinergias desses negócios da Americanas para as grandes varejistas do mercado brasileiros”, avaliou Costa, em entrevista à Bloomberg Línea.
No caso da Imaginarium, que atua no segmento de artigos de decoração, o analista da Toro destacou que empresas como Tok&Stok e Camicado, que pertence à Renner (LREN3), estão encerrando atividades em algumas cidades devido o desempenho insatisfatório das vendas em um momento de desaceleração da economia e pressão de custos financeiros com os juros básicos a 13,75% ao ano.
“A Americanas talvez não consiga vender ao preço que espera. Com certeza, ela vai receber propostas para os ativos colocados à venda, mas não serão valores tão atraentes quanto ela talvez espere”, afirmou Costa.
Um CFO de um grande grupo ligado ao varejo de vestuário, que pediu anonimato, pois a questão é privada, disse à Bloomberg Línea que teve acesso ao material sobre os ativos do Grupo Uni.co, apontando que são receitas anuais estimadas em R$ 250 milhões. Essa companhia não fará uma oferta, pois o momento macroeconômico desencoraja o aumento de nível de alavancagem.
Esse executivo do mercado destacou que a Puket, de roupas infantis, teria aderência com a estratégia de sua companhia, mas que não há interesse na Imaginarium, sugerindo que a viabilidade desse negócio dependeria do “fatiamento” dos ativos, em vez de uma venda em bloco.
Os dois comunicados da Americanas sobre a prospecção de interessados pelo Grupo Uni.co e pela lojas da Natural da Terra representam a execução do processo de venda de ativos indicado no plano de recuperação judicial da companhia, revelado no último mês de março.
Bancos credores trabalham com a expectativa de que cheguem a um acordo com a Americanas até o fim de junho. Em recuperação judicial desde janeiro, após a revelação de um rombo contábil da ordem de R$ 20 bilhões, a varejista tem uma dívida estimada em cerca de R$ 42 bilhões com 7 mil credores.
Em teleconferências com analistas referentes aos balanços do primeiro trimestre, os CEO dos principais bancos do país sinalizaram que as conversas evoluíram nas últimas semanas.
O pacote de ativos também inclui um jato da Embraer, que está em nome do Itaú Unibanco (ITUB4), avaliado em R$ 47 milhões, devido a um financiamento de leasing que a varejista não tinha quitado integralmente ainda.
Conforme informou Bloomberg Línea no dia 22 de março, a aeronave estava em situação irregular perante a Anac (Agência Nacional da Aviação Civil). A Americanas informou, na época, que o motivo era que o aviação estava em manutenção técnica. No RAB (Registro da Aeronáutica Brasileiro, o jato bimotor Phenom 300 já teve sua situação regularizada.
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