Esta é melhor hora para empreender, diz CEO de startup latina mais valiosa

Roger Laughlin, cofundador da Kavak, diz à Bloomberg Línea que IPO está ‘um pouco longe’ e que ritmo para atingir objetivos mudou

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Bloomberg Línea — A Kavak, startup mais valiosa da América Latina que opera uma plataforma digital para compra e venda de carros usados, está priorizando a lucratividade e ajustando a execução de sua estratégia às condições de mercado mais adversas, com custo de capital mais alto.

“As decisões que tomamos são para termos infinite runway [tempo de caixa da startup sem necessidade de capital externo] e não precisarmos mais de capital”, disse o cofundador da Kavak, Roger Laughlin, em entrevista à Bloomberg Línea durante o Web Summit Rio no início do mês.

Laughlin disse ainda que a ambição da empresa não mudou, mas a velocidade com que alcançará seus objetivos pode ser mais lenta. “Há várias formas de maximizar o capital que temos, reduzindo a estrutura de custo, buscando mais rentabilidade, capturando outras linhas de capital, alavancando os ativos, como fizemos, e simplesmente adaptando a nossa estratégia para o momento atual.”

O empreendedor comentou o momento para quem empreende na América Latina.

“Eu coloco em dúvida sobre se o momento atual é pior para o empreendedor. Eu acho que, na verdade, é melhor. Porque há mais empreendedores, mais capital, mais casos de sucesso, mais casos de não sucesso que também são bons para aprender o que funciona e o que não funciona.”

A empresa de origem mexicana anunciou sua expansão para a Turquia e o Oriente Médio recentemente, mas com operações mais enxutas, com base em sua experiência em outros mercados.

A Kavak opera em seis mercados na América Latina: Brasil, Colômbia, Argentina, Chile, Peru e México, onde está presente há mais tempo e espera alcançar a lucratividade mais cedo.

Segundo ele, o relacionamento com os investidores tampouco mudou, mas as conversas agora estão focadas em como ajudar a empresa a se tornar rentável mais rapidamente. Questionado sobre se uma saída para investidores por meio de IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) viria só depois de atingir lucro, Laughlin disse que “não necessariamente”.

“Enxergo um IPO um pouco longe porque precisa ser uma empresa muito estável e com uma capacidade de projeção muito acurada. E nós ainda somos uma empresa em crescimento”, disse.

A Kavak usa dados de mercado em tempo real para oferecer a vendedores uma oferta instantânea por seus carros e fornece também serviços como entrega em casa e financiamento aos compradores.

A startup foi avaliada em US$ 8,7 bilhões em uma rodada Série E em setembro de 2021. Segundo Laughlin, o valuation não foi alterado, dado que a empresa não fez outra captação nem “remarcou” o preço. A Kavak tem entre seus investidores de risco (venture capital) o SoftBank e a Olam Capital.

Auditada desde seu segundo ano de operação pela E&Y, a Kavak obteve US$ 810 milhões em financiamento com HSBC, Santander e Goldman Sachs em setembro do ano passado.

Veja abaixo a entrevista com o cofundador da Kavak, Roger Laughlin, editada para fins de concisão e clareza:

O mercado mudou com o aumento dos juros. O que mudou para a Kavak?

O que muda principalmente é o foco e onde investimos nosso tempo e nossos recursos e quais são as prioridades que colocamos no negócio.

Vínhamos em um contexto de muito capital, de um apetite muito forte do mercado para crescer, de uma demanda também muito alta, e agora estamos em um cenário um pouco diferente, em que precisamos ajustar contas e perseguir mais rentabilidade. Ser um pouco mais cauteloso.

A ambição da Kavak e o que queremos construir não mudou. O que muda é provavelmente a velocidade com que a gente vai chegar lá.

Mudou algo na relação com os investidores?

Não sei se mudou a forma que eles cobram, acho que nunca tivemos um relacionamento de cobrança. Sempre tivemos um ótimo relacionamento de parceria com nossos investidores, eles sempre foram muito envolvidos na estratégia, mas muito mais em uma ótica de resolução de problemas. Acho que eles entendem muito o desafio de construir um negócio como o da Kavak na América Latina.

E acho que não só o da Kavak, mas a dificuldade de construir um negócio em países emergentes. Eles sempre foram muito de ajudar. A conversa antes era como eu te ajudo a crescer, agora é como eu te ajudo a ser rentável mais rapidamente.

Nesta proposta de rentabilidade, vocês atingiram breakeven?

Cada país tem um propósito diferente. Por exemplo, o México é um país que está mais desenvolvido. Faz mais tempo que estamos lá, é uma escala diferente. Então vamos achar rentabilidade lá mais rápido que do que, por exemplo, no Brasil, que ainda é um mercado em que temos que crescer. Temos que alcançar um volume para conseguir chegar à rentabilidade.

Tem outros países que já nasceram muito lean e que vão chegar à rentabilidade muito mais rapidamente, mas também por causa do tamanho. Acho que vai ser relativo a cada mercado.

Vocês expandiram para alguns países do Oriente Médio como a Arábia Saudita. Como conciliar expansão em um momento em que buscam rentabilidade?

As expansões acontecem com vários meses de antecedência. Uma coisa é quando anunciamos a expansão e outra quando chegamos a um mercado e começamos a construir as bases.

Quando começamos a chegar ao Oriente Médio e à Turquia, já estávamos começando a perceber um novo momento do mercado. Já fomos ajustando nossa estratégia, que é muito mais enxuta e já traz muito dos aprendizados do Brasil e da Argentina. Não é que chegamos a esses países e agora temos que investir mais para crescer, não, o investimento que foi feito já foi feito.

Mas todos os nossos planos em cada país foram adaptados segundo o momento atual, mas também segundo o momento nesse país, além do contexto por trás. Isso significa que um país como o Brasil, em que chegamos com mais investimento, mais infraestrutura e mais ambição de crescimento, tivemos que tomar decisões diferentes em relação a Turquia, Colômbia, Peru e Chile.

A Kavak tomou US$ 810 milhões em empréstimos no fim de 2022. Por que tomar a dívida e como foi possível conseguir com grandes bancos sendo uma startup?

Desde o início sabíamos que o nosso negócio seria intensivo de capital e que iríamos precisar levantar capital de equity e dívida. O nosso negócio tem uma particularidade, como qualquer concessionária, só que fazemos isso com uma escala diferente. Temos um ativo e um inventário para conseguir esse capital de giro com linhas de crédito.

Nós construímos nosso histórico sabendo que esse momento chegaria. A primeira decisão que tomamos foi o primeiro investimento que fizemos no México, em um sistema de ERP para controlar nosso inventário e nossas finanças e sermos uma empresa auditável. A Kavak é auditada por uma Big Four desde o ano 2.

Quando vamos a um banco, chegamos como uma startup com um histórico diferente e daí conseguimos obter essas linhas de crédito.

Quais foram os termos dessas linhas?

As condições por trás dessas linhas de crédito são totalmente relativas ao perfil de empresa, ao risco que representa para o banco e à garantia que existe por trás.

A Kavak considera uma saída para os investidores por meio de IPO só depois de atingir lucro?

Não necessariamente. A forma como sempre julgamos a oportunidade de fazer um IPO é a mesma como analisamos uma rodada: faz sentido para a empresa? É do que precisamos? Estamos em uma posição em que capital vai trazer o que precisamos para o negócio? Faz sentido trazer mais um investidor? Queremos um evento de liquidez para nossos funcionários e investidores que já estão na empresa?

O contexto atual faz com que repensemos tudo isso, mas eu enxergo um IPO um pouco longe porque precisa ser uma empresa muito estável e com uma capacidade de projeção muito acurada. E ainda somos uma empresa que está em crescimento, estamos descobrindo muita coisa, entrando em mercados novos e ainda construindo muitas soluções.

Mas não necessariamente precisamos ser rentáveis para fazer um IPO.

Preocupa a situação da Carvana nos EUA?

Como benchmark, não é legal que uma empresa comparável à Kavak não esteja indo bem. Ao mesmo tempo, eu acho que se estivéssemos em um estágio inicial, levantando capital de investidores globais, e o nosso maior par estivesse indo muito mal, obviamente isso atrapalharia a gente.

Mas não na situação em que estamos. Não estamos buscando levantar capital e estamos bem tranquilos com a nossa situação de caixa. Os nossos investidores conhecem a profundidade do nosso negócio e as diferenças para a Carvana.

O valor que trazemos para os nossos mercados emergentes é muito mais profundo. Somos o maior originador de crédito automotivo do México. Fazemos isso com nossa própria financeira. Não precisaríamos fazer isso nos Estados Unidos porque lá há acesso a crédito para todo mundo.

Quais são as principais metas deste ano?

Consolidação dos mercados em que estamos e tomar as decisões para acelerar e executar o plano que desenhamos para atender essa rentabilidade em cada um dos mercados.

Como você avalia o cenário atual para os empreendedores da América Latina?

Eu empreendi em 2016 no México em um contexto bem desafiador porque não tinha startups comparáveis ou bem-sucedidas para nos espelharmos.

Então olhávamos muito para os Estados Unidos e a Europa e é uma comparação bem injusta. Os fundos não olham para a América Latina da mesma forma que eles olham para esses países e regiões.

Eu coloco em dúvida sobre se o momento atual é pior para o empreendedor. Eu acho que, na verdade, é melhor. Porque há mais empreendedores, mais capital, mais casos de sucesso, mais casos de não sucesso que também são bons para aprender o que funciona e o que não funciona.

O que os fundos vão pedir agora, e o que vai ser olhado, é um negócio saudável, com uma ideia muito clara de como vai ser rentável, com um product-market-fit muito claro e com uma estratégia muito clara. E vão pedir para tomar os passos necessários para expandir na medida do necessário, com valuations que façam sentido, sem colocar pressão para jogar capital onde não é necessário.

Acho que, por mais que seja difícil de enxergar, para mim o ecossistema atual é o melhor momento para a América Latina. E acho que o empreendedor da região tem mais resiliência porque o latino-americano está em um situação adversa desde que ele nasce, são países mais complexos. Acho que estamos mais preparados para surfar essa onda que está vindo agora.

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