Bloomberg Opinion — As pessoas gostam de dizer que, por mais notável que fosse, Steve Jobs não inventou o smartphone. Ele também não inventou o computador, o MP3 ou o tablet. O que ele fez foi criar uma versão inovadora dessas tecnologias que as pessoas quisessem usar – levando a Apple (AAPL) a se tornar a gigante de US$ 2,7 trilhões de hoje.
Por outro lado, uma das críticas a seu sucessor no cargo de CEO, Tim Cook, é que ele ainda não teve uma ideia inovadora e ousada. Cook, especialista em cadeia de suprimentos, aperfeiçoou os sucessos existentes. Até mesmo o desenvolvimento do Apple Watch, lançado quase quatro anos após a morte de Jobs, contou com a contribuição do fundador visionário.
Talvez o mundo esteja finalmente prestes a ver uma inovação de Cook. E ela será bastante arriscada: é uma aposta em uma nova tecnologia completamente diferente de qualquer outra do passado da Apple.
Em junho, na Worldwide Developers Conference (WWDC), a Apple deve compartilhar os tão aguardados detalhes de seu headset de realidade mista, um dispositivo que oferece realidade aumentada e realidade virtual – a primeira sobrepõe imagens ao ambiente real; a segunda mergulha o usuário em um ambiente totalmente digital.
A princípio, o headset da Apple não será um produto para o mercado de massa. Custando US$ 3 mil, segundo uma reportagem da Bloomberg News, o preço é quase sete vezes mais alto que o Quest 2 da Meta Platforms (META), o fone de ouvido de realidade virtual mais vendido – são 18 milhões de unidades até o momento, de acordo com a CCS Insight.
Mas, mesmo começando pequeno, o produto tem o potencial de crescer. O Wall Street Journal relatou que a Apple está negociando com a Foxconn para montar uma versão mais barata e de segunda geração do headset, tornando a realidade mista uma parte substancial do rol de produtos da Apple em um futuro próximo.
Não está claro o quanto será divulgado sobre o headset na WWDC. Espera-se que as remessas em 2023 sejam uma pequena fração dos outros produtos da Apple. Mas podemos esperar uma apresentação do produto que descreverá por que um dia poderemos querer um.
Isso será um desafio: outros produtos da Apple tiveram utilidade comprovada antes de chegar ao mercado.
O Walkman, da Sony, existia antes do iPod; o Nokia 3210 já era utilizado antes da chegada do iPhone. Nós já sabíamos para que esses produtos serviam e ficamos animados com os aprimoramentos, fazendo filas que dobravam o quarteirão para adquiri-los no lançamento. O mesmo não acontece para comprar um headset de realidade mista.
Na verdade, o que acontece é justamente o contrário. Há um forte sentimento entre grande parte do público consumidor de tecnologia de que essa é uma tecnologia que não é necessária nem desejada.
O metaverso – mundo virtual para o qual esses headsets podem nos levar – já foi declarado morto e ridicularizado até se tornar irrelevante menos de dois anos depois que Mark Zuckerberg rebatizou sua empresa para enfatizar sua crença de que seria a próxima grande plataforma de computação.
As buscas por “metaverso” no Google caíram, e as comunidades de metaverso estão desertas, em grande parte abandonadas pelos consumidores curiosos que a utilizaram primeiro.
Mas isso pode ter sido um problema da Meta, não do metaverso. Zuckerberg não é exatamente um grande embaixador para vender o que é “legal” em tecnologia. A questão é se Cook pode canalizar a habilidade de Jobs de nos fazer acreditar na tecnologia.
Isso não é algo que Cook tem em seu repertório, mas ele pode pelo menos aprender alguma coisa com o lançamento do Apple Watch.
Sua estreia, em 2015, incluiu uma versão em ouro 18 quilates no valor de US$ 10 mil que buscava posicioná-lo como um produto de tecnologia e um acessório de moda de alta qualidade. A Apple logo entenderia que o aplicativo desejado no Watch era o que monitorava a saúde e o condicionamento físico – e agora ela domina o setor. Mais uma vez, a Apple não inventou o smartwatch. Ela apenas criou um que valia a pena ter.
Um foco semelhante em saúde e bem-estar seria inteligente agora. Acredito que a realidade virtual é um divisor de águas para o condicionamento físico – estudos mostraram que as pessoas que malhavam em um mundo virtual acabavam se exercitando por mais tempo do que imaginavam. Se Cook conseguir posicionar o headset como uma opção de estilo de vida, ele poderá ter um sucesso nas mãos.
“A história diz que a Apple tem o potencial de atingir novos públicos”, disse JP Gownder, analista da Forrester, “para comunicar o valor das coisas de maneiras que outras empresas talvez não tenham feito no passado”.
Mas o risco é alto. Em um relatório recente, Gownder analisou a baixa adoção da realidade mista no local de trabalho, declarando que 2023 foi o “inverno do metaverso”, quando a discussão e a adoção da tecnologia esfriariam. Menos de 5% das pessoas pesquisadas disseram estar interessadas em usar a realidade mista no trabalho.
E o fato é que, em um momento em que a maioria das pessoas está tentando usar menos tecnologia e se conectar com o mundo real, a realidade mista parece uma desconexão ainda maior. Algumas pessoas evitarão o headset Apple, não porque acreditam que não vão gostar, mas porque têm medo de gostar.
Portanto, ao que parece, Cook apostou no que muitos de seus colegas consideram ser o time errado. A Microsoft (MSFT), que reduziu o desenvolvimento de seu headset de realidade aumentada Hololens, está focando agora na inteligência artificial – a tecnologia sobre a qual todos estão falando. Já a Apple não parece tão interessada.
Você teria que voltar aos anos 90 se quisesse ver quando a Microsoft pareceu ser a empresa mais empolgante das duas pela última vez. Mas cá estamos. O que Jobs acharia disso? Algo me diz que ele estaria adorando a chance de nadar contra a corrente e provar que os céticos estão errados.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Dave Lee é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia. Foi correspondente em São Francisco no Financial Times e na BBC News.
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