Bloomberg Opinion — Um pouco de risco ajuda muito a fazer com que as pessoas sejam responsáveis. Enquanto a Corporação Federal de Seguro de Depósito dos Estados Unidos (FDIC) – órgão semelhante ao Fundo Garantidor de Crédito no Brasil – se recupera dos colapsos do Silicon Valley Bank e do Signature Bank, vale a pena perguntar por que os depósitos bancários deveriam conter riscos.
Se todos os depósitos fossem segurados, ninguém teria medo de perder seu dinheiro e talvez nunca houvesse pânico e corridas a bancos. Certamente, a FDIC não enviaria aos bancos americanos uma conta de US$ 15,8 bilhões para cobrir seus custos de resgate de depositantes não segurados nos dois bancos em questão. Provavelmente não teria havido nenhuma ameaça sistêmica de repercussão na economia que obrigasse a FDIC a agir.
O medo é algo muito perigoso: ele contagia e pode acabar se tornando realidade. Mas, até certo ponto, é algo útil. Qualquer pessoa com grandes quantias de dinheiro para administrar – tesoureiros de empresas, gerentes de fundos, pessoas muito ricas – deve pensar em onde colocá-lo com base no risco e no retorno. É assim que os sinais de preço devem ser criados e trazer disciplina aos mercados.
Mas talvez essa visão seja um idealismo deslocado em um mundo prático. Há uma ideia de que o medo não impõe uma disciplina de mercado suficiente aos bancos porque, em última instância, o Estado sempre tem de intervir para impedir pânicos. Nas corridas bancárias anteriores, os depósitos foram, em sua maioria, cobertos. Argumenta-se que os depositantes não pensam o suficiente sobre o risco porque sabem que provavelmente serão resgatados.
Entretanto Warren Buffett argumentou na reunião anual da Berkshire Hathaway (BRK/A) neste mês que as corridas ainda acontecem porque as pessoas não entendem isso.
“Quero dizer, não deveria haver tantas pessoas que não entendessem o fato de que mesmo havendo um limite de US$ 250 mil para a FDIC, o governo dos EUA e o público americano não têm interesse em que um banco vá à falência e que as pessoas percam seus depósitos”, disse.
Então, o que está acontecendo, os depositantes estão se sentindo em perigo ou não? O problema é que provavelmente são as duas coisas: os depositantes não segurados não pensam o suficiente sobre o risco em tempos normais e, então, é mais provável que todos os depositantes entrem em pânico exatamente nos momentos em que o pânico causará o maior caos.
Se a maioria dos depositantes é resgatada, por que não evitar o pânico divulgando esse resultado? Por que não criar uma garantia de depósito em todo o sistema?
Na minha opinião, isso seria ruim. Se os depósitos forem sempre garantidos, executivos e acionistas dos bancos não precisarão se preocupar com os riscos que eles assumem com nosso dinheiro. Na verdade, eles provavelmente seriam mais incentivados a assumir riscos maiores, pois ficariam com os prêmios se ganhassem, mas perderiam apenas uma fração do dinheiro apostado se perdessem.
É claro que os órgãos reguladores e os bancos centrais pensam nesse tipo de cenário. Após a crise de 2008, eles aumentaram a quantidade de ativos líquidos que os bancos devem manter para reembolsar depositantes e tornaram mais rígidas as regras sobre a quantidade e o tipo de riscos que os bancos podem assumir. Mesmo assim, as corridas continuam acontecendo!
É possível aumentar ainda mais o seguro de depósitos, exigir mais ativos líquidos e aumentar ainda mais o controle sobre a assunção de riscos – essencialmente tornando os bancos apenas serviços de pagamento que não oferecem empréstimos (também conhecidos como “narrow banks”). Mas esse seria um sistema muito inflexível, lento para responder à demanda e com menos crédito disponível em geral.
A FDIC parece estar tentando algo diferente. Ao dividir a conta do SVB e do Signature, a organização cobrará dos bancos com base no montante de depósitos não segurados em seus balanços patrimoniais. Isso poderia incentivá-los a não depender muito desse tipo de financiamento no futuro.
Os maiores bancos têm a maior proporção de depósitos não segurados, o que provavelmente é em parte inevitável, pois eles têm grandes clientes corporativos com mais dinheiro para administrar. No entanto, isso significa que os bancos mais capazes de arcar com os custos pagarão a maior parte da conta.
As cobranças da FDIC mostram que o risco associado a depósitos não segurados tem dois lados. Isso deve ajudar a manter a honestidade tanto dos depositantes quanto de seus banqueiros. Entretanto, deve haver uma contrapartida para a realidade prática de que o Estado precisa apoiar o sistema e proteger a economia quando coisas muito ruins a ameaçam. Deveria haver justiça financeira. Buffett acha que o mundo perdeu isso.
Os banqueiros e seus líderes estão muito focados em enriquecer e sofrem muito poucas consequências quando as coisas dão errado.
“Se você dirige um banco e faz besteira, continua sendo um cara rico, ninguém te abandona, os grupos de caridade não param de pedir por benefícios, o mundo continua”, disse. “Essa não é uma boa lição para ensinar às pessoas que estão segurando o comportamento da economia em suas mãos.”
Basicamente, eu concordo. Seria muito mais eficaz tentar criar penalidades maiores para a má administração ou negligência do que pedir ao Estado que garanta todo o nosso dinheiro.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Paul J. Davies é colunista da Bloomberg Opinion, cobrindo bancos e finanças. Trabalhou anteriormente para o Wall Street Journal e o Financial Times.
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