Bloomberg Línea — Em sua primeira visita a Caracas, um turista amante de carros se deparou neste mês com uma cena que parecia uma miragem: um showroom da Ferrari com janelas enormes no bairro de Las Mercedes, conhecido por concentrar apartamentos de alto padrão e e lojas de luxo na capital venezuelana.
“É isso mesmo?”, ele perguntou a uma amiga e guia turística, que lhe confirmou o que ele só tinha visto nas redes sociais.
As vendas de carros esportivos de luxo foram retomadas na Venezuela, apesar de o país passar, nos últimos anos, por um do períodos mais críticos da sua história econômica.
O showroom surpreendeu o jovem turista, que preferiu não ser identificado por razões de segurança. Ele trabalhou na última década na restauração de um modelo clássico da Ferrari que está na família dele há 35 anos.
A Ferrari abriu as portas pela primeira vez na Venezuela em 1988, há mais de 30 anos, com a inauguração de uma das oito primeiras concessionárias da marca autorizadas do mundo. Em 1993, o empresário Marco (que prefere não divulgar seu sobrenome) assumiu o negócio, antes de receber uma nova autorização para a importação dos carros para a Venezuela.
Com a ascensão do chavismo e o agravamento da situação econômica da Venezuela, os negócios começaram a passar por dificuldades.
Em dezembro de 2007, o empresário italiano, que vive na Venezuela há mais de 40 anos, sofreu a suspensão das operações em decorrência do embargo de importações na Venezuela. Embora ele pudesse atuar em outros mercados na América Latina até que o cenário melhorasse, a suspensão era motivo de preocupação.
O empresário manteve uma oficina especializada em operação durante esse tempo até que, em 2021, conseguiu reabrir a concessionária da Ferrari e vender veículos novamente.
“Se a Venezuela já prosperou, por que não poderia fazê-lo de novo?”, disse o empresário à Bloomberg Línea, lembrando os passeios que eram realizados no bairro de Los Próceres, no oeste da cidade, e os que devem ser retomados, juntamente com uma escola de direção especializada, e que ele espera que possam operar entre San Carlos, Turagua e Puerto Ordaz, no interior do país.
“Essa é uma paixão que vai além dos carros”, diz Carlos Alberto Silva, gerente de vendas da concessionária Ferrari em Caracas.
Alberto Silva também testemunhou essa paixão entre os clientes que visitam o showroom inaugurado em Las Mercedes em 2021.
“Eles [os clientes] ainda são os mesmos, e é claro que há novos também, mas a própria montadora nos pede para rever o perfil deles”, diz o gerente. Apesar da grande desigualdade social no país, ele tem visto algumas melhorias econômicas desde o ano passado, embora beneficiando poucos.
A concessionária Ferrari não foi criticada apenas por sua reabertura em meio a um contexto econômico adverso, mas também por seus supostos vínculos com setores pró-governo e um recente caso de corrupção dentro da empresa estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA).
A concessionária se desvincula desse caso, no entanto, e insiste na transparência de sua documentação e das informações públicas disponíveis sobre ela.
Sob a propriedade da Maranello Motorsports, a concessionária paga tarifas regulares pela importação de veículos caros que chegam a 50% do preço original dos bens, de acordo com as exigências da autoridade alfandegária e tributária do país, a Seniat.
“Os preços variam de acordo com o componente tributário local, e as condições de venda são regidas de acordo com os métodos mais comumente usados no comércio internacional”, explica Claudia Pita, gerente de marketing da Ferrari Caracas, quando questionada sobre os métodos de pagamento usados em vista das restrições cambiais ainda em vigor na Venezuela.
Os veículos exclusivos e de alto padrão despertaram o interesse de fãs e colecionadores certificados, o que evita, na opinião de Silva, gerente de vendas da Ferrari, que personalidades com dinheiro de origem duvidosa ou obtido de forma ilícita adquiram os carros.
“Por que vender para alguém que não se enquadra entre os demais? Seria um problema vender um carro para alguém com dinheiro ilícito – um problema para a comunidade Ferrari. É questão de experiência. Será que alguém com dinheiro fácil vai apreciar algo tão exclusivo (não porque é caro, mas porque é exclusivo)? Eles vão preferir comprar outra coisa”, acrescentou.
Os clientes podem personalizar seus carros, principalmente como modelos de colecionador, e alguns deles são transportados até suas residências, enquanto outros preferem levá-los para o interior do país, levando-os até Caracas para a manutenção necessária.
Há pelo menos 100 Ferraris no país, embora o número anual de vendas não seja divulgado pela empresa.
Mais do que o aumento das vendas na Venezuela, as expectativas da empresa estão voltadas para o cumprimento dos prazos de produção, que variam entre seis e 24 meses para a chegada dos pedidos da Itália e que, embora não sejam em número significativo, atendem às exigências da fábrica e de sua produção limitada.
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